Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, junho 08, 2012

Quebra da Espanha reabre debate sobre privatização

 

Nos anos 90, quando a América Latina estava no chão, os espanhóis fizeram a feira por aqui; hoje, eles são alvo da desconfiança internacional, pedem socorro e usam suas filiais, como no caso do Santander e da Telefônica, para socorrer as matrizes; é hora de rever a desestatização?
Alguns meses atrás, quando retomou o controle da petroleira Repsol, a presidente argentina Cristina Kirchner foi alvo de uma avalanche de críticas. Estaria quebrando contratos e arriscava levar seu país ao precipício, diziam seus detratores. O governo argentino, por sua vez, argumentava que a Repsol, agora YPF, havia perdido a capacidade de investir num setor estratégico da economia, que é a energia.
Hoje, por mais que se tente atenuar ou maquiar a realidade espanhola, não há meio termo. O país, simplesmente, quebrou. Nesta quinta-feira, por exemplo, a agência de risco Fitch rebaixou o país em três níveis e ainda o colocou em viés negativo – a classificação espanhola é próxima à de países em condição de moratória.
Diante do caos, a Alemanha, de Ângela Merkel, prometeu agir, assim como o Fundo Monetário Internacional, que estima em 90 bilhões de euros a necessidade de capitalização dos bancos espanhóis, que sofrem com a bolha imobiliária. Desempregados ou afetados pela crise, os espanhóis simplesmente não conseguem honrar suas hipotecas.
Essa Espanha de hoje é completamente daquela que, nos anos 90, fez a feira na América Latina. Nos processos de privatização do continente, os espanhóis foram os grandes compradores. O Santander levou o Banespa, a Telefônica adquiriu a Telesp e, mais recentemente, a Vivo, enquanto a Iberdrola levou vários ativos na área de energia.
Esta última empresa, que era sócia da Neoenergia, já fez as malas e anunciou sua intenção de ir embora do País. O Santander, que fez um IPO no Brasil prometendo usar os recursos em investimentos na sua rede nacional, drenou recursos para a Espanha e, na semana passada, apresentou uma proposta indecente à presidente Dilma: a de que o Banco do Brasil, controlado pelo Tesouro Nacional, compre 10% do banco e se torne sócio da crise imobiliária espanhola.
Nada, no entanto, foi tão esdrúxulo quanto o pedido feito pela Telefônica. Cesar Alierta, presidente mundial da companhia, quer que o governo brasileiro facilite a entrada de espanhóis, uma vez que a empresa precisa cortar 6 mil empregos em sua matriz. A alegação é de que seria mão de obra qualificada, não encontrável no Brasil.

Erros da privatização?

Na privatização das telecomunicações, em 1998, havia uma corrente que defendia o controle nacional do setor. Prevaleceu o argumento de que isso não era “moderno” e o Brasil permitiu que ativos importantes passassem a ser controlados por italianos, espanhóis e mexicanos. Hoje, o Brasil tem um dos sistemas de telefonia mais caros e ineficientes do mundo. Há monopólios privados na telefonia fixa, o sinal das empresas de telefonia celular é cada vez pior e a chamada banda larga é de má qualidade e não chega a toda a população.
Prova inconteste de que aqueles que fizeram a feira na privatização talvez não estejam mais tão dispostos a investir. Não é chegada a hora de buscar um novo modelo?
No 247
*comtextolivre

Nenhum comentário:

Postar um comentário