EUA: Sistema de Injustiça Criminal para negros pobres
O modelo de sociedade da direita brasileira capitaneada pelo PIG
Só
num estado, na Louisiana, a taxa de encarceramento, em relação à
população, é 13 vezes maior que a da China e cinco vezes maior que a do
Irã
Há
tantas coisas erradas nos EUA, que nem se sabe por onde começar. Mas,
de todas as calamidades que os norte-americanos enfrentam, a mais cruel é
o sistema de justiça criminal.
Os
EUA são a capital mundial das prisões. Só num estado, na Louisiana, a
taxa de encarceramento, em relação à população do estado, é 13 vezes
maior que a da China e cinco vezes maior que a do Irã.
O
encarceramento em massa não é acaso, mas reação coordenada e
aperfeiçoada contra o sucesso do movimento pelos direitos civis. As leis
de segregação racial foram tornadas ilegais. E imediatamente criaram-se
novos meios legais para segregar e destruir a comunidade negra nos EUA.
A obsessão dos EUA com o castigo sempre foi cause célèbre que
chamou a atenção de parte da mídia, quando é muito flagrantemente
injusta, ou evidencia vícios processuais ou mostra muito evidente
racismo. Mas esses detalhes perdem importância, se se considera o terror
sem fim que é o sistema judicial nos EUA.
O calvário de Brian Banks é exemplo disso.
Banks
tinha 16 anos e era aluno e jogador destacado da equipe de futebol
americano de uma escola em Long Beach, Califórnia, quando foi falsamente
denunciado por estupro, por uma colega de classe, em 2002. Banks foi
formalmente acusado, não só por estupro, mas também por sequestro.
Preferiria ter-se declarado inocente, mas estava ameaçado, se condenado,
por uma sentença de 41 anos de prisão. Como Banks relembra, seu
advogado lhe disse que era “negro alto e forte” e que os jurados o
considerariam culpado, dissesse o que dissesse; e que a confissão
reduziria a sentença. Seguindo conselho do advogado, Banks declarou-se
culpado.
Foi
condenado a cinco anos de prisão, depois dos quais passou a ser
monitorado por tornozeleira eletrônica e identificado como “agressor
sexual”. Quem seja identificado como “agressor sexual” é condenado, de
fato, a prisão perpétua; fica proibido de frequentar determinados
espaços, ou recebe a tornozeleira eletrônica várias vezes ao longo da
vida, por diferentes períodos.
As
sentenças draconianas não reduziram o número de ataques sexuais, nem
aumentaram a segurança de ninguém. São apenas mais um item acrescentado à
longa lista de instrumentos criados para infligir cada vez mais
sofrimento.
Acontece
assim com milhares de norte-americanos que, por um motivo ou outro,
acabam colhidos nas malhas do sistema, mesmo quando são praticaram
nenhum tipo de crime. No caso de Banks, a suposta vítima arrependeu-se,
confessou que mentira, e a história de Banks afinal chegou às manchetes.
Mas ainda não se cogita de levar a julgamento todo o sistema de justiça
criminal nos EUA.
Não
é raro que os procuradores ampliem a lista de acusação contra os réus, o
que força muitos a declarar-se culpados, na tentativa de escapar de
décadas de encarceramento. É como se os procuradores do estado da
Florida tivessem decidido que não seria necessário seguir todas as
etapas do justo processo legal. Basta aumentar os crimes de que os réus
sejam acusados, pedir sentenças gigantescas, cinco, dez, às vezes 20
vezes mais longas do que as sentenças previstas para o caso de o acusado
declarar-se culpado, vale dizer, para o caso de o acusado ‘confessar’
–, e o trabalho de todo o sistema judicial fica muito facilitado.
Marissa
Alexander foi acusada de ter dado um tiro no marido. Se se declarasse
culpada, seria condenada, no máximo, a três anos de prisão. Mas
recusou-se. O caso portanto teve de ir a júri, e ela, apesar de não ter
dado tiro algum em marido algum, cumpre hoje pena de 20 anos atrás das
grades.
O
que se vê nas cortes norte-americanas nada tem a ver com sistema de
justiça que, por definição, sempre daria aos acusados o direito de ser
julgado por juiz legal, assistido por advogado legal, sem medo de, por
razão nenhuma, acabar condenado a prisão perpétua. O sistema de justiça
nos EUA castiga, sempre mais, os inocentes que se declarem inocentes.
Em
muitos estados dos EUA, quem se declare inocente expõe-se a penas mais
curtas, mas, automaticamente, perde o direito às audiências preliminares
de defesa. Assim, os inocentes que se declarem inocentes se
autocondenam a permanecer presos por longos períodos, sem serem ouvidos
por nenhum juiz... até que confessem ter feito o que não fizeram,
quando, então, vão a julgamento, já condenados.
O
sistema judicial criminal e de correição dos EUA não passa de ninho de
corruptos e corruptores, e tem de ser desmontado até a raiz.
Prisões
e carceragens nos EUA são instituições que geram negócios e criam
empregos para a fechada comunidade dos carcereiros, para empresas
privadas que vivem do negócio de construir e administrar prisões, e que
impedem os negros norte-americanos de efetivamente questionar todo o
sistema, como faziam há 40 ou 50 anos.
Procuradores
e políticos beneficiam-se e lucram com o número sempre crescente de
condenados a sentenças cada vez mais longas, além de ganharem tempo de
exposição na mídia, nos casos mais espetacularizados, o que muito os
interessa no caso de serem candidatos a ‘promoção’, seja no sistema
judicial-policial seja no sistema político.
Pouco
têm a perder com as condenações a prisão perpétua que resultaram das
leis de “três acusações [de crime menor] equivalem a uma [de crime
maior], inventada para prender pequenos traficantes de drogas. A
“tolerância zero” nunca passou de metáfora para manter negros pobres – e
pobres em geral – sob controle.
O
discurso codificado e enunciado pela mídia e o lucro que advém da
falácia segundo a qual “se há sangue, é notícia” alimentam o medo e
ajudam também a obter o apoio de muitos negros e de muitos pobres, para
essas medidas judiciais, que são apresentadas como justas e legais,
quando são legais, mas são racistas.
Para
meter negros e pobres nas cadeias, nenhum crime é pequeno crime. Até
abandono dos filhos é crime que mete negros pobres nas prisões dos EUA,
negros pobres que, metidos nas cadeias por décadas, se não abandonaram
antes, fatalmente abandonarão os filhos depois de ‘justiçados’. Mas,
evidentemente, não há no mundo quantidades de pais e mães espancadores
de filhos, ou de predadores sexuais ou de assassinos psicopatas, para
encher prisões cujos proprietários privados são remunerados ‘por
cabeça’.
Esses
crimes-espetáculo, que são os únicos que são midiatizados, só são
midiatizados para manter operante o sistema judicial de distribuir e
perpetuar injustiças, aumentar o lucro das prisões-empresa, atrair votos
para candidatos financiados pelas mesmas prisões-empresas e pela mídia,
e para manter satisfeitos os norte-americanos racistas, “em uniforme”
ou sem uniforme.
O
caso de Brian Banks atraiu a atenção das televisões, jornais e
jornalistas, porque uma mentirosa o mandou para a cadeia. E as
televisões, os jornais e os jornalistas repisam sempre esse aspecto
desse caso. Mas essa explicação pouco explica dos outros muitos casos em
que o único mentiroso foi o sistema judicial norte-americano.
Temos
de considerar, isso sim, o que disse aquele advogado, para convencer
Banks a confessar crime que não cometera: que “negro alto e forte”, nos
EUA, é pressuposto culpado e é pré-condenado a longas sentenças e
castigo eterno.
Sempre
haverá casos cujas histórias atraem mais simpatias, ou cujos
personagens atraem apoiadores mais bem organizados. Ainda que nós também
sejamos atraídos para esses casos mais espetacularizados pelas
televisões, jornais e jornalistas, temos de lembrar que há muitos outros
negros e pobres que enchem as prisões nos EUA. O caso ‘do dia’ deve ser
ocasião para desentocar a besta e cortar-lhe a cabeça de uma vez por
todas. É a única notícia que realmente vale a nossa atenção.
Sobre a autora:
A coluna “Freedom Rider”, de Margaret Kimberley, é publicada semanalmente em Black Agenda Report, BAR (http://www.blackagendareport.com) e reproduzida em muitos jornais nos EUA. Mantém também um blog em http://freedomrider.blogspot.com. Recebe e-mails em
*Cappacete
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