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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, novembro 07, 2011

Estão a ser repetidos erros económicos que levaram Hitler ao poder

Dois investigadores estudaram os cortes orçamentais e a agitação social na Europa entre 1919 e 2009. Um deles declara que a política económica e financeira de corte nos salários e nas despesas sociais foi o que os alemães viveram na década de 1930 e levou à ascensão de Hitler e alerta: “Repetir este erro é completamente imperdoável, em 2011”.

Exértico a alimentar pobres, Berlim, 1931 - Foto retirada da wikipedia
Exértico a alimentar pobres, Berlim, 1931 - Foto retirada da wikipedia
Joachim Voth e Jacopo Ponticelli são investigadores da universidade Pompeu Fabra de Barcelona e fizeram o estudo “Austeridade e Anarquia: Cortes Orçamentais e Agitação Social na Europa, 1919-2009”, que está disponível em inglês no site voxeu.org, o estudo e um sumário.
Em declarações à agência Lusa, Hans-Joachim Voth refere: “Quanto mais corto nos benefícios sociais, mais agitação social tenho. O nível expectável de agitação aumenta maciçamente à medida que cai a despesa do Estado”.
Segundo a agência, os dois investigadores estudaram os movimentos de contestação social ao longo de 90 anos, em 26 países, incluindo Portugal. O período que analisaram vai de 1919 a 2009, atravessando o ascenso do nazi-fascismo, uma guerra mundial, o fim do colonialismo e inúmeras revoltas e revoluções.
Ponticelli e Voth concluíram que os países que escolheram aumentar os impostos em vez de reduzir as prestações e serviços sociais enfrentaram menos contestação nas ruas.
“Ao ver o Estado cortar a despesa, ao dizer aos mais pobres que eles não têm prioridade, um número significativo vai decidir que este não é o género de sociedade em que querem viver”, salientou Voth à Lusa, comparando o fenómeno a um fogo – o fósforo pode ser uma causa exterior, mas o combustível são as razões que levam “tantas pessoas dispostas a assumir o pior e a decidir invadir as ruas” e partir para as formas mais extremas de contestação.
“Se tudo desabar na agitação social, haverá um segundo ciclo em que nos vamos deparar com menos crescimento e receitas fiscais ainda mais baixas. Depois tem que se cortar outra vez e vamos acabar numa espiral, vamos acabar por destruir grande parte do tecido social e político que mantém a estabilidade na Europa”, prevê Voth.
O investigador, nascido na Alemanha há 43 anos, diz mesmo que, no caso da crise na Grécia, a Europa vai “olhar para trás e ver que perdeu uma oportunidade gigante” para reforçar o continente e corrigir uma política económica e financeira que Voth compara mesmo àquela que levou à ascensão de Adolf Hitler.
“É o que os alemães viveram no início da década de 1930. A cada ano, o governo tomava novas medidas orçamentais, reduzia os salários da função pública, tentava equilibrar o orçamento e sempre que fazia isto a economia contraía ainda mais, as receitas fiscais era ainda mais baixas, o governo tinha de cortar mais e, no final, destruiu a democracia alemã”.
“Repetir este erro é completamente imperdoável, em 2011”, concluiu Voth.

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