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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, dezembro 07, 2011

A MÁ CONSCIÊNCIA DO COLABORACIONISMO FRANCÊS

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LOUIS VUITTON E A IMPRENSA Brumas de um passado inglório

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Por Leneide Duarte-Plon (*)


Sessenta e cinco anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, falar da ocupação e da colaboração de empresas francesas com o regime de Vichy (do general Pétain) e com os alemães é ainda um problema sensível. Imperativos econômicos muitas vezes impõem uma censura mal digerida por historiadores e jornalistas.
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O site Mediapart e o jornal Le Canard Enchaîné revelaram este ano que durante a guerra houve colaboração francesa com os alemães por “imperativos econômicos”. Foi o caso de Louis Vuitton. Mas os famosos “imperativos econômicos” que justificaram a colaboração impediram este ano a revista Géo Histoire de publicar um texto sobre as relações perigosas de Louis Vuitton com o ocupante alemão. Explica-se: a marca de luxo é um importante anunciante de outras revistas (Gala, Femme Actuelle) que pertencem ao grupo Prisma Presse, proprietário de Géo Histoire.

O número especial de Géo Histoire de setembro-outubro tratava do tema “La France sous l’occupation”, mas o artigo que tinha por tema a colaboração econômica, um tabu nos meios empresariais franceses (Chanel e Renault teriam colaborado também) foi censurado pela revista, por recomendação do setor comercial.

Condecoração nazista
Segundo o site Mediapart, o artigo censurado não era propriamente um furo. Em 2004, o livro de Stéphane Bonvicini – Louis Vuitton, une saga française – já tratava do tema da colaboração de Louis Vuitton durante a guerra. O livro teve um lançamento que ficou quase clandestino, já que praticamente não se falou dele na imprensa. Et pour cause. O jornal britânico The Guardian lembrou na época que “Louis Vuitton é um dos maiores anunciantes da imprensa francesa”, tanto de grandes jornais como de grandes semanários e revistas de moda.


Segundo o Canard Enchaîné, o artigo de Géo Histoire tinha sido relido pelo redator-chefe da revista e por um historiador que atestou a veracidade dos fatos. Um trecho do artigo censurado dizia : 
O marechal Pétain (esq.) e Adolf Hitler 

“Quando Philippe Pétain instala seu governo no Hôtel du Parc, em Vichy, todas as marcas de luxo que, como o joalheiro Van Cleef & Arpels, têm lojas no hotel são expulsas. Todas menos uma: Vuitton. A casa, fundada em 1854 por Louis Vuitton e tornada célebre pela imperatriz Eugénie (esposa de Napoleão), era dirigida em 1940 por Gaston, neto do fundador. Gaston pede a seu irmão Henry que mostre claramente a fidelidade ao novo regime para assegurar a perenidade da marca que vai fabricar objetos destinados a glorificar o marechal Pétain.
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O marechal com o o ministro das relações exteriores britânico
“Henry Vuitton mantém relações de amizade com oficiais da Gestapo. Vuitton foi um dos raros industriais condecorados pelos nazistas, em reconhecimento de sua lealdade, em cerimônia na qual os oficiais SS e a Wehrmacht usam uniformes desenhados por um estilista de Metzingen, um certo Hugo Boss, e confeccionados por deportados e trabalhadores do trabalho obrigatório na Alemanha”.

Ótima saúde
A supressão do artigo que mostra o passado nada glorioso da marca Vuitton foi feita para preservar as boas relações da empresa Prisma Presse, dona da revista, com o grupo LVMH (proprietário da Louis Vuitton). Mas os jornalistas da revista escreveram uma carta protestando contra a censura econômica exercida pela direção da publicação. Para tentar se justificar junto à redação, a direção alegou o conteúdo “discutível” dos artigos. Não convencidos com as explicações, os jornalistas enviaram carta de protesto ao comitê de ética do grupo.

Enquanto isso, a saúde financeira do grupo Vuitton continua excelente e os anúncios continuam chovendo nas revistas do grupo Prisma Presse.


(*)Leneide Duarte-Plon é jornalista em Paris
*militânciaviva

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