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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, junho 05, 2012

As bombas que Israel finge esconder

 

Via PCB
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Foi furado o “silêncio ensurdecedor” que o governo e a mídia nos Estados Unidos – assim como governos e mídias que olham baixo para Washington mundo afora – guardam a respeito das bombas atômicas de Israel. The New Yorker, um dos mais conceituados jornais estadunidenses, publicou um artigo de seu colunista John Cassidy que escancara o problema. Estima entre 100 e 300 o número de bombas estocadas e (mal) escondidas pelo Estado de Israel, que dispõe igualmente dos aviões e mísseis capazes de levá-las até alvos no Irã, possivelmente num bombardeio que ele diariamente ameaça cometer. Pouco antes, Pat Buchanan, renomado político conservador e conselheiro de vários presidentes, de Nixon a Reagan, fez denuncia semelhante. “São as 300 ogivas nucleares de Israel que ameaçam o mundo, não o Irã”, disse ele, entre outras advertências alarmantes. Mas sua denúncia veio num site alternativo da internet, visto por relativamente poucos. Já, no New Yorker, é outra coisa. Nada vai mudar por isso na política hipócrita de Washington, mas já fica difícil para alguém medianamente informado nos EE.UU. dizer que não sabia dessa faceta sinistra da política externa dos sucessivos governos de seu país, há 50 anos.
Clique aqui para ler a entrevista com Buchanan e aqui para ler o artigo no de John Cassidy no New Yorker. Abaixo, compartilhamos a tradução, oferecida em email por Sergio Caldieri.
E sobre as bombas atômicas de Israel?
5/3/2012, John Cassidy, The New Yorker, New York
Caso você tenha esquecido – e não seria difícil, dado que ninguém jamais fala delas em debates públicos – Israel tem cerca de cem bombas atômicas, talvez o dobro ou o triplo, e a capacidade técnica e os equipamentos necessários para dispará-las de silos subterrâneos, de submarinos e de jatos bombardeiros F-16.
Além do ministro da Defesa de Israel, pouca gente sabe precisamente quantos mísseis armados com ogivas nucleares o país tem. Segundo estimativa não secreta divulgada em 1999 pela Agência de Inteligência da Defesa dos EUA, citada num boletim da Federação dos Cientistas Norte-americanos de 2007, Israel tinha então entre 60 e 80 ogivas nucleares. Estimativas mais recentes dizem que o número é consideravelmente maior.
O Instituto de Estudos Estratégicos com sede em Londres diz que Israel tem “cerca de 200” ogivas nucleares carregadas em mísseis terra-ar Jericho 1 e Jericho 2 de curto e médio alcance. Jane, a empresa da Defesa-informação, estima que, no total, o número de ogivas nucleares esteja entre 100 e 300, o que põe o arsenal nuclear de Israel lado a lado com a capacidade nuclear de britânicos e franceses. E muitos acreditam que essas ogivas já estejam carregadas nos novos mísseis balísticos intercontinentais Jericho 3, que têm alcance de mais de 7.200km – o que significa que, em teoria, podem atingir alvos na Europa e na Ásia.
Desde os anos 1960s, quando Israel construiu sua primeira bomba atômica, governos sucessivos têm-se recusado a reconhecer a existência do programa israelense de armas atômicas – posição oficial designada por uma palavra em hebraico, amimut, que significa “opacidade”, “transparência-zero”. E não se trata só de Israel reconhecer ou não reconhecer. Israelense que revele detalhes sobre o programa nacional de bombas atômicas comete crime, pelo qual pode ser condenado a longas penas de prisão. Em 1986, Mordechai Vanunu, ex-técnico nuclear, entregou ao Sunday Times de Londres, fotografias que havia tirado do Centro de Pesquisa Nuclear do Negev, próximo à cidade de Dimona. Depois de publicada a história de Vanunu, agentes do Mossad sequestraram-no em Roma, onde passava férias, e o levaram de volta a Israel. Cumpriu pena de 18 anos de prisão, 11 dos quais em confinamento (solitária).
Avner Cohen, o historiados israelense-estadunidense que, em 1998, publicou livro-tese acadêmica sobre o programa nuclear israelense, Israel and the Bomb [Israel e a Bomba] teve melhor sorte. Mas, quando voltou a Israel em 2001, para uma conferência, foi preso e submetido a 50 horas de interrogatório por agentes de segurança do Ministério da Defesa, que queriam saber sobre suas fontes e motivações para escrever o livro. E em 2002, Yitzhak Yaakov, ex-chefe do programa de pesquisa de armas do exército de Israel recebeu pena de dois anos de suspensão depois de escrever suas memórias[1]. “Para mim, tudo isso é um pesadelo” – disse  Yaakov, durante seu julgamento. “Acordo pela manhã e lembro que fui interrogado, acusado de espionagem. Disseram-me que eu era pior que Vanunu e que minha esposa é Mata Hari.”
Agora que Israel ameaça bombardear o programa de pesquisas nucleares para finalidades pacíficas do Irã – porque nem os serviços de inteligência dos EUA acreditam que tenha evoluído até o estágio de poder tentar construir bombas atômicas, segundo o Times[2] – a encenação continua. Considerem a entrevista que Benjamin Netanyahu concedeu em 2010 a meu ex-colega Jeffrey Goldberg, publicada em The Atlantic:
Netanyahu não poria a questão em temos de paridade nuclear – a política israelense do amimut (opacidade, transparência zero) proíbe reconhecer a existência do arsenal nuclear israelense, de mais de 100 bombas atômicas, bombas termonucleares de dois estágios, que podem ser disparadas por mísseis, aviões bombardeiros ou submarinos (dois dos quais, segundo fontes da inteligência estão atualmente posicionados no Golfo Persa). Em vez disso, preferiu falar sobre o programa iraniano como uma ameaça não só a Israel, mas a toda a civilização ocidental.[3]
Evidentemente, o governo de Israel tem pleno direito de formular como lhe apraza suas políticas, considerados os interesses do país. E, também evidentemente, os EUA devem fazer o mesmo. Em seu discurso ao AIPAC, ontem, o presidente Obama disse o seguinte:
Um Irã nuclear é completamente contrário aos interesses da segurança de Israel. Mas também é contrário aos interesses da segurança nacional dos EUA. Na verdade, todo o mundo tem interesse em impedir que o Irã chegue a uma arma nuclear. Um Irã armado com arma nuclear poria abaixo todo o regime de não proliferação que tanto nos custou construir. Há riscos de que uma arma nuclear iraniana caia em mãos de alguma organização terrorista. É quase certo que outros, na região, sentir-se-ão obrigados a ter sua própria arma nuclear, o que dispararia uma corrida armamentista numa das regiões mais voláteis do mundo.[4]
E em todo aquele longo discurso, nem uma vez houve qualquer menção às bombas atômicas israelenses, nem à persistente recusa, por Israel, a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (do qual o Irã é signatário). Algum presidente dos EUA algum dia reconheceu publicamente a existência das bombas atômicas de Israel?
Em seu livro mais recente, The Worse Kept Secret: Israel’s Bargain with the Bomb [O segredo mais mal guardado: a barganha de Israel com a bomba],[5] Avner Cohen refere-se a um encontro, em setembro de 1969, entre o presidente Richard Nixon e Golda Meir sobre as bombas atômicas clandestinas de Israel.
Nenhum registro escrito ou testemunho oral sobre o que se disse naquele encontro sobreviveu, que se conheça; e o que os líderes disseram naquela reunião permanece cercado do mais denso mistério. Em retrospectiva, pode-se dizer que naquele encontro foi instituído o amimut como posição estratégica apoiada mútua e simultaneamente por Israel e EUA. O encontro Nixon-Meir marca o local e data do nascimento da barganha.
Num momento em que o lobby nos EUA, com a cooperação dos candidatos Republicanos, pressiona o governo estadunidense para que apoie a linha dura de Netanyahu contra o Irã, talvez seja hora de reavaliar aquela barganha. Nem é preciso mudar muito. O regime de Teerã é profundamente antipático, e muitos de nossos outros aliados, incluídos a Grã-Bretanha, França e Arábia Saudita, também estão decididos a impedir que se una ao clube atômico. Mas reconhecer publicamente o que todos sabem sobre Israel – que, sim, é uma das potências nucleares do planeta – teria a grande vantagem de salvar os EUA, tirando-o da posição vulnerável em que está, repetidamente acusado de servir-se de dois pesos e duas medidas, no relacionamento com o Irã.
[4] Ver “ ‘Bibi’ continua a sacudir o cachorro americano?”, Pepe Escobar, 5/3/2012, Asia Times Online, traduzido emhttp://redecastorphoto.blogspot.com/2012/03/pepe-escobar-bibi-continua-sacudir-o.html
*GilsonSampaio

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