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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

O País do Pecado


Poucas vezes Informação Incorrecta falou de droga do ponto de vista social.
Mas agora temos a ocasião: eis uma notícia boa para algumas reflexões.

A origem é o blog amigo Notícias Alternativas, a data 21 de Janeiro passado.

Contrariamente às expectativas, a liberalização das drogas não transformou a Holanda numa espécie de Sodoma e Gomorra. Pelo contrário: o governo holandês prepara-se para fechar 8 (oito!) prisões.
A razão? Segundo as autoridades, a taxa de crime está em declínio.

Noutras palavras: não há criminosos suficientes para preenche-las.
Apenas por curiosidade, vamos comparar os Países Baixos com a Califórnia.
Com uma população de 16,6 milhões, a população carcerária é cerca de 12 mil Holandeses. 
Com uma população de 36,7 milhões de pessoas, a Califórnia deveria ter um pouco mais do que o dobro da população carcerária holandesa (ou seja, pouco mais de 24 mil).

Mas a verdade é que a população carcerária actual da Califórnia é de 171 mil presos.


Proibir significa... 

Como já referido no passado, Informação Incorrecta não deseja ver incrementado o uso das drogas, bem pelo contrário.
Todavia, é preciso pôr de lado as ondas emotivas para poder analisar friamente os factos. Trata-se de encarar o problema do ponto de vista racional, relação custo/benefícios.

O melhor exemplo de "proibicionismo" é a Lei Seca que vigorou nos Estados Unidos entre os anos 1920 e 1933 e com a qual foram oficialmente tornados ilegais fabricação, varejo, transporte, importação ou exportação de bebidas alcoólicas.
No dia da implementação, o Senador Michael Volstead, um dos maiores impulsionadores da medida, afirmou:  
Esta noite, um minuto após a meia-noite, nascerá uma nova Nação. O demónio da bebida faça o testamento. Começa uma era de ideais claras e modos limpos. Os bairros pobres serão coisas do passado. As prisões ficarão vazias: vamos torna-las fábricas e depósitos de cereais. Todos os homens voltarão a caminhar erguidos, todas as mulheres sorrirão e todas as crianças rirão. Fecharam-se para sempre as portas do Inferno.
Ámen.
Uma simples análise histórica mostra que a Lei Seca fracassou e não teve sequer um único resultado positivo cientificamente documentado, tanto a nível individual quanto social, uma vez que existem grupos de pensamento.

A proibição:
  • não impediu o consumo da substância, finalidade para a qual tinha nascido;
  • não impediu a venda da substância;
  • tem aumentado o consumo da substância;
  • tem aumentado as vendas e a distribuição da substância;
  • criou um mercado negro gerido pelo crime organizado com a violência;
  • tornou criminosos cidadãos por causa do próprio vício privado;
  • multiplicou o preço da substância;
  • tornou normal a prática da adulteração e a falta de controles de qualidade;
  • custou a vida de milhares de pessoas inocentes;
  • criou impérios criminosos, capazes de competir como o poder dos governos, com base no produto de contrabando.
Doutro lado, a Lei Seca foi analisada em pormenor ao longo das décadas e os vários aspectos foram considerados e reavaliados inúmeras vezes.
Mas não podemso esquecer que os Estados Unidos foram apenas um dos Países que aplicaram a Lei Seca.
A primeira metade do século 20 viu os períodos de proibição das bebidas alcoólicas em vários Países:
  • 1907-1948 na Ilha Prince Edward,  mas ao longo de períodos mais curtos em outras províncias no Canadá
  • 1914-1925 na Rússia e na União Soviética
  • 1915-1922 na Islândia
  • 1916-1927 na Noruega
  • 1919, na Hungria
  • 1919-1932 na Finlândia
  • 1920-1933 nos Estados Unidos
Após vários anos, a proibição tornou-se um evidente fracasso na América do Norte e nos outros lugares: o contrabando tinha surgido como crime comum, o crime organizado tinha tomado o controle da distribuição de álcool.

Destilarias e cervejarias no Canadá, México, e Caraíbas tinham florescido pois os seus produtos eram consumidos directamente no lugar ou importados ilegalmente para os EUA.
Chicago tinha-se tornado famosa como um paraíso para os traficantes e revendedores durante o período conhecido como The Roaring Twenties (Os Loucos Anos Vinte) .

No geral, a Proibição chegou ao fim no final das décadas de 1920 ou 1930 na maioria da América do Norte e na Europa,

Seria bom um mundo sem abuso de álcool, sem drogas, sem vícios que prejudicassem a saúde e implicassem o aparecimento da violência?
Sim, sem dúvida, e acho que ninguém pode afirmar o contrário.
Mas temos de ser realistas e reconhecer que, na nossa sociedade (assim como nas sociedades anteriores) tal resultado não foi até hoje conseguido e nada faz prever que possa sê-lo no futuro próximo.

Proibir nunca impediu a difusão duma substancia ou dum habito. Pelo contrário, favoreceu o aparecimento de mercados paralelos, fora de controle,que deram (e continuam a dar) enormes lucros. Ao Estado? Não, aos traficantes, sejam eles normais criminais, bancos, políticos.

Então o meu ponto de vista é o seguinte: se temos que conviver com determinados vícios, melhor tirar partido deles.
Como? Por exemplo, atingindo mortalmente o tráfego de droga e a conexa criminalidade.

Imaginem que significaria retirar das ruas os que vendem droga. Se a droga for legal, ficar na rua para quê?
Imaginem que significaria eliminar uma fundamental fonte de rendimentos das organizações criminosas.
Imaginem que significaria não ter drogados na rua que pedem dinheiro, que roubam, que assaltam. 
Não ter homicídios ligados à droga. 
Não ter operações para reciclar o dinheiro, bancos que colaboram com os traficantes.

E, não último, reduzir o consumo de drogas. Pois sabemos que uma substância ilícita tem um particular atractivo que deixaria de existir.

O caso Holanda

Simples? Não, não é.
Mas a Holanda parece ter encontrado um caminho.

Contrariamente ao que se pode pensar no estrangeiro, na Holanda produção, posse, venda e compra de qualquer droga (incluindo derivados de cannabis) são proibidas.

No entanto, é o costume não proceder contra a compra de 5 gramas de cannabis nos coffee-shop, contra a detenção de uma pequena quantidade de drogas para consumo pessoal e contra o cultivo de um número limitado de plantas, também para uso pessoal.

De acordo com as directrizes, não é perseguida a venda de cannabis nos coffee shops se forem respeitados os seguintes critérios:
  • Não é permitida a venda para a mesma pessoa de mais de 5 gramas por dia;
  • Não é permitido vender drogas pesadas (heroína, por exemplo);
  • Não é permitido fazer publicidade de droga;
  • Não é permitido perturbar a paz e a ordem no bairro;
  • Não é permitida a venda a menores de idade (18 anos) e os menores não podem entrar nos coffee shop. 
  • Não é possível vender álcool e drogas na mesma transacção
  • O estoque da loja não pode exceder 500 gramas  
Detenção de cannabis além dos limites permitidos? 4 anos de prisão e 45.000 € de multa.
Detenção de drogas "pesadas" além dos limites? 12 anos de prisão e 45.000 € de multa.

Isso não é brincadeira. E estamos bem longe do cenário de "Sodoma e Gomorra".

Esta política, coadjuvada por uma intensa e constante campanha de sensibilização, levou ao desaparecimento de 36% dos coffee-shop entre 1997 e 2003. As pessoas, simplesmente, deixam de consumir drogas.
Quem consome droga "ligeiras", raramente passas a consumir drogas "pesadas".

Então: não é simples mas nem impossível.
Claro, deveriam existir regras. Na Holanda existem. O País não é uma espécie de "Estado do Pecado", não há crianças drogadas em todos os cantos. Pelo contrário: na Holanda, as penas para quem não respeita as leis neste sentido são brutais.

E mesmo assim os presos diminuem.

Na Holanda funciona.

Porquê será?

Ipse dixit. 
*informaçãoincorreta

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