Cinquenta anos sem Marilyn Monroe
Aproveitando o título de um ciclo de seus filmes (Quanto Mais Quente
Melhor, O Pecado Mora ao lado, Os desajustados, etc.) em cartaz este mês
no Telecine Cult, aproveito para fazer um tributo a MM (1926-1962) que,
ao lado de James Dean (este um pouco menos, porque morreu cedo demais) e
Marlon Brando (e este ainda menos, porque entrou em decadência, isto é,
viveu demais), constituiu o último triunvirato de mitos hollywoodianos
produzidos no pós-segunda guerra e já prenunciando a revolução dos
costumes que ocorreria a partir dos anos 60, pacote que incluía sexo
livre, drogas e rockenroll.
Aliás, a morte de Marilyn aos 36 anos, em 5/8/1962, causada por uma
overdose de barbitúricos, foi caracterizada, segundo a versão oficial,
como “suicídio acidental”. Morte cujas circunstâncias causaram polêmica
na época pois, em virtude de seu relacionamento com os Kennedy (quem não
se recorda do “Happy Birthday, Mr.President” cantado por ela,
deliciosamente embriagada e em cadeia nacional?), cogitou-se ter sido
perpetrada pela própria CIA à guisa de queima de arquivo.
O fato é que MM abalou a América puritana e fundamentalista, apesar da
pungente vulgaridade com a qual a própria indústria cinematográfica a
revestia, a partir dos cabelos platinados, do falso rebolado (dizem que
ela cortava um dos saltos do sapato para simular o famoso andar), das
roupas provocantes, dos escândalos de sua vida pessoal cultivados até à
vertigem por todos os colunistas de cinema, a começar pelas lendárias
Hedda Hopper e Louella Parsons.
Enfim, Marilyn era uma espécie de monstro sagrado cercado de factóides por todos os lados.
Aos aficionados recomendo (se é que ainda existe nas livrarias) sua
biografia, Marilyn, escrita por Norman Mailer (Rio, Civilização
Brasileira, 1970), um livro de capa dura onde estão encartadas suas
fotos mais famosas – desde a do calendário onde pousou nua, “coberta
apenas com a música do rádio”, segundo ela mesma, até às últimas
clicadas por Richard Avedon, nas quais este consegue captar com extremo
requinte sua beleza sutil, rarefeita, inapreensível, de beija-flor, algo
que só poderia ser registrado pela câmera cinematográfica.
Mas isto não significa que, profissionalmente, ela não fosse dura de
roer: quando perguntaram a Tony Curtis, seu parceiro em Quanto mais
quente melhor, qual era a sensação de beijar Marilyn Monroe, este
desabafou: “Você já beijou Hitler?”. E estava sendo sincero. Porque ela
sabia como ninguém “catimbar” os outros atores para roubar a cena: seus
atrasos, os esquecimentos das falas, faziam com que as tomadas fossem
obrigatoriamente repetidas zilhões de vezes, de forma que, à medida em
que a interpretação de Marilyn melhorava, os demais iam a nocaute.
A propósito, Truman Capote escreveu dois contos – dois testemunhos
magistrais sobre MM –publicados em Os cães ladram (Rio, Civilização
Brasileira, 1977) e Música para Camaleões (Rio, Nova Fronteira, 1980).
Naturalmente, estas são primeiras edições que, em geral, somente
escritores conservam; não sei se foram reeditados, embora sejam obras
fundamentais.
TC diz: “Monroe? Uma desleixada, na verdade, uma divindade relaxada – no
sentido em que uma banana split ou um pudim de cerejas é esparramado
mas divino. Os lábios lúbricos, a exuberância loira, as contorções
rítmicas, os requebros caricaturais, supostamente deveriam torná-la
universalmente reconhecível. No entanto, na vida real, a Monroe não é
facilmente identificada. Ela anda pelas ruas de Nova York sem que
ninguém a perturbe, acena para taxis que não param, toma suco de laranja
à beira da calçada servida por um garçon que sequer desconfia ser a
freguesa o objeto de suas mais alucinadas fantasias.” (Bem. É preciso
não esquecer que se estava nos anos 50).
“Contudo, é preciso que nos digam que Marilyn é Marilyn, pois, vista de
relance, não passa duma beldade de cabaré cuja carreira progride de
cabelos oxigenados aos doze anos a um par de maridos confiscados aos
vinte e termina aos trinta no fundo dum vidro de Seconal”. (proféticas
palavras…)
TC ainda observa: “Mas por fiel que seja ao tipo, ela não pertence a
esse gênero, é frágil demais para isso. A personagem que representa, uma
figura de cão sem dono pateticamente atrevida, é perfeita e tem um
encanto convincente, pois sua imagem na tela e a impressão que ela passa
são idênticas: ela é uma órfã, em espírito como de fato, marcada e
iluminada pelo estigma da orfandade. Sem confiar em ninguém, ela se
esforça como um trabalhador braçal para agradar a todos”.
A sua profunda ansiedade – quem se atrasa nunca menos de uma hora para
um encontro é detido por incerteza e angústia, não por vaidade; e é
angústia também, a tensão criada pela contínua necessidade de agradar, a
responsável por suas dores de garganta, unhas roídas, palmas úmidas, e
risadinhas histéricas – induz a uma pena terrível que o fascínio de seus
trejeitos não disfarça: que encanto pode ser mais poderoso, mais
sedutor, mais desarmante, que o duma celebridade festejada que desperta
nossa compaixão?
A propósito, no título de um desses contos, Truman Capote a define como “Uma criança linda”.
Inapreensível, inesquecível Marilyn Monroe.
Márcia DenserNo Congresso em Foco
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