A Rio+20 e a proposta de um capitalismo verde
Entre os dias 13 e 22 de junho próximos ocorrerá na cidade do Rio de Janeiro a Cúpula da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. A Rio+20, como é chamada, reunirá chefes de Estado de todo o mundo, membros de grandes corporações empresariais, ONGs, Banco Mundial e demais entidades ligadas à ONU, 20 anos depois da primeira conferência sobre o tema, a Rio-92.
Para a realização do encontro, a ONU solicitou, e o governo brasileiro acatou, um dos maiores esquemas de segurança implementados na História do Brasil: cerca de 12 mil homens das Forças Armadas, 43 organizações governamentais de segurança, 300 militares do destacamento antiterrorismo do Exército e Marinha – com um gasto previsto de R$ 122 milhões. O prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, solicitou à Câmara de Vereadores da capital que fossem decretados feriados os dias da conferência, considerando esse evento um ensaio geral para a Copa de 2014 e para as Olimpíadas de 2016. Deste modo, medidas semelhantes às propostas para esses eventos serão tomadas na Rio+20, como a proibição de manifestações e a vigilância cerrada às movimentações na internet (A Verdade, nº 138).
Tamanho esquema de segurança traz o questionamento de qual a importância desse evento em nosso país.
Por que algo que traria soluções para o problema da destruição do meio ambiente em todo o planeta deve ser tão resguardado e, ao mesmo tempo, permite tão pouca participação popular na tomada das decisões?
Por que restringir o papel dos chamados Major Groups, criados pela própria ONU, ao caráter consultivo, mesmo sendo compostos por inofensivas ONGs, pequenas empresas do ramo ambiental e movimentos sociais?
Por que, antes de a Conferência começar, existe um documento chamado “Esboço Zero”, formulado pelos representantes dos países imperialistas com o texto-base do que seria o documento final da Rio+20?
A explicação para tantas perguntas pode ser encontrada no próprio histórico que precede a Rio+20 e em sua proposta central, a Economia Verde.
Histórico
A Rio-92 foi o início de um grande fracasso no encaminhamento de acordos firmados pelas grandes potências imperialistas e os países em desenvolvimento. Tendo como documento básico a Agenda 21 e a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), buscava-se com o primeiro um desenvolvimento mais “sustentável” para o capitalismo na terra, controlando emissões de gás carbônico e demais substâncias causadoras do efeito estufa, ou mesmo outros efeitos degradantes. Já o CDB almejava criar as bases para a manutenção da diversidade genética e ambiental em todo o planeta. Mas o descumprimento das metas foi sistemático por parte dos países ditos “desenvolvidos”, a ponto de, durante a Rio+5 (1997 – Nova Iorque), o presidente dos EUA, Bill Clinton, dizer que não iria “frear o crescimento americano”, quando questionado sobre a redução do consumo de recursos naturais. Os EUA consumiam, em 2000, 25% da energia gerada em todo o mundo, segundo a Agência Internacional de Energia.
Após 1997, sucederam-se os encontros de Kyoto (Japão), Joanesburgo (África do Sul – Rio+10) e COP 15 (Noruega – 2010), todos com infrutíferas conclusões entre os ditos chefes de Estado, que de chefes pareciam não ter nada, já que o lóbi político das grandes multinacionais e bancos era escancarado. Em que pese o desfecho, Joanesburgo teve o mérito de apontar com maior clareza a necessidade de combater a catástrofe social gerada pelo capitalismo, a fome e a falta de acesso a recursos básicos da vida humana, também relacionadas à crise ambiental.
Portanto, o papel histórico das Cúpulas da ONU tem sido o de encenação da política da burguesia internacional, escamoteando a verdadeira causa dos problemas ambientais.
A “Economia Verde”
O termo “desenvolvimento sustentável”, bastante utilizado pelos meios de comunicação burgueses na tentativa de explicar uma solução para a problemática ambiental, consolida-se na década de 1980 com o Relatório Bruntdland, da Comissão Mundial para o Ambiente e Desenvolvimento da ONU. Mas, ainda em 1972, o chamado Clube de Roma, formado por executivos da Xerox, Olivetti, Fiat, IBM e outras grandes corporações, encomenda uma pesquisa ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) que revela que as taxas de utilização dos recursos naturais dentro do capitalismo poderiam destruir para sempre as reservas existentes.
Toda essa movimentação das multinacionais é uma resposta à crescente indignação popular, advinda da crítica ambiental contida nas lutas e rebeliões da década de 1960, que questionavam o modelo de desenvolvimento centrado no lucro acima da vida e o consumismo desmedido existente no capitalismo. De modo que a burguesia cria uma linha política para a questão ambiental que passa a resumir o problema em dar eficiência ao gasto de matéria-prima e energia e culpar o indivíduo. A questão passa a ser como melhor aproveitar os meios, mas os fins são as taxas de lucro crescentes das empresas capitalistas, e a pretensa propaganda da imprensa dominante cria a ideia de que plantar uma árvore, fechar a torneira na hora de lavar louça ou apagar a luz do quarto resolverá a catástrofe ambiental em que vivemos. Para se enxergar a falsidade dessa argumentação, basta observar a soma do gasto de energia gerada por todas as nossas fontes naturais.
No Brasil, por exemplo, a indústria e o comércio, não contando os meios de transporte e serviços públicos, correspondem a 60% do consumo total de energia, enquanto o gasto residencial é de 23% (Procel, 2001). Números semelhantes ou de maior desproporção ocorrem em todo o mundo, provando que o problema está nas decisões do setor que detém os meios de acumulação de riqueza e não nas famílias e suas residências.
Mas, com a crise do capitalismo iniciada em 2008, a burguesia internacional tenta encontrar novos meios de gerar e concentrar o capital. Por isso, a Rio+20 traz em seu bojo a “nova” ideia de “Economia Verde”, que é basicamente a mercantilização dos processos naturais e sua consequente financeirização, a velha ideia capitalista de privatizar.
Exemplo desse processo são os famosos créditos de carbono, pelos quais um país em desenvolvimento e que tenha que usar emissões de gás carbônico acima do recomendado pode comprar uma “permissão” de um país desenvolvido que esteja abaixo dos limites previstos (o mesmo pode ser feito entre indústrias e proprietários rurais). O caminho seguinte é a conformação desses créditos no mercado financeiro na forma de ações. A grande questão para o capitalismo é que essa financeirização ainda é reduzida, já que poucos países aceitaram a política de créditos de carbono, o que a burguesia espera reverter com a Rio+20. Trocando em miúdos, a proposta significa, na prática, transformar a respiração de uma árvore em mercadoria. Mecanismos como este são o eixo central da “Economia Verde”, são os chamados “Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA)”.
O problema ambiental
Com as consequências da crise econômica de 2008, fica cada vez mais clara a importância histórica da construção de um modelo alicerçado na socialização da riqueza gerada na sociedade e sua consequente planificação. Na questão ambiental isso fica também muito nítido, como diria Friedrich Engels, em sua obra Dialética da Natureza, acerca de nossas atitudes para com a natureza no regime capitalista:
“Não vamos nos orgulhar tanto com nossas vitórias sobre a natureza. Para cada uma dessas vitórias ela se vinga sobre nós. Cada uma tem, inicialmente, os efeitos previstos, mas, num segundo e terceiro momentos, ela terá efeitos bem diferentes, consequências imprevistas que, muitas vezes, eliminam os efeitos iniciais”.
A defesa do socialismo como caminho para superar as contradições do capitalismo é cada vez mais necessária. As contribuições do marxismo para o entendimento dos efeitos danosos que o processo de reprodução do capital causa ao nosso próprio habitat natural são fundamentais para compreender que este é um problema que tem sua origem no modo de produção. Consequentemente, a mudança de um modo de produção somente virá com a derrubada do poder instituído e que está nas mãos da burguesia, principal beneficiada com o funcionamento deste sistema.
Com o fim da propriedade privada sobre os meios de produção a sociedade vai desenvolver novos paradigmas, como, por exemplo, dar preferência à utilização do transporte público, reduzindo, assim, a atual produção de automóveis de uso individual que, em quantidade, aproxima-se do número de seres humanos existentes na terra, porém é consumida por menos de 1/10 dos habitantes.
Em paralelo à Rio+20, ocorre o evento alternativo Cúpula dos Povos (15 até 23 de junho), que dá enfrentamento à “Economia Verde”. Surgido inicialmente por iniciativa de ONGs ecológicas e movimentos sociais durante a Rio-92, mobilizará mais de 10 mil pessoas em manifestações e debates durante o evento da ONU e, com certeza, terá maior possibilidade de manifestação para o povo.
Em paralelo à Rio+20, ocorre o evento alternativo Cúpula dos Povos (15 até 23 de junho), que dá enfrentamento à “Economia Verde”. Surgido inicialmente por iniciativa de ONGs ecológicas e movimentos sociais durante a Rio-92, mobilizará mais de 10 mil pessoas em manifestações e debates durante o evento da ONU e, com certeza, terá maior possibilidade de manifestação para o povo.
É papel dos revolucionários fazer ver, em espaços como esse, que devemos construir um sistema baseado na satisfação das necessidades coletivas da humanidade, no qual os que trabalham recebam o justo pelo que produzem e em que o homem desenvolva uma relação harmoniosa frente à utilização de seus recursos naturais. Caso contrário, o planeta pode não ter mais 20 anos para esperar, e as consequências para a humanidade podem ser fatais.
Esteban Crescente é diretor de Assistência Estudantil da UNE
*AVerdade
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