O PREÇO DO PETRÓLEO DEVE SER CALCULADO EM VIDAS
Wladmir Coelho
Os fundamentalistas do neo-liberalismo insistem na tese do século 18 na qual a “mão invisível” seria a responsável por determinar os preços. Eliminam, estes fundamentalistas, de forma dogmática qualquer possibilidade de intervenção, na elaboração dos preços, dos fatores políticos notadamente aqueles relativos a política econômica das empresas.
Os adeptos da crença neo-liberal insistem em plantar na imprensa justificativas místicas para as variações observadas no preço do petróleo. Assim o aumento ou queda nos valores deste importante mineral ficam restritos ao temor do “mercado” apontado como entidade inocente sem participação e interesse diretos nos eventos políticos e quase sempre militares.
O preço do petróleo, ao contrário da crença do século 18, é determinado por decisões políticas e tratando-se de um recurso não renovável o controle de eventuais reservas torna-se assunto de segurança nacional. Devemos aqui observar que a expressão “nacional” não implica na redução de sua aplicabilidade aos limites territoriais de um determinado país.
O consumo das maiores potências não é efetivado a partir de reservas próprias daí a necessidade do controle de áreas produtivas em pontos diferentes do planeta a partir de empresas cujo controle do capital está subordinado aos grandes grupos financeiros.
Observa-se deste modo a consubstanciação entre a política econômica nacional e política econômica dos grupos financeiros submetendo estes os seus interesses ao mundo. A recente carnificina observada na Líbia a ameaça de invasão do Irã, apenas para ficar nos mais recentes, revelam a face perversa desta realidade.
Controlar o petróleo representa a garantia de manutenção de um modelo econômico estruturado para funcionar a partir do uso dos combustíveis e matéria prima derivados deste mineral para todo tipo de indústria cuja substituição ocorrerá cedo ou tarde, mas que ainda por muito tempo continuará predominante.
A evidente escassez do petróleo aguça a corrida por seu controle e somando-se a estrutura militar e política necessária para o seu controle o seu preço tende a apresentar-se elevado e seus lucros repartidos entre os oligopólios financeiros.
Daí a acreditar que um simples comunicado foi o responsável pelo aumento na cotação do petróleo é algo no mínimo risível. A decisões são tomadas em nome da política econômica nacional e privada nos países sedes e atuam para beneficiar os balanços de suas empresas.
A atual crise econômica criou a necessidade de aumentar a tributação dos mais pobres e pagando preços ainda mais altos para as petrolíferas ficam garantidos os recursos para abastecer os bancos.
Um mundo perturbado que precisa terminar de morrer
Diário GaucheA verdadeira crise
E se, para além da crise econômica, política e ambiental que parece atualmente ser um fantasma a assombrar as sociedades capitalistas, outra crise estivesse à espreita?
Uma crise ainda mais brutal, dotada da força de abalar os fundamentos da normatividade existente. Lembremos como Max Weber mostrou que o advento do capitalismo trazia, necessariamente, a constituição de uma forma de vida marcada por um modo específico de relação aos desejos e ao trabalho.
Tal forma de vida, cuja face mais visível era a ética protestante do trabalho, baseava-se em um modo de articular autonomia como autogoverno, unidade coerente das condutas e da liberdade como capacidade de afastar-se dos impulsos naturais. Ou seja, ela trazia no seu bojo a criação da noção moderna de indivíduo.
Mas, e se estivéssemos hoje às voltas com uma profunda crise psicológica advinda do colapso dessa noção tão central para as sociedades capitalistas modernas?
Uma crise psicológica significa aumento insuportável do sofrimento psíquico devido à desestruturação de nossas categorias de ação e de orientação do desejo.
O sociólogo Alain Ehrenberg havia cunhado uma articulação consistente entre a atual epidemia de depressão e um certo "cansaço de ser si mesmo".
Por sua vez, boa parte dos transtornos psíquicos mais comuns (como os transtornos de personalidade narcísica e de personalidade borderline) são, na verdade, as marcas da impossibilidade dos limites da personalidade individual darem conta de nossas expectativas de experiência.
É possível que, longe de serem meros desvios patológicos, estes sejam alguns exemplos de uma crise em nossos modelos de conduta que crescerá cada vez mais.
Conhecemos um momento histórico no qual uma crise psicológica dessa natureza ocorreu. Momento marcado pela retomada do ceticismo e de um desespero tão bem retratado nos quadros do pintor Hieronymus Bosch (detalhe de pintura, ao lado).
Ele só foi superado por processos históricos, fundamentais para o aparecimento da individualidade moderna, nomeados, não por acaso, de Renascimento e de Reforma.
Tais palavras nos lembram que algo estava irremediavelmente morto e desgastado. Algo precisava renascer e ser reformado.
Talvez estejamos entrando em uma outra longa era de crise psicológica onde veremos nossos ideais de individualidade e de identidade morrerem ou, ao menos, algo fundamental de tais ideais morrer.
O problema é que, algumas vezes, a morte dura muito tempo. Algumas vezes, precisamos de acontecimentos que ocorrem duas vezes para, enfim, terminarmos de morrer.
Vladimir Safatle da USP
Nenhum comentário:
Postar um comentário