Nada queima por acaso nas favelas paulistanas
Estudo estatístico mostra notável coincidência entre os incêndios e… as áreas de interesses do mercado imobiliário
Por João Finazzi, no PET RI-PUC
[Título original:"Não acredite em combustão espontânea"]
Segundo a física, propelente ou propulsante é um material que pode ser
usado para mover um objeto aplicando uma força, podendo ou não envolver
uma reação química, como a combustão.
De acordo com o Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo,
até o dia 3 de setembro de 2012, houve 32 incêndios em favelas do
estado – cinco somente nas últimas semanas. O último, no dia 3, na
Favela do Piolho (ou Sônia Ribeiro) resultou na destruição das casas de
285 famílias, somando um total de 1.140 pessoas desabrigadas por conta
dos incêndios em favelas.
O evento não é novo: em quatro anos foram registradas 540 ocorrências.
Entretanto, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada em abril
deste ano para investigar os incêndios segue parada, desrespeitando todos os trabalhadores brasileiros que tiveram suas moradias engolidas pelo fogo.
Juntamente com o alto número de incêndios, segue-se a suspeita: foram coincidências?
O Município de São Paulo apresenta 1565 favelas ao
longo de seu território, distribuídas, majoritariamente na região Sul,
Leste e Norte. Os distritos que possuem o maior número de favelas são:
Capão Redondo (5,94% ou 93), Jardim Angela (5,43% ou 85), Campo Limpo
(5,05% ou 79), Grajaú (4,66% ou 73). O que significa que 21,08% de todas
as favelas de São Paulo estão nessas áreas.
Somando as últimas 9 ocorrências de incêndios em favelas (São Miguel,
Alba, Buraco Quente, Piolho, Paraisópolis, Vila Prudente, Humaitá, Areão
e Presidente Wilson), chega-se ao fato de que elas aconteceram em
regiões que concentram apenas 7,28% das favelas da cidade.
Em uma área em que se encontram 114 favelas de São Paulo, houve 9
incêndios em menos de um ano, enquanto que em uma área em que se
encontram 330 favelas não houve nenhum. Algo muito peculiar deve
acontecer com a minoria das favelas, pois apresentam mais incêndios que a
vasta maioria. Ao menos que o clima seja mais seco nessas regiões e que
os habitantes dessas comunidades tenham um espírito mais incendiário
que os das outras, a coincidência simplesmente não é aceitável.
Àqueles que ainda se apegam às inconsistências do destino, vamos a mais alguns fatos.
A Favela São Miguel, que leva o nome do bairro, divide sua região com
apenas outras 5 favelas, representando todas apenas 0,38% das favelas de
São Paulo. Desse modo, a possível existência de um incêndio por ali, em
comparação com todas as outras favelas da cidade é extremamente baixa.
Porém, ao pensar somente de modo abstrato, estatístico, nos esquecemos
do fator principal: a realidade. O bairro de São Miguel é vizinho do
bairro Ermelino Matarazzo, o qual, de acordo com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe),
teve a maior valorização imobiliária na cidade de São Paulo entre 2009 e
novembro de 2011, 213,9%. Lá, o preço do metro quadrado triplicou – mas
não aumentou tanto quanto a possibilidade real de um incêndio em
favelas por ali.
As favelas Alba e Buraco Negro também estão na rota do mercado
imobiliário. Dividindo o bairro do Jabaquara com o restante dos imóveis,
a favela inviabiliza um maior investimento do mercado na região, que se
valorizou em 128,40%. Mas nada como um incêndio para melhorar as
oportunidades dos investidores.
Todas as 9 favelas citadas estão em regiões de valorização imobiliária:
Piolho (Campo Belo, 113%), Comunidade Vila Prudente (ao lado do Sacomã,
149%) e Presidente Wilson (a única favela do Cambuci, 117%). Sem contar
com Humaitá e Areião (situadas na Marginal Pinheiros) e a já conhecida
Paraisópolis.
Soma-se a tudo isso, o fato de que as favelas em que não houve incêndios
(que são a vasta maioria), estão situadas em regiões de desvalorização, como o Grajaú (-25,7%) e Cidade Dutra (-9%). Cai, juntamente com o preço dos terrenos, a chance de um incêndio “acidental”.
Pensar em coincidência em uma situação dessa é querer fechar os olhos
para o mundo. Resta aos moradores das comunidades resistirem contra as
forças do mercado imobiliário, pois quem brinca com fogo acaba por se
queimar. Enquanto isso, como disse Leonardo Sakamoto, “…favelas que viram cinzas são um incenso queimando em nome do progresso e do futuro.”
Leia também:
- A limpeza pelo fogo nas favelas de São Paulo
- *GrupoBeatrice
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