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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Aos crimes da ditadura, tolerância zero



por Izaías Almada
A intransigência costuma ser um sentimento ou uma atitude humana mais arraigada entre nós do que propriamente a tolerância. Arriscaria a dizer que, em algumas situações, a intransigência é até mais apreciada, em particular quando se reveste de manifesto confrontamento às injustiças sociais. Ou contra as injustiças de modo geral, embora nem sempre seja fácil no mundo de hoje, dominado pela informação parcial e irresponsável, pela quase total mercantilização das relações humanas, abaixarmos o polegar acusador com a segurança de um imperador da Roma antiga.

Não transigir pode significar, por exemplo, ser coerente na defesa de determinados princípios, de determinadas ideias; significa ter força de caráter. Digamos que seria esse o lado positivo da intransigência, bem consideradas as circunstâncias em que ela se dá. Mas como tudo na vida, a intransigência tem também o seu lado nocivo, prejudicial ou até mesmo irracional. Nesse caso, o uso do antídoto da tolerância como remédio é sempre recomendável.

Tais reflexões, até comezinhas para espíritos mais eruditos, vêm a propósito de um tema bastante delicado na atual conjuntura política brasileira, qual seja, o início dos trabalhos da “Comissão da Verdade” na área dos Direitos Humanos e a esperada solução para os crimes de tortura e sequestro de cidadãos brasileiros durante a ditadura civil/militar de 64/68.

Tema delicado, espinhoso para muitos, mas que deve ser enfrentado com serenidade e determinação pelo novo governo da presidenta Dilma Roussef. Não se trata, e aqui faço coro com muitos defensores da tese, de revanchismo ou coisa do gênero, mas de justiça. Justiça não apenas aos que foram torturados, mas, sobretudo, aos mortos e desaparecidos políticos, pois para esses a tortura significou o seu assassinato.

A prática da tortura é um crime contra a Humanidade e, como tal, abominável e imprescritível. Cometido em que tempo for e sob qualquer condição, não se extingue e será passível de punição. Crime que não se beneficia de anistias, a não ser aquelas ainda geridas impropriamente num contexto de ilegalidade constitucional.

No caminho de uma possível e desejável maturidade democrática, o Brasil ainda se comporta como adolescente, com os problemas próprios inerentes a essa fase da vida. Contudo, torna-se imperioso que a nova geração de militares brasileiros, muitos deles já conscientes de que pertencem a um novo país, já muito diferente daquele herdado na vigência da guerra fria e de um conceito de segurança nacional ultrapassado, torna-se imperioso – repito – que trabalhem junto aos colegas ainda renitentes para apagar essa mancha na história do país.
Esse novo país que precisa ajustar-se internamente para fazer frente aos grandes desafios que se avizinham. Erradicar a pobreza, ampliar o emprego formal e distribuir a riqueza com mais justiça social, conquistar em definitivo sua soberania, defender a Amazônia, o Pré Sal, os Aquíferos, amazônico e guarani, estimular a cidadania e a convivência democrática, ampliar o acesso aos estudos, intervir na vergonhosa mercantilização da saúde, combater firmemente a corrupção e a impunidade.

Tarefa hercúlea, mas não impossível. E para isso, um bom começo é ajustar contas com o passado. Sob certos aspectos, em particular nessa questão de punição aos torcionários, penso que o bordão do momento deveria ser: tolerância zero.

Fonte: http://www.rodrigovianna.com.br/

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