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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, julho 02, 2011

Mais um DNA furado: FHC deixou os brasileiros órfãos


Em ato realizado no Senado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso usou a festa do seu 80º aniversário para capitalizar supostos feitos, dar lições e pregar a conciliação nacional. Mas o povo e a nação não têm o que comemorar.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu nesta quinta-feira (30) uma homenagem do seu partido, o PSDB, pelo aniversário de 80 anos. Aproveitou para inventariar vida e obra e se achou no direito de dizer que são ainda muitas as dificuldades a serem enfrentadas pelo país. Certamente. Fico a imaginar como poderia ser fácil, com tanta herança maldita a remover.
“O hardware, o trabalho pesado, nós fizemos. Avançamos, mas ainda falta o software, o carinho, a atenção. Falta que se introduza nos nossos temas uma dimensão de economia sustentável, uma sociedade sustentável. Não se trata da produção só, da natureza, mas de tudo isso, da relação do ser humano com as pessoas”, disse, em seu discurso no Senado, aproveitando a oportunidade para expor os temas que lhe parecem atuais.
Professoral como sempre, pontificou: “O País avançou muito em relação àquele país pobre, doente, analfabeto, mergulhado num abismo social de diferenças de classe". No entanto, embora os brasileiros tenham, agora, acesso à educação e à saúde pública, o mestre da Sorbonne advertiu que é preciso qualificar os serviços: "Temos de entrar num patamar em que não basta o acesso, falta muito para o salto de qualidade".
Para o ex-presidente, o Brasil ainda tem um desafio muito grande pela frente, de construir uma "sociedade mais decente", em que o desenvolvimento sustentável alcance todas as pessoas, sem que alguns continuem sendo deixados de lado.
Fernando Henrique ainda se disse emocionado com a carta de parabéns enviada pela presidente Dilma Rousseff. Para ele, que na semana passada espinafrou o Lula, o qual em sua opinião é incapaz de tamanha grandeza, o gesto de Dilma foi de conciliação e exemplo de democracia. “Senti não um gesto político no sentido comum, mas um gesto de dizer, somos brasileiros, em algum ponto temos de nos entender e não vale a pena somente um destruir o outro, porque isso não leva a nada”, disse, supondo ter sido comovente.
É mais uma ocasião em que Fernando Henrique capitaliza a carta em que a presidente Dilma cumprimenta-o pelo aniversário e o reconhece como um político que "contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica" no Brasil.
Ele não deixou passar em branco a oportunidade para consignar as reivindicações do seu partido: “Precisamos construir juntos, tomar decisões públicas, que passem pelo crivo da opinião pública. E a opinião pública passa pelo Congresso”, insinuando assim que o governo atual toma decisões privadas e ao arrepio da opinião pública.
Por fim, Fernando Henrique declarou-se emocionado com a exibição de um vídeo feito pelo cantor e compositor Chico Buarque para sua campanha a prefeito de São Paulo pelo PMDB, transformando a clássica "Vai passar" em "Vai ganhar". Revelou que na época (1985), recebeu um telefonema de Chico cantando o refrão da música para ele. E comparou a surpresa à emoção de ter a "grande dama cênica", Fernanda Montenegro, como mestre de cerimônias na homenagem de hoje.
Contudo, Fernando Henrique sabe que os tempos são outros e com o passar dos anos mudam também muitas outras coisas. “Vão-se os tempos, mdam-se as vontades”, diz o adágio. E com elas as convicções.
Ele finge não saber, pois lhe interessa baralhar fatos, a fim de comprovar a sua tese surrada, que seu acólito Serra bateu ainda mais durante a última campanha eleitoral, de que desde o final da ditadura militar há uma linha de continuidade cujos marcos principais foram a promulgação da Constituição de 1988 e o seu governo, o non plus ultra da redenção nacional.
Para não se incompatibilizar ainda mais com a opinião pública, inclui o governo Lula nesta continuidade e o da Dilma, cujo gesto protocolar, carregado de superlativa cortesia, ele tenta apresentar como aceno para a conciliação.
Não queremos dar um tiro no concerto. Mas, convenhamos que a herança (maldita), o programa e o jeito tucano de governar, ambos conservadores e neoliberais, são inconciliáveis com as aspirações e os esforços do povo brasileiro e das forças progressistas do país para construir uma nação progressista, democrática, independente e socialmente justa.
Não há o que conciliar, nem composição possível de interesses entre, por um lado FHC, e o PSDB, que pegou uma carona em seu aniversário para recauchutar a imagem desgastada, com as forças de esquerda. Estas últimas, partindo das conquistas democráticas, nacionais e sociais iniciadas durante o governo Lula, aspiram a avançar mais com o governo da presidente Dilma, aliás como ela prometeu durante a campanha eleitoral.
Tanto quanto foi maldita a herança, é triste a memória do governo FHC, uma apagada e vil tristeza. Foram oito anos de entreguismo, privatizações do patrimônio público por moeda podre, diplomacia de pés descalços, subordinação à estratégia global do imperialismo, criminalização dos movimentos sociais e tentativa de soerguer uma ditadura de punhos de renda, na feliz expressão do jurista Celso Antonio Bandeira de Melo.
FHC tem suas razões pessoais de comemorar o 80º natalício, uma festa privada e de sua entourage. Respeitamos. A nação e o povo, porém, não têm por que celebrar o presidente que foi nem o político que é.

Por José Reinaldo Carvalho - Editor do Vermelho

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