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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, dezembro 02, 2011

Anistia: OAB diz à ONU que o Brasil é um pária

O Conversa Afiada recebeu de amigo navegante o seguinte e-mail:

Gostaria de avisar que tanto a OAB, quanto o CEJIL (Centro de Justiça Internacional), enviaram ao Conselho de Direitos Humanos da ONU uma informação sobre o descumprimento pelo Brasil da sentença condenatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos:

Ao Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas


A Ordem dos Advogados do Brasil, seguindo a disposição de seus estatutos que a obriga a promover a defesa dos direitos humanos, tem a honra de apresentar a esse Conselho as considerações que se seguem


Contrariamente a todos os seus vizinhos do cone sul da América Latina, o Brasil é o único Estado em que os responsáveis pelos crimes de Estado cometidos contra opositores políticos durante os regimes militares de exceção dos anos 60 a 80 do século passado, não foram submetidos a processo penal. Em abril de 2010, o Supremo Tribunal Federal brasileiro, em ação proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil, tendo por objeto a interpretação, à luz da Constituição e sistema internacional dos direitos humanos, de uma lei de auto-anistia promulgada em 1979 pelo último governo do regime militar, confirmou que os crimes mencionados acima foram abrangidos por essa anistia.


Entretanto, em novembro de 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no acórdão Gomes Lund e outros vs. Brasil (Guerrilha do Araguaia), julgou e condenou o Estado Brasileiro pela prisão arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, por ocasião da Guerrilha do Araguaia entre 1972 e 1975. A Corte decidiu também que a auto-anistia decretada pela lei de 1979 é contrária à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e carece, em consequência de efeitos jurídicos. Não obstante, os representantes da Presidência da República, da Câmara dos Deputados e do Senado Federal declararam que o Estado Brasileiro não é obrigado a executar essa decisão.


Sem dúvida, essa controvérsia diz respeito ao funcionamento da Organização dos Estados Americanos e deve ser solucionada em seu âmbito. Mas o episódio não pode ser ignorado por esse Conselho. Aliás, a Alta Comissária dos Direitos Humanos das Nações Unidas, a Senhora Navi Pillay, declarou recentemente que o Brasil deve revogar a lei de anistia votada em 1979, em relação aos crimes cometidos pelos agentes do Estado contra oponentes políticos durante o regime de exceção.


Na verdade, o Estado Brasileiro adotou, há muito tempo, uma posição positivista, segundo a qual os tratados de direitos humanos somente entram em vigor, no plano nacional, após serem ratificados pelo Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). Em 2004, uma emenda à Constituição (art. 5º, § 3º) precisou que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.


Essa disposição constitucional revela claramente a posição do Estado Brasileiro em matéria de direitos humanos, contrária ao consenso internacional. Os princípios e as regras de proteção da pessoa humana, a começar pelo jus cogens mencionado pela Convenção de Viena de 1969 sobre o Direito dos Tratados em seu art. 53, uma vez reconhecidos internacionalmente, não dependem, para entrar em vigor, de sua aceitação formal por parte dos Estados. É inadmissível, hoje, que um Estado sustente, como faz o Brasil, que seu direito interno se superpõe ao sistema internacional de direitos humanos.


Pareceu-nos, portanto, importante assinalar essa anomalia, por ocasião da submissão do Brasil ao exame periódico desse Conselho, quanto à proteção dispensada aos direitos humanos.

Navalha
O Conversa Afiada dedica este post a três notáveis juristas brasileiros.
Eros Grau, que relatou no Supremo a anistia à Lei da Anistia.
A Sepúlveda Pertence, que defendeu na OEA a anistia à Lei da Anistia.
E, last but not least, Gilmar Dantas (*), que sempre combateu a revisão da Lei da Anistia, com o argumento de que provocaria “desarranjo” institucional, como aconteceu em todos os países que o fizeram.
E não disse em que países houve o “desarranjo”.




Paulo Henrique Amorim


(*) Clique aqui para ver como um eminente colonista do Globo se referiu a Ele. E aqui para ver como outra eminente colonista da GloboNews  e da CBN se refere a Ele.

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