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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, novembro 11, 2012

O ‘maloqueirismo’ na mídia brasileira



 


O termo “maloqueiro”, ironicamente, sempre foi estigmatizado por parte da nossa elite, sendo utilizado para designar aquele que lhe era abjeto; para conceituar aquilo que a seus olhos eram grupos sociais “ordinários”. 

Agora, esse rótulo se volta contra essa mesma elite, definindo e adjetivando suas ordinárias práticas. 


O jornalismo maloqueiro ou “maloqueirismo” é aquele originário das malocas da mídia brasileira. 


Tomo emprestado aqui, a título de ilustração, algumas definições do termo “maloca” constantes do dicionário Aurélio: 


“Esconderijo; grupo de gente que não inspira confiança; grupos de salteadores, de bandidos”. 


São essas conceituações que servirão de embasamento para nosso “estudo de caso”.
 

O propósito aqui não é exatamente modesto. 


A saber: pretende-se fazer um estudo das influências do “maloqueirismo” como força determinante do comportamento predatório e antiético de parte importante da mídia brasileira nos dias de hoje, e seus reflexos no jogo pelo poder e na sociedade.


Ambicionamos ainda mais: pretendemos que essa nova categoria de jornalismo seja estudada nas faculdades de comunicação – como exemplo didático e emblemático de caminhos, atalhos e esparrelas a serem evitados pelos jovens jornalistas. 


“Maloqueirismo” ou “jornobanditismo”, grosso modo, é o jornalismo a serviço do banditismo – dos interesses escusos, criminosos. 


É o comando do crime organizado da opinião publicada. 


Este, esclareço, é apenas um capítulo introdutório desse incipiente estudo que certamente será assumido e desenvolvido também por outros jornalistas, acadêmicos e estudiosos do tema. 


Aqui, valerá como nunca a contribuição milionária de todos os erros. 


Sinta-se, pois, à vontade para dar a sua colaboração nesse debate. 


É digno de nota que o termo “maloqueiro”, curiosa e ironicamente, sempre foi estigmatizado por parte da nossa elite, era utilizado para designar aquele que lhe era abjeto; para conceituar aquilo que a seus olhos eram grupos sociais “ordinários”. 


Agora, paradoxalmente, esse rótulo se volta contra essa mesma elite, definindo e adjetivando suas ordinárias práticas.
 

Mas como identificar um jornalista maloqueiro? 


Veremos a seguir.
 

Esses jornalistas vivem enclausurados em seus próprios umbigos e crenças de classe. 


Tal qual vampiros* não saem à luz do dia – têm seus motivos [* sentido figurado: aquele que explora os pobres em benefício próprio]. 


Não se encontra um “maloqueiro” nas ruas e shoppings de sua cidade, por exemplo. 


Eles rastejam nas antessalas e corredores do poder. 


Não pegam ônibus, trem ou metrô; desconhecem, portanto, as agruras por que passam os cidadãos comuns. 


Seus patrões, zelosos, tal qual o bom carcereiro da fábula que embala os inocentes, vez em quando lhes coloca um prato de comida e uma cuia com água fresca, na porta de seus catres sombrios, para que estes se alimentem e matem a sua sede. 


Sede de água, vale o registro, mesmo sob o risco do pleonasmo – pois a sede de servir ao patrão, esta é insaciável. 


São regiamente remunerados e recebem, a título de bônus, pequenos mimos e mordomias – para que, também eles, sintam-se parte integrante do que se convencionou chamar de “classe dominante” ou, numa linguagem mais vulgar, de “bem nascidos”. 


Viajam de 1ª classe; acomodam-lhes em bons hotéis estrelados; bebem vinho caro e bom champanhe; comem em bons restaurantes [de alta gastronomia] etc. 


A eles, em verdade, bem como aos seus leitores, são destinadas as migalhas, os restos dos banquetes em que se fartam os hipócritas. 


Tal qual condenados, subjugados pelo seu próprio servilismo e vacuidade
, eles sequer percebem, mas a cada movimento que fazem em seu claustro de misérias escuta-se ao fundo o rangido do lento arrastar dos grilhões e correntes invisíveis, que lhes servem de amarras. 

Grilhões e correntes invisíveis aos olhos dos justos e dos incautos, mas que não engana o rigoroso juiz que todos carregamos n’alma e que lhes assombram e comprometem o sono. 


O “maloqueirismo” ou “jornobanditismo” é um neologismo, um conceito relativamente novo, nem tão recente decerto, mas que ainda não foi devidamente estudado, dicionarizado ou catalogado. 


Já foi traduzido, inapropriadamente, algumas vezes, por variados nomes e qualificativos, tais como “parcialismo”, servilismo ou sabujice, vilania, pena de aluguel, “escreventes da infâmia”, jornalismo fiteiro etc. 


Mas não é nada disso; é muito mais além, ou aquém. 


É obra do jornalismo maloqueiro
, por exemplo, a politização do descalabro, as denúncias seletivas, que só afetam determinado partido político; as manchetes tão grandiloquentes quanto vazias; a “espetacularização” da notícia; a utilização de arapongas e detetives mafiosos em seus métodos investigativos; o desrespeito às pessoas, a sujeição do outro ao linchamento moral e à desonra; a expropriação da identidade do indivíduo, o culto ao patrimônio, dentre outras mazelas e vergonhas. 

Devemos, portanto, em nome da liberdade e do pluralismo da imprensa, condenar e denunciar esse tipo deletério de jornalismo e, mais que isso, informar o nosso público leitor acerca de sua existência e, na medida do (im)possível, melhor formar os nossos futuros jornalistas. 


Aguardemos, portanto, mais contribuições ao estudo dessa importante matéria que se impõe na contemporaneidade. 


Pois como já bem assinalou, recentemente, o professor Bernardo Kucinski: 
“Estamos assistindo ao surgimento de um macartismo à brasileira”. 

Lula Miranda é poeta e cronista. Foi um dos nomes da poesia marginal na Bahia na década de 1980. Publica artigos em veículos da chamada imprensa alternativa, tais como Carta Maior, Caros Amigos, Observatório da Imprensa, Fazendo Média e blogs de esquerda.

*cutucandodeleve

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