Por Raísa Bakker - Justificando
Um muro, uma ideia, algumas palavras misturadas, uma crítica, spray, uma câmera e um protagonista de uma história que impressionou e, infelizmente, ainda impressiona quem testemunha as tais mazelas do direito penal.
“Você só olha da esquerda para a direita, o Estado te esmaga de cima p/baixo.”
Retornava de mais um dia de trabalho extramuros, como faxineiro de um escritório de advocacia. Ele só queria tirar uma foto, deve ter se identificado com aquele conjunto simples de vocábulos, mas que transcendiam o cimento e permeavam as ideias, ainda que reprimidas dentro das grades da opressão.
Punido, em cela isolada e impedido de ir para o trabalho, deparou-se, mais uma vez, com o motivo que o levou a tirar aquela foto. Mais uma vez estava esmagado, sendo esmagado.
Desde Junho de 2013, Rafael Braga cumpre seu destino: uma fatídica peripécia (para não ousar falar novela mexicana) penal. Seu crime? Talvez, estar e ser. Estar no local errado e na hora errada e ser pobre, morador de rua e negro. E ainda mais, habitante da terra brasilis, onde tudo pode acontecer, e acontece!
Sob o aspecto material, após laudos inconclusivos, não ousaria buscar tipificação que alcançasse esse caso. Formalmente falando? Portador nato de Pinho Sol e água sanitária. Condenado, Rafael Braga é o único encarcerado após as manifestações de 2013. A mão desse tal Estado é bem mais pesada quando o assunto é pobreza.
Por trás dos fardos e indo aos fatos, o tempo passou e os fantasmas são os mesmos. Só mudam de endereço e de função. Vivemos uma realidade formal e, em contrapartida, a quase eterna busca pela materialidade das coisas, com base no que lemos, com base nas coisas que içamos como bandeira de luta(s). “Quem autorizou que se critique o Estado?”. “Deveria não incitar que critiquem o Estado”. E por qual motivo não se poderia?
A banalização de condutas que impõe sanções aos que se posicionam, mesmo sendo cumpridores das suas penas, politicamente (ou nem isso), em face de um Estado que só olha para um lado, esquecendo-se que todos somos filhos desse mesmo chão. Com que direito, se nem mesmo há norma que ampara essa vedação? Nem a lei define. O judiciário deveria ser o primeiro a dizer se a manifestação de pensamento, ainda que dentro dos muros, é vedada. Ainda mais sendo de forma não violenta
Mas no silêncio da lei, isso, ainda, pode ser objeto de vedação, quiçá, punição? Se a liberdade que temos está no que a lei não proíbe, como Constituição Federal consagra no formoso artigo 5º, inciso II.
Sim, você, encarcerado, pobre, negro, não pode criticar o Estado. Preocupe-se com outras coisas, o de sempre. Ainda, precisaremos de muitas águas sanitárias e Pinhos Sol para limpar essa vergonha e construir finais mais condizentes com as coisas que aprendemos na universidade e na vida, com toda a certeza. Porque sim, isso é questão de vergonha.
Raíssa Baker é graduanda em Direito pela Universidade Santa Úrsula, aprovada no XV Exame da OAB. É estagiária do Leite, Tosto e Barros Advogados.
*Mariadapenhaneles
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