Peço perdão por escrever na primeira pessoa, mas é necessário.
Em 2005, quando estive na Venezuela, tinha – e o confesso – uma certa reserva em relação a Hugo Chávez.
Embora o considerasse um líder popular de grande valor, não conhecia suas qualidades intelectuais e, com preconceito, achava que não eram grandes.
Mas,coincidentemente, eu estava vendo televisão no dia da Independência. Intrigou-me o insólito, para quem acompanha os nossos desfiles aqui, de ver soldados do Exército vestidos com uniformes de quase dois séculos, executando grandes coreografias das batalhas que levaram à independência do país, com cargas, recuos e uma representação dos revezes e vitórias daqueles combates.
Pouco mais tarde, assisti também Chávez falar na cerimônia do das “actas de la independencia” , onde se registraram as decisões de livrar o país do jugo espanhol.
Falou por quase duas horas. E, confesso, nunca tive a oportunidade de aprender tanto sobre a relação das guerras napoleônicas, no início do século 19, na Europa e os movimentos de libertação na América Latina – e olhem que a nossa, em 1822, tem também nelas a sua raiz.
A fala era simples, mas com momentos de arroubos e metáforas.
Naquela ocasião, um mês depois da morte de Brizola, fiquei pensando: porque certos líderes falam tanto, de maneira tão original e tão presos a contar a história de seus países e vidas?
Muitas vezes penso nisso, quando vejo a objetividade marqueteira que tomou conta de nosso discurso político, o desaprendizado de nossa história, a pobreza intelectual fantasiada em termos pedantes ou sofisticados que tomou conta da vida pública – e nisso não estão apenas os partidos e os governos, mas a imprensa, a intelectualidade, os “profissionais” e o “politicamente correto”.
Sábados chuvosos são propícios a dores nas juntas e a reflexões aparentemente descabidas como esta.
Mas, como nos sobra algum tempo, achei que devia reproduzir o vídeo acima, que reproduz o diálogo entre Hugo Chávez e Cristina Kirchner, num encontro entre ambos esta semana, durante a cúpula da América Latina e do Caribe, em Caracas, capital venezuelana.
Faria Duda Mendonça e Nizan Guanaes, os nossos papas da marquetagem política ter uma síncope ver dois presidentes conversando assim, diante das câmaras de televisão.
Mas é, para quem tem capacidade para ouvir algo diferente do som oco da política, uma aula, não só de história, mas também do papel didático que os líderes populares devem ter: o de ajudar seu povo a compreender sua história, a entender-se com parte de uma grande marcha humana e a eles, líderes, não como indivíduos apenas, mas como personagens de um processo social que cruza o tempo, ora evidente e agitado, ora subterâneo e silencioso.
Se puder, assista. O castelhano é, com um pouco de esforço, compreensível. Uma ou outra referência histórica que nos falte é insignificante. O sentido geral da liberdade e da afirmação dos povos está ali, nítido, evidente, sonoro. A simplicidade que marca os grandes, também.
A moça da foto não podia falar ali. Mas falou, quando pôde
Agora, sim, e por sugestão da nossa jovem e veterana leitora Aline, a foto não precisa de mais nenhuma palavra, a não ser daquela a quem ela retrata.
A verdade não esconde o rosto
A foto ao lado, que ilustra o livro “A vida quer coragem”, de Ricardo Amaral, a ser lançado nos próximos dias, foi publicada pela revista Época, uma biografia de Dilma Rousseff. Não conheço o livro, para que dele possa falar.
Mas a foto, como tantas vezes acontece, diz em silêncio tantas coisas que, escritas, obrigariam a longos raciocínios.
As mãos que encobrem o rosto dos oficiais que se sentavam no tribunal militar que julgaria e condenaria a “subversiva” tinham todo o poder, todo o mando, mas tampavam suas faces.
Não, não era medo de ataques da guerrilha, porque seus nomes eram sabidos e pouco ou nada lhes adiantaria esta “máscara” manual.
Era, talvez, o gesto inconsciente da vergonha que o olhar e a expressão altiva de uma moça de pouco mais de 20 anos tinha ao enfrentar aquele abuso, mesmo depois de dias e dias de tortura e maus-tratos.
A foto deveria ser o inverso, os olhares reprovadores e duros dos juízes, o rosto enterrado entre as mãos do desespero de quem agiu como sua consciência mandava e que, agora, tinha de enfrentar o cárcere na fase mais luminosa da vida.
Mas a história tem seus caprichos e ironias, mesmo demorados e dolorosos.
Aqueles rostos escondidos perderam-se no tempo. As mãos que os encobrem também os expõem, às suas consciências, hoje.
Mas não são as mãos dos rostos que a Comissão da Verdade deve tirar, porque os homens das fotos estavam, dentro do arbítrio, presos aos limites “legais” da própria ditadura.
Foram cúmplices daquele período que não pode mostrar o rosto, como eles.
O que é preciso tirar, sim, são os capuzes dos que humilharam, torturaram, abusaram e mataram centenas de jovens como a da foto e outros, nem tão jovens, como Rubens Paiva.
É para isso, para lhes tirar os capuzes e deixar que, como todos, tenham de enfrentar o julgamento público pelo que fizeram.
Os nossos juízes, civis, que recusam o óbvio e negam o compromisso do Brasil ante o mundo de considerar tortura e assassinato político imprescritíveis, muito mais razões têm que aqueles oficiais para encobrirem seus rostos.
Porque condenam não uma pessoa, mas o direito desta Nação de nunca mais haja capuzes para acobertar a violência e a brutalidade neste país.
Mas a foto, como tantas vezes acontece, diz em silêncio tantas coisas que, escritas, obrigariam a longos raciocínios.
As mãos que encobrem o rosto dos oficiais que se sentavam no tribunal militar que julgaria e condenaria a “subversiva” tinham todo o poder, todo o mando, mas tampavam suas faces.
Não, não era medo de ataques da guerrilha, porque seus nomes eram sabidos e pouco ou nada lhes adiantaria esta “máscara” manual.
Era, talvez, o gesto inconsciente da vergonha que o olhar e a expressão altiva de uma moça de pouco mais de 20 anos tinha ao enfrentar aquele abuso, mesmo depois de dias e dias de tortura e maus-tratos.
A foto deveria ser o inverso, os olhares reprovadores e duros dos juízes, o rosto enterrado entre as mãos do desespero de quem agiu como sua consciência mandava e que, agora, tinha de enfrentar o cárcere na fase mais luminosa da vida.
Mas a história tem seus caprichos e ironias, mesmo demorados e dolorosos.
Aqueles rostos escondidos perderam-se no tempo. As mãos que os encobrem também os expõem, às suas consciências, hoje.
Mas não são as mãos dos rostos que a Comissão da Verdade deve tirar, porque os homens das fotos estavam, dentro do arbítrio, presos aos limites “legais” da própria ditadura.
Foram cúmplices daquele período que não pode mostrar o rosto, como eles.
O que é preciso tirar, sim, são os capuzes dos que humilharam, torturaram, abusaram e mataram centenas de jovens como a da foto e outros, nem tão jovens, como Rubens Paiva.
É para isso, para lhes tirar os capuzes e deixar que, como todos, tenham de enfrentar o julgamento público pelo que fizeram.
Os nossos juízes, civis, que recusam o óbvio e negam o compromisso do Brasil ante o mundo de considerar tortura e assassinato político imprescritíveis, muito mais razões têm que aqueles oficiais para encobrirem seus rostos.
Porque condenam não uma pessoa, mas o direito desta Nação de nunca mais haja capuzes para acobertar a violência e a brutalidade neste país.
O papel didático dos líderes
Em 2005, quando estive na Venezuela, tinha – e o confesso – uma certa reserva em relação a Hugo Chávez.
Embora o considerasse um líder popular de grande valor, não conhecia suas qualidades intelectuais e, com preconceito, achava que não eram grandes.
Mas,coincidentemente, eu estava vendo televisão no dia da Independência. Intrigou-me o insólito, para quem acompanha os nossos desfiles aqui, de ver soldados do Exército vestidos com uniformes de quase dois séculos, executando grandes coreografias das batalhas que levaram à independência do país, com cargas, recuos e uma representação dos revezes e vitórias daqueles combates.
Pouco mais tarde, assisti também Chávez falar na cerimônia do das “actas de la independencia” , onde se registraram as decisões de livrar o país do jugo espanhol.
Falou por quase duas horas. E, confesso, nunca tive a oportunidade de aprender tanto sobre a relação das guerras napoleônicas, no início do século 19, na Europa e os movimentos de libertação na América Latina – e olhem que a nossa, em 1822, tem também nelas a sua raiz.
A fala era simples, mas com momentos de arroubos e metáforas.
Naquela ocasião, um mês depois da morte de Brizola, fiquei pensando: porque certos líderes falam tanto, de maneira tão original e tão presos a contar a história de seus países e vidas?
Muitas vezes penso nisso, quando vejo a objetividade marqueteira que tomou conta de nosso discurso político, o desaprendizado de nossa história, a pobreza intelectual fantasiada em termos pedantes ou sofisticados que tomou conta da vida pública – e nisso não estão apenas os partidos e os governos, mas a imprensa, a intelectualidade, os “profissionais” e o “politicamente correto”.
Sábados chuvosos são propícios a dores nas juntas e a reflexões aparentemente descabidas como esta.
Mas, como nos sobra algum tempo, achei que devia reproduzir o vídeo acima, que reproduz o diálogo entre Hugo Chávez e Cristina Kirchner, num encontro entre ambos esta semana, durante a cúpula da América Latina e do Caribe, em Caracas, capital venezuelana.
Faria Duda Mendonça e Nizan Guanaes, os nossos papas da marquetagem política ter uma síncope ver dois presidentes conversando assim, diante das câmaras de televisão.
Mas é, para quem tem capacidade para ouvir algo diferente do som oco da política, uma aula, não só de história, mas também do papel didático que os líderes populares devem ter: o de ajudar seu povo a compreender sua história, a entender-se com parte de uma grande marcha humana e a eles, líderes, não como indivíduos apenas, mas como personagens de um processo social que cruza o tempo, ora evidente e agitado, ora subterâneo e silencioso.
Se puder, assista. O castelhano é, com um pouco de esforço, compreensível. Uma ou outra referência histórica que nos falte é insignificante. O sentido geral da liberdade e da afirmação dos povos está ali, nítido, evidente, sonoro. A simplicidade que marca os grandes, também.
No próximo post a gente devaneia menos e volta à objetividade…perdoem.
*Tijolaço
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