Nós, os "puros"
Por Leandro Fortes
Deu-se estes dias que chegamos a
uma encruzilhada inaudita. Assim, os que ousaram se alinhar ao
sentimento de Luiza Erundina, de repúdio à ligação do PT e de Lula a
Paulo Maluf, passaram a ser chamados de “puros”. Assim mesmo, entre
aspas, para que fique claro a conotação de que, uma vez puros, são
também tolos, tristes sonhadores, idealistas cuja atitude pueril não só
transgride as …regras do jogo como, no fim das contas, subverte a ordem
de uma guerra santa. Em meio ao jihadismo estabelecido nas eleições
paulistanas, de demônios tão nítidos quanto malignos, a atitude de
Erundina contra a aliança da esquerda com um bandido procurado pela
Interpol, com o cúmplice ativo dos assassinos da ditadura militar, com o
construtor da vala comum do cemitério de Perus, com a representação do
pior da direita, enfim, tornou-se um ato de traição, de purismo
político, de angelical perversão.
Ato contínuo, os mesmos que dias
antes haviam comemorado a chegada da deputada do PSB à campanha de
Fernando Haddad passaram, de uma hora para outra, a demonizá-la,
curiosamente, pelo viés de um purismo atávico e infantil. Erundina, a
louca idealista, a tresloucada individualista capaz de destruir os
planos de redenção da esquerda por causa de uma foto, uma imagem de
nada, um instantâneo sem relevância nem simbolismo, apenas o registro
banal de um líder da resistência a se confraternizar com chefe da
escória. Ah, os puros, como são tolos! Justo quando deles se exige
fortaleza e dedicação, aparecem esses sonhadores cheios de escrúpulos e
regramentos éticos.
De toda parte, então, passaram a
rugir leões do pragmatismo político, militantes de uma realpolitik
feroz, implacável, a pregar a irrelevância dos puros, dos tolos da
ética, quando não de sua influência nefasta sobre os jovens e, claro, do
enorme desserviço prestado à democracia e ao admirável mundo novo que
se anuncia. Os puros, dizem, nunca ganham eleições. E se não o fazem,
portanto, que não atrapalhem os que as querem ganhar a qualquer custo. É
preciso impedi-los, portanto, de se mostrar em público. É preciso
calá-los, desqualificá-los, torná-los ridículos, patéticos em sua
fraqueza.
Nem que para isso seja preciso
transformar em traidora uma brasileira digna, com 40 anos de vida
pública inatacável, uma heroína da resistência, uma política que passou a
vida levando assistência a favelas e cortiços, uma parlamentar que
dedica seus mandatos a defender a democratização da comunicação e o
resgate da memória dos que foram seqüestrados, torturados e mortos pelo
regime ao qual serviu Paulo Maluf. Este mesmo Maluf contra o qual os
puros, os tolos e os sonhadores da política, vejam vocês, tem a ousadia
de se voltar.
*Ornitorrinco
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