Memória da imprensa golpista
Vale a pena pagar 37 reais por uma aula de história contada com mestria pelo jornalista Flávio Tavares, no recém-lançado: 1961 – O golpe derrotado (L&PM).
Tavares viveu aqueles momentos numa dupla função. Era o jornalista
destacado para acompanhar os movimentos da resistência, organizado pelo
governador Leonel Brizola no Palácio Piratini, em Porto Alegre (RS), em
defesa da posse do vice-presidente Jango, mas, além da tarefa
profissional, ele aderiu à vitoriosa Rede da Legalidade empunhando um
revólver calibre 38. Como em Itararé, não houve disparos. Os militares,
diante da corajosa reação civil, recuaram.
O ano de 1961 sucede a 1954 e antecede 1964. São datas que não formam
apenas uma banal cronologia do tempo. Marcam etapas de crises políticas
em páginas infelizes da República. Na ordem cronológica correta, compõem
uma década iniciada com o suicídio de Getúlio Vargas (1954) e, após
isso, com a renúncia de Jânio (1961), seguida pela derrubada de Jango
(1964).
Lutadores. Brizola garantiu a posse de Jango, derrubado pelo golpe menos de três anos depois. Getúlio evitou a queda com suicídio. Fotos: Arquivo AE |
Um dos fios condutores desses três momentos é o posicionamento uniforme
dos “barões da mídia”. Eles ficaram contra Vargas, contra a posse de
Jango, sucessor legal de Jânio (que renunciou), e a favor do golpe de
Estado.
Não se trata de mera coincidência. A imprensa retrata a poderosa reação
conservadora e, nesses casos, reacionária e golpista como seria em
etapas futuras. Também não se trata de acaso o fato de as vítimas, como
nos exemplos de Getúlio Vargas e João Goulart, ou adversários como
Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva, integrarem, embora com
variações, uma só linha política nos últimos 60 anos na história da
República.
Lula sofreu essa mesma pressão. Sobreviveu com concessões políticas e
apoio numa fenomenal popularidade vinda da tônica social do governo.
Getúlio foi o precursor desse caminho quando montou, nos anos 1930, as
bases do moderno Estado brasileiro de um lado e, de outro, com as regras
iniciais dos direitos do trabalho, já sob pressão do movimento
operário. Posteriormente, no governo constitucional, nos anos 1950,
fortaleceria o papel do Estado como indutor de crescimento.
Foi derrubado com apoio da imprensa. Desarmou o sucesso do golpe com o
suicídio e, assim, favoreceu a vitória de JK. Juscelino navegou em águas
procelosas. Cruzou a tormenta porque mudou o rumo e a velocidade do
barco.
Em 1960, a imprensa embarcou na aventura de Jânio Quadros para assegurar
a derrota do marechal Lott, apoiado pelas forças trabalhistas, que, de
qualquer forma, impuseram a presença de Jango no poder como vice de
Jânio. Assim permitia a legislação. Isso se repetiria no futuro, em
1989, quando apoiou Fernando Collor para derrotar Lula.
Em 1961, a reação daria o troco com a renúncia de Jânio Quadros. Apoiou a
tentativa de golpe para conter a ascensão de Jango, como narra Flávio
Tavares ao remontar, com gravidade e graça picaresca, as Luzes e Sombras do Movimento da Legalidade.
Tavares resgatou manchete de O Globo (de 1961) com uma ameaça retumbante: “Estamos na encruzilhada: democracia ou comunismo”.
Prova isso a tragédia subsequente de 21 anos de ditadura.
Maurício DiasNo CartaCapital
*comtextolivre
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