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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, dezembro 27, 2014

A rainha e o senhor Lula

Lula Brasil rainha dinamarca
André Falcão*
O reino era o da Dinamarca. Mas os plebeus não eram bem plebeus, senão turistas brasileiros de classe média, ou média-alta, que por lá se encontravam, mais precisamente em Copenhague.
Embora ensolarada, a manhã era fria, o que tornava indispensável o uso de agasalhos generosos. A guia, uma simpática senhora indiana de ar agradável, sorriso franco e farto, voz calma e doce — mas disciplinadora, quando necessário o silêncio e o cumprimento dos horários acordados —, vestia-se de modo simples, mas digno. Usava um vestido acinzentado, sandálias confortáveis de solado de borracha, e cachecol estampado de tons neutros. Cabelos grisalhos longos, fartos e lisos penteados para trás e presos num coque próximo à nuca. Sem joias ou brincos, senão um relógio e uma aliança prateada no anelar da mão esquerda.
Numa oportunidade, reportando-se à monarquia naquele país, e em tom de gracejo, aludiu ao fato de que lá, como no Brasil, eles pagam impostos para sustentar os governantes: no Brasil, os políticos; na Dinamarca, a realeza.
A alguns risos igualmente despretensiosos, ouviu-se: “Melhor sustentar a realeza!”, ouviu-se de um deles. “Melhor os políticos, que foram escolhidos por nós!’, retrucou outro. A incipiente manifestação dissipou-se por ali mesmo, assim também qualquer outro tema com alguma conotação política.
Findo o passeio, alguns poucos estiveram com ela por bom tempo a conversar. Aí se depararam com uma mulher de singular cultura, viajada (já havia até morado no Brasil), extraordinariamente politizada e que, aposentada juntamente com seu marido, resolvera(m) ser guia turístico para completar o orçamento doméstico, dado o altíssimo custo de vida naquele país.
Desculpou-se por evitar falar em política com grupos de brasileiros, porque na sua maioria raivosamente contrários ao ex-presidente Lula. “Não compreendo… Um presidente com as qualidades do senhor Lula!…”, dizia com pouco acentuado sotaque português. “Há poucos políticos com tamanha grandeza. Olha, digo-lhes que a rainha somente conferiu a intimidade de receber em sua residência dois únicos políticos: Bill Clinton e o senhor Lula. Este, ainda candidato, procurou-a para aprender acerca das políticas voltadas para o povo dinamarquês. Admira-o. É um homem incrivelmente inteligente e de uma sensibilidade incomuns. Não à toa recebe títulos importantíssimos mundo a fora! No entanto, vossa classe média não gosta dele… Então, prefiro calar-me, pois não?
*André Falcão é advogado e autor do Blog do André Falcão. Escreve semanalmente para Pragmatismo Político

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