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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, dezembro 05, 2011

Lágrimas no funeral do Bem-Estar Social

Carta Maior

Ministra do Trabalho italiana, Elsa Fornero, não consegue conter o choro ao explicar a parte do arrocho de 30 bilhões de euros anunciado neste domingo pelo primeiro ministro Mário Monti, que penalizará fortemente o sistema previdenciário do país.

Idade mínima de aposentadoria foi elevada para 62 anos no caso das mulheres e 66 anos para os homens. Até 2018, a idade única será de 66 anos. A antecipação de pedidos de aposentadoria até lá exigirá um mínimo de 41 anos de contribuição para mulheres e de 42, no caso dos homens. Pensões acima de 936 euros foram congeladas; aquelas abaixo desse valor serão corrigidas apenas parcialmente.

Trata-se de um arrocho de sangue sobre as gerações mais velhas, que congela e corrói o amparo social justamente quando mais se necessita dele na curva final da vida, uma ruptura de valores e laços compartilhados que desmantela as bases do Estado do Bem-Estar Social pelo qual muitos dos que agora estão sendo descartados lutaram.

Na cena asséptica e pastosa da solenidade montada para vestir de fatalidade contábil aquilo que é uma expropriação de renda em benefício dos rentistas, Elsa Fornero destoou. Em lágrimas, não conseguiu concluir o raciocínio justificatório para a palavra 'sacrifício'. Precisou interromper a explicação sobre os detalhes do pacote sendo substituída então por Monti, o tecnocrata elegante, na verdade um bloco granítico e calculista a serviço dos mercados, explicitamente reconhecido como um interventor deles no Estado italiano.

Veja a cena, expressiva da tensão gerada pelo desmonte do Estado do Bem-Estar Social numa União Européia em que a sobrevivência, ou a derrocada final, da moeda única será decidida esta semana, na reunião de cúpula de Bruxelas, nesta 6ª feira. 

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