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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, novembro 11, 2014

O povo mexicano decidiu dar um basta às milícias, ao uso do narcotráfico para amedrontar a população e à violência oficial do Estado


MéxicoO crime que vitimou 43 jovens no povoado de Iguala, estado de Guerrero, no México ocorreu há mais de um mês. No início, a estratégia do governo e da mídia foi a de vincular os jovens com o cartel de traficantes da região, conhecido pelo nome de “Guerreros Unidos”. A mobilização popular por justiça e punição dos assassinos, no entanto, comprovou as ligações do governo local com o narcotráfico e quando os policiais acusados de praticar os assassinatos foram presos, os cartel realizou ataques exigindo que fossem libertados.
O povo mexicano decidiu dar um basta às milícias, ao uso do narcotráfico para amedrontar a população e à violência oficial do Estado. Neste último mês, sedes de governos e prefeituras foram ocupados, grupos de autodefesas foram formados, marchas multitudinárias foram realizadas na capital do país e em outras importantes cidades e uma greve geral está sendo preparada para o início de Dezembro. Uma verdadeira corrente de solidariedade se fortalece em todo país exigindo que a morte dos jovens de Iguala não seja em vão.
Nem a distância geográfica, nem a falta de informações mais profundas por parte da grande mídia pode nos fazer pensar que estamos longe da realidade do México. É verdade que a televisão brasileira fez mais reportagens nesse período sobre eventuais problemas climáticos nos Estados Unidos do que sobre a tragédia que ocorre com nossos irmãos da América Latina. Mas a chacina que ocorreu em Belém na madrugada do dia 05 de novembro talvez nos faça atentar para a realidade.
Há relatos que dão conta de até 35 mortes nos bairros de Guamá, Terra Firme e Jurunas, periferia de Belém. Até agora, o governo do estado confirma apenas 10 mortes. Entre essas pessoas está um jovem de 16 anos – Eduardo Galucio Chaves –  que voltava da escola. Uma pessoa com necessidades especiais foi alvejada com cinco tiros e morreu após se assustar com o barulho e correr, conforme denúncia de Francisco Batista da Comissão de Justiça e Paz.
A estratégia do governo e da mídia brasileira é similar a de seus pares mexicanos: vincular as mortes ao envolvimento com o tráfico. É muito óbvio, no entanto, encontrar os verdadeiros responsáveis uma vez que a chacina teve início como vingança após o assassinato de um cabo da Polícia Militar. A chacina foi abertamente organizada e propagandeada pelos policiais através de diferentes redes sociais mas, até hoje, ninguém foi preso.
Diferente do que ocorreu no México, a chacina de Belém não despertou a mobilização social contra o assassinato de inocentes. A revolta permanece surda e restrita aos lugares impactados pelas mortes.
O que a chacina de Belém talvez nos faça ver é que México e Brasil vivem situações muito parecidas. Em ambos países existe um forte poder econômico nas mãos do narcotráfico, este mesmo narcotráfico está profundamente ligado aos órgãos estatais através das milícias e grupos de extermínio, e os governos manejam com narcotráfico e milícia para impôr o medo à população. O povo do México percebeu que a luta social é a forma de dar um basta a essa situação. Quantas chacinas como a de Belém serão necessárias para que os brasileiros tomem a mesma decisão?
Jorge Batista, São Paulo
*JornalAVerdade

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