Um dos princípios basilares do pensamento neoliberal repousa no fato de que ao Estado se deve reservar o mínimo, porque são os segmentos da iniciativa privada – não sujeitos às bitolas do regime estatal – que conseguem obter maior eficácia, eficiência, produtividade, lucratividade, credibilidade e sabemos lá o que mais...
Na coluna de hoje, apresento, colhidas em uma única edição do insuspeitíssimo (no caso) jornal “O Globo” – a do dia 24.02 - , alguns fatos que permitem uma boa reflexão a respeito dessa tese.
I - Na página 32 do caderno de ECONOMIA, há matéria que cuida do destino da empresa DASLU, definida pelo jornal como “templo de alto luxo que está em agonia desde 2005”, com dívida estimada em mais de 80 milhões, não considerados, aqui, os 500 milhões devidos à Receita Federal, por fraude em importações. Em 2005, a empresa foi acusada pela Polícia Federal , também, de formação de quadrilha e falsidade ideológica, sendo os seus sócios condenados em primeira instância a 94 anos de prisão, do que recorrem em liberdade.
II – Na mesma página 32, é feita reportagem sobre o ex-dono do Banco Santos, instituição que, falida, deixou – segundo o jornal - dívidas que à época da falência somavam 2,5 bilhões. A matéria afirma que o ex-controlador do Banco foi obrigado a deixar a mansão em que morava com a mulher porque não paga o aluguel (R$ 20 mil mensais) desde 2004, em dívida que já chega a R$1,7 milhão.
III – É ainda na página 32 que encontramos a demissão da presidente da GM do Brasil, que, segundo especula a reportagem, poderia ter-se dado por uma falta de habilidade da demitida para” lidar com os vultosos investimentos anunciados pela marca há três anos”, ou , talvez, pela “defasagem da linha de automóveis, consequência da crise do grupo nos EUA”.
IV – Na página RIO – 15, o assunto é a SuperVia, concessionária dos trens que servem à população do Rio de Janeiro, que está sendo multada diariamente porque paralisou as escadas rolantes das suburbanas estações do Méier e de Madureira, com todos os transtornos daí decorrentes para os usuários, alegando, preconceituosa e discricionariamente, que , para o retorno ao funcionamento das escadas , será necessária “uma mudança nos padrões culturais da população, reeducando-a a preservar o patrimônio público”...
V – Na página 14, em matéria que tem como manchete “Assim no plano como no SUS”, afirma-se, entre outras coisas, que o drama de “emergência lotada, demora no atendimento, pacientes revoltados que abandonam o hospital, cansados de esperar” , que sempre tipificou o serviço público de saúde, “tem mudado de endereço”, já que os hospitais privados padecem exatamente dos mesmos problemas, havendo até depoimento de diretor da CREMERJ que afirma que o atendimento está mais rápido na rede pública e demorado na area privada, como um todo.
VI – Na página 39, dedicada à “CIÊNCIA”, trata-se do impasse sobre inibidor de apetite, droga banida nos EUA como maléfica à saúde e cuja proibição no Brasil está provocando polêmica. São denominados tecnicamente “anorexígenos anfetaminicos”, que a ANVISA quer tirar do mercado como medicamentos de risco, pílulas causadoras de doenças. Claro que há posicionamentos contra a proibição, alguns alegando que os remédios ajudam os obesos. Mas também é óbvia a inferência que se pode tirar a respeito dos interesses dos laboratórios envolvidos...
VII – Na página 34 de ECONOMIA, a notícia vem da China e dá conta de que operários chineses da empresa Wintek, produtora de telas sensíveis ao toque para os aparelhos da Apple, estariam submetidos a envenenamento químico causado pelo hidreto de hexila usado na fabricação das touchscreens. Segundo alegação ali mencionada, a empresa não teria indenizado corretamente os afetados, pressionando-os ao abandono do emprego sem garantias quanto ao tratamento médico.
São fatos pinçados de uma única edição de um jornal diário. São fatos que fazem parte de um conjunto de muitos fatos do gênero, que povoam o cotidiano da matéria jornalística. Eu poderia acrecentar aqui, em termos gerais, as pesquisas que dão conta de que o maior nível de insatisfação do consumidor quanto à qualidade do atendimento aos seus problemas de usuário corre por conta das empresas de telefonia celular. Poderia também lembrar que, na maioria dos escândalos que envolvem autoridades públicas com corrupção, estão por trás as grandes empresas privadas corruptoras, sobre quem se cala, normalmente. Poderia também, se quisesse aprofundar essa abordagem, lembrar que o mundo foi jogado recentemente em uma crise colossal, da qual os grandes países ainda não se recuperaram, em razão de problemas havidos com majestosos redutos da iniciativa particular, os bancos.
São as mazelas da iniciativa privada, pilar da sociedade de mercado, fundada no lucro a qualquer preço. É bom, de quando em vez, refletirmos sobre isso...
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
Fonte:Direto da Redação
Silvio Santos: vítima ou beneficiário?
Afinal, o que aconteceu de fato com o Banco Panamericano, do empresário Silvio Santos?
Sabe-se que houve um conluio para a prática de uma fraude. E que o conluio ocorreu dentro do banco. Sabe-se também que o ex-controlador foi amplamente beneficiado, já que a fraude simulava um lucro fictício a partir do qual o controlador poderia retirar dividendos.
Mas os movimentos iniciais, aportando todos seus bens em garantia pelo empréstimo bancado pelo Fundo Garantidor de Liquidez (FGL) de repente transformaram Silvio Santos em um herói do capitalismo brasileiro: o primeiro dono de banco que aporta recursos para impedir sua quebra.
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Com os desdobramentos posteriores da operação, esse heroísmo começa a ser colocado em dúvida.
O modelo da fraude consistiu na criação de dois sistemas paralelos: um sistema gerencial oficial, a partir do qual se extraíam os dados para balanço; e um sistema paralelo, operado na surdina, onde se controlavam as jogadas.
Analistas que estudaram o caso – nos 50 dias entre a descoberta da fraude e a entrega do balanço – sustentam que o esquema era muito mais sofisticado do que no Banco Nacional, pois o banco de dados paralelo batia em tudo com as informações que constavam do balanço.
O mistério é maior ainda quando se sabe que, sob o ponto de vista de governança, o banco parecia bem aparelhado. Havia comitê de auditoria, com ex-diretores do Banco Central; um conselho de administração presidido por um ex-presidente do BC; auditoria interna, área de compliance (práticas para conferir as normas legais do banco).
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Um dos problemas detectados estava na própria forma de contabilizar algumas operações, especialmente quando vendia sua carteira de operações para outros bancos.
No Brasil, a operação se dava assim:
1. O banco concedia um determinado volume de financiamentos.
2. Pegava a carteira - que lhe rendia, digamos, 3,5% ao mês - e repassada para outro banco, que se dispunha a pagar 1,5% ao mês.
3. Nos Estados Unidos, o comprador ficava com toda a carteira, responsabilizando-se inclusive pela inadimplência. No modelo brasileiro, ele adquiria o fluxo de caixa do vendedor, adiantava para ele o dinheiro futuro e passava a receber todo mês. Se um cliente não pagava, o banco vendedor se responsabilizava por cobrir a inadimplência.
4. Como o risco da carteira continuava sendo do banco vendedor (no caso o Panamericano) ele não podia tirar o crédito da carteira: o ativo ainda era seu. Era como se conseguisse capital de giro dando a carteira como garantia.
5. Pelas normas internacionais, quando se vende uma carteira, o banco vendedor registra como um passivo com o banco cessionário (que comprou). Cada vez que recebe um pagamento do cliente, repassa para o banco cessionário e estorna (retira do balanço) o que recebeu do cliente.
Para isso cada financiamento é registrado individualmente. Na operação em questão, o Panamericano cedia um pacote de financiamentos ao cessionário e recebia o adiantamento pelo repasse. Mas não havia individualização de cada financiamento.
Mais ainda. O BC obriga a individualização (com registro de CPF) de toda operação acima de R$ 5 mil. Mas a maior parte das operações era com valores abaixo desse limite.
A quantidade de contratos
Quando a Delloitte, e o Banco Central juntaram as bases de dados para reprocessá-las, havia 2 milhões de contratos, 90 milhões de parcelas de recebimento e 300 contratos de cessão com diferentes bancos. Depois de rodar todos os dados, constataram que o rombo era muito maior do que os R$ 2,5 bilhões iniciais. A segunda parte da fraude consistia em receber pagamentos antecipados de mutuários e não repassá-los ao banco cessionário.
O anti-herói
No frigir dos ovos, acabou não desembolsando um tostão pelo rombo. Mesmo tendo sido beneficiário direto das fraudes em pelo menos duas circunstâncias: quando recebeu dividendos sobre lucros fictícios; e quando vendeu uma parte do banco quebrado para a Caixa Econômica Federal (CEF), em cima da maquiagem dfas fraudes. A imagem do empresário desligado, que não acompanhava seus negócios, não fecha.
*nassif