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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, novembro 10, 2011

BBC: o preconceito contra o turista de Classe C


Casal viajou de avião pela primeira vez, pagou a passagem em dez vezes e não tem medo de preconceito


Saiu na BBC:



Preconceito ronda jornada turística da nova classe média


Paulo Cabral


Enviado da BBC Brasil a Porto Seguro


O casal de aposentados Osmar e Maria Ferreira conseguiu realizar um sonho de longa data: pela primeira vez os dois viajaram em um avião a caminho de uma semana de descanso sob o sol de Porto Seguro, na Bahia.


As dez parcelas que eles ainda têm de pagar vão morder todo mês um bom pedaço da renda do pintor aposentado e dos lucros de Maria – que ainda trabalha em casa como manicure – mas eles têm a certeza que é dinheiro bem gasto.


“Comida não é a única coisa que precisamos para viver”, diz Ferreira enquanto relaxa a beira-mar. “Isso é que é viver! Olha que beleza!”


À medida que a nova classe média chega a mais lugares e tem acesso a novos serviços, surgem, no entanto, tensões com a classe média tradicional brasileira, que parece sentir seu espaço sendo tomado.


Ao longo dos anos, a mistura de história e praias tropicais fez de Porto Seguro um dos principais destinos turísticos do Brasil.


Com a economia crescendo e o crédito em expansão, a “nova classe média” – ou classe C – tem pela primeira vez a oportunidade de desfrutar das maravilhas naturais do Brasil, que há não muito tempo eram privilégio de turistas estrangeiros ou brasileiros de maior renda.


Números do Instituto Data Popular – uma empresa de pesquisa de mercado especializada na classe C – mostram que entre 2002 e 2010 a participação desse grupo na indústria do turismo saltou de 18% para 34%. Eles já representam quase a metade (48%) das pessoas que viajam nas companhias aéreas do país.


Para Maria Ferreira, “é triste que exista esse preconceito”.


“Espero que algum dia as pessoas comecem a compreender uns aos outros pelo que realmente somos. Eu conheço muitas pessoas ricas que não são felizes”, diz.


‘Resistência à igualdade’


Uma rápida travessia de balsa e a uma hora de carro ao sul de Porto Seguro fica a vila de Trancoso, bem mais exclusiva, graças à distância e aos preços mais altos. No entanto, mais gente está chegando e quem frequenta a região há mais tempo teme a invasão do turismo de massa.


“As pessoas que estão chegando agora a Trancoso têm que mostrar mais educação e mais respeito por este lugar. É um público muito diferente, que começou a vir aqui ao longo dos últimos anos”, reclama a bombeira reformada Norma Sandes, que há mais de uma década frequenta a região.


O antropólogo brasileiro Roberto DaMatta, professor emérito da Universidade de Notre Dame (EUA), diz que o crescimento evidenciou a “resistência à igualdade” dos brasileiros.


“Nossa fixação por títulos e hierarquia é parte do nossa herança portuguesa. As pessoas aqui querem ser vistas como diferentes, como superiores aos outros, e não gostam de se misturar”, diz ele.


Os turistas que vão para os grandes resorts em Porto Seguro costumam fazer apenas passeios de um dia em Trancoso – onde dormir e comer custa bem mais.


“Dá para ver que esse pessoal todo aqui hoje não é de classe A e B. Tem muita gente de classe C já vindo para cá,” diz a jornalista Ana Campolino. “Dá para ver pelas roupas, pelos hábitos, pelo lugares que frequentam.”


Desconforto


Uma pesquisa realizada pelo Data Popular dá algumas noção do desconforto sentido pelas classes mais elevadas, que agora tem que compartilhar alguns espaços.


De acordo os números, 48,4% dos entrevistados disseram que “a qualidade dos serviços piorou, agora que eles são mais acessíveis” e 49,7% disseram que preferem lugares “com pessoas de mesmo nível social.”


“Decidimos fazer essa pesquisa quando começamos a perceber as pessoas reclamando, por exemplo, sobre os aeroportos, que estão muito mais lotados agora. E nossas pesquisas têm mostrado que há uma resistência muito forte das classes superiores em aceitar os recém-chegados”, diz o presidente do Data Popular, Renato Meirelles.


Meirelles diz que a tensão só será resolvida quando o Brasil estiver preparado para oferecer esses serviços com qualidade para todos os seus cidadãos. “Os aeroportos, por exemplo, estão lotados para todo mundo. Se houvesse bastante espaço para todos as tensões, começariam a desaparecer.”


Preconceito


Já os turistas de classe mais alta e empresários do setor negam a existência de qualquer “tensão” entre a velha e a nova classe média. Um porta-voz do Sindicato da Hotelaria de Porto Seguro e Região, Paulo Cesar Magalhães, diz que “há espaço para todos”.


“Naturalmente os turistas vão para áreas que tenham a ver com seu perfil. Aqui no distrito-sede de Porto Seguro, onde há mais hotéis e restaurantes, há mais opções para as pessoas com um orçamento mais baixo. As praias mais distantes são as melhores opções para quem pode gastar mais dinheiro”, diz ele.


Magalhães diz que, do ponto de vista das empresas, Porto Seguro não tem nada a reclamar sobre os novos clientes. “Para muitas pessoas este é um momento mágico, a primeira oportunidade de viajar pelo Brasil e toda esse deslumbramento acaba traduzido em gastos na nossa cidade”, diz ele.


Se a economia do Brasil continuar a crescer a indústria do turismo deve seguir pelo mesmo caminho e com a nova classe média também viajando cada vez mais.


“Há preconceito, claro. Mas agora eu estou aqui e eles vão ter que me engolir”, diz Osmar Ferreira no meio de uma gargalhada.

*PHA

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