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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, novembro 30, 2014

Esmagados pelo Estado: Uma Pichação, Água Sanitária e Detergentes Para Contar a História

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Por Raísa Bakker - Justificando


Um muro, uma ideia, algumas palavras misturadas, uma crítica, spray, uma câmera e um protagonista de uma história que impressionou e, infelizmente, ainda impressiona quem testemunha as tais mazelas do direito penal.
“Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima p/baixo.”
Retornava de mais um dia de trabalho extramuros, como faxineiro de um escritório de advocacia. Ele só queria tirar uma foto, deve ter se identificado com aquele conjunto simples de vocábulos, mas que transcendiam o cimento e permeavam as ideias, ainda que reprimidas dentro das grades da opressão.
Punido, em cela isolada e impedido de ir para o trabalho, deparou-se, mais uma vez, com o motivo que o levou a tirar aquela foto. Mais uma vez estava esmagado, sendo esmagado.
Desde Junho de 2013, Rafael Braga cumpre seu destino: uma fatídica peripécia (para não ousar falar novela mexicana) penal. Seu crime? Talvez, estar e ser. Estar no local errado e na hora errada e ser pobre, morador de rua e negro. E ainda mais, habitante da terra brasilis, onde tudo pode acontecer, e acontece!
Sob o aspecto material, após laudos inconclusivos, não ousaria buscar tipificação que alcançasse esse caso. Formalmente falando? Portador nato de Pinho Sol e água sanitária. Condenado, Rafael Braga é o único encarcerado após as manifestações de 2013. A mão desse tal Estado é bem mais pesada quando o assunto é pobreza.
Por trás dos fardos e indo aos fatos, o tempo passou e os fantasmas são os mesmos. Só mudam de endereço e de função. Vivemos uma realidade formal e, em contrapartida, a quase eterna busca pela materialidade das coisas, com base no que lemos, com base nas coisas que içamos como bandeira de luta(s). “Quem autorizou que se critique o Estado?”. “Deveria não incitar que critiquem o Estado”. E por qual motivo não se poderia?
A banalização de condutas que impõe sanções aos que se posicionam, mesmo sendo cumpridores das suas penas, politicamente (ou nem isso), em face de um Estado que só olha para um lado, esquecendo-se que todos somos filhos desse mesmo chão. Com que direito, se nem mesmo há norma que ampara essa vedação? Nem a lei define. O judiciário deveria ser o primeiro a dizer se a manifestação de pensamento, ainda que dentro dos muros, é vedada. Ainda mais sendo de forma não violenta
Mas no silêncio da lei, isso, ainda, pode ser objeto de vedação, quiçá, punição? Se a liberdade que temos está no que a lei não proíbe, como Constituição Federal consagra no formoso artigo 5º, inciso II. 
Sim, você, encarcerado, pobre, negro, não pode criticar o Estado. Preocupe-se com outras coisas, o de sempre. Ainda, precisaremos de muitas águas sanitárias e Pinhos Sol para limpar essa vergonha e construir finais mais condizentes com as coisas que aprendemos na universidade e na vida, com toda a certeza. Porque sim, isso é questão de vergonha.
Raíssa Baker é graduanda em Direito pela Universidade Santa Úrsula, aprovada no XV Exame da OAB. É estagiária do Leite, Tosto e Barros Advogados. 
*Mariadapenhaneles

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