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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, novembro 14, 2012

Cameron: “Invadir a Síria!” / General: “Você e que exército?”




John Robles
A formação da chamada oposição síria unificada – logo onde?! Em Doha, Qatar! – e que não inclui inúmeros grupos e facções de sírios que lutam contra Bashar al-Assad, foi saudada no ocidente e em vários estados muçulmanos sunitas como uma vitória; e a “coalizão” foi apresentada como legítima voz do povo sírio. O ocidente continua a promover e atiçar o morticínio, fornecendo armas a alguns grupos e até, como já se noticiou, treinando atiradores e grupos terroristas para assassinar Assad. Simultaneamente, os clamores de David Cameron, que “exige” imediata intervenção militar na Síria, colidiram violentamente contra um muro de descrédito.

David Cameron
O ocidente insiste em tentar impor seus planos à Síria e promover uma “mudança de regime” a qual, desde o começo, é desejo de Washington, muito mais que do povo sírio.

O mais recente golpe/tentativa de legitimar a oposição apoiada e armada pelo ocidente apareceu sob a forma de conferência realizada fora da Síria, no domingo passado. Reunião de fantoches do ocidente, a tal ponto que muitos dos líderes da oposição síria “real”, que permanecem na Síria, recusaram-se a participar daquela encenação.

A escolha do Qatar para sediar a “conferência” já sugere viés bem claro: o Qatar sempre apoiou os muçulmanos sunitas e seus interesses; e lá estão instaladas bases dos EUA e do Comando Central dos EUA [orig. US Central Command (CENTCOM)] que também mantém bases no Kuwait, Bahrain, Emirados Árabes Unidos, Omã e Paquistão.

Importante observar que a maioria da população síria é formada de muçulmanos sunitas, e que Bashar al-Assad é alawita (denominação que para muitos se refere a uma seita do Islã xiita). Isso explica por que o Qatar e outros países são tão empenhadamente contra Assad e tanto se interessam em fazer o jogo dos EUA, no golpe para derrubar Assad e seu governo de alawitas.

O resultado da conferência em Doha, Qatar, que reuniu várias associações e grupos da chamada oposição síria, foi acordo assinado que constituiu mais um grupo de oposição, chamado hoje Coalizão Nacional [orig. National Coalition (NC)].

EUA e Grã-Bretanha apressaram-se a anunciar apoio ao novo grupo, e por razões óbvias: assim se podem apresentar ao mundo como apoiadores de coalizão dita legítima, mesmo que formada fora do país e marcada por favorecer interesses dos aliados de Washington, selecionados a dedo. Como se já não estivessem ruins o suficiente, as coisas, em seguida, pioraram.

Na 2ª-feira, o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), formado de Arábia Saudita (sunitas), Bahrain (sunitas), Emirados Árabes (sunitas), Omã (ibadistas), Qatar (sunitas) e Kuwait (sunitas) também decidiram reconhecer a tal Coalizão Nacional, como legítima representante do povo sírio.

Bashar al-Assad
As razões pelas quais todos esses países tanto se empenham em derrubar o governo de Assad são variadas e todas envolvem interesses específicos desses países, muito mais do que interesses dos sírios; a nova Coalizão fatalmente levará a ampliar a carnificina e a instabilidade na região, que virão como consequências inescapáveis se Assad for derrubado. Para o CCG, o apoio parece óbvio, dado que estão apoiando os irmãos sunitas e pondo fim a um importante aliado do Irã na região.

O Irã é país xiita, caso único no mundo muçulmano, porque a população da República Islâmica do Irã é constituída de 90% de xiitas. Os xiitas iranianos são malvistos pelos vizinhos muçulmanos árabes também porque não são árabes, mas persas e muitos países árabes veem o Irã como ameaça.

Quanto ao ocidente, as razões pelas quais querem ver Assad fora do governo são completamente diferentes e nada têm a ver com a oposição sunitas-xiitas. O ocidente tem ambições imperiais na região e a rixa religiosa, que o ocidente sempre manipula, serve muito bem àquelas ambições. Para os EUA, há dois objetivos na região: fixar o controle, para facilitar a exploração dos recursos naturais; e proteger Israel.

A duplicidade é evidente e o ocidente não tem qualquer objetivo humanitário. Se o governo apóia a implantação militar dos EUA na região, é governo aliado; se não, os EUA imediatamente passam a trabalhar para a “mudança de regime”.

No Bahrain, por exemplo, o governo sunita oprime a população de maioria xiita. Mas o Bahrain é crucialmente importante para o ocidente, do ponto de vista estratégico, porque ali estão aquartelados o Comando Central das Forças Navais dos EUA [orig. United States Naval Forces Central Command (COMUSNAVCENT)] e da 5ª Frota dos EUA [orig. United States Fifth Fleet (COMFIFTHFLT); nessas circunstâncias, os EUA ignoram todas as questões sociais; e o levante da maioria xiita no Bahrain praticamente não é assunto na mídia mundial.

Saddam Hussein
Saddam Hussein é outro exemplo. Saddam era sunita, e oprimia a população xiita do Iraque; mas o problema, para os EUA jamais foi a opressão dos xiitas. O problema, ali, foi que Saddam começava a constituir política independente dos EUA e a não obedecer aos ditames do ocidente. Se Saddam tivesse autorizado a instalação de bases dos EUA em território iraquiano e garantisse pleno acesso para os EUA aos recursos do Iraque, lá estaria, até hoje, por mais que governasse como ditador sanguinário.

Assim, em resumo, embora ainda haja quem suponha que o ocidente apóia muçulmanos sunitas, fato é que os EUA só fazem manipular os sunitas e servir-se deles como instrumentos para alcançar seus objetivos. Esses movimentos nem sempre são bem claramente entendidos por muitos muçulmanos, que veem as atitudes dos EUA como traição sempre: ou os EUA traem os sunitas, ou os EUA traem os xiitas e, em todos os casos, traem muçulmanos.

O mundo muçulmano enfrenta levantes populares hoje que ainda acompanham as linhas sectárias manipuladas pelo ocidente, sempre na direção que mais interesse aos EUA.

Muammar Gaddafi
Outro exemplo foi Muammar Gaddafi, do qual muitos dizem que seria o mais verdadeiro dos muçulmanos, dado que não era nem xiita nem sunita. Os EUA decidiram derrubar Gaddafi pelas mesmas razões (interesse em ocupar os recursos naturais da Líbia), porque Gaddafi trabalhava para construir políticas de autonomia e independência nacional – e já governava o sistema socialista de governo mais justo e produtivo que o mundo jamais conheceu. Aí está exatamente o tipo de governo e governante cuja existência o ocidente não pode admitir, porque governo e governante, nesse caso, convertem-se em obstáculos vivos à exploração predatória do país por interesses capitalistas.

De volta à Síria, importante aliado do Irã, a “mudança de regime” tornou-se absolutamente necessária porque o ocidente vê a Síria como ameaça importante aos planos ocidentais de invadir e ocupar o Irã. Aí está outro país que construiu políticas de autonomia e independência e que, além do mais, é arqui-inimigo de Israel.

Muitos especialistas concordam que, se a Síria cair, o alvo seguinte será o Irã. Há quem diga que, nos planos dos imperialistas ocidentais para dominar o mundo, depois do Irã virá a Venezuela; depois a Rússia; depois a China.

William Hague
Assim sendo, o que se tem é, em resumo muito apertado: nações sunitas, que trabalham para promover interesses dos sunitas; o ocidente, que manipula a seu favor as divisões sectárias, com vistas a promover o projeto imperialista de exploração de recursos e o que entendem que seja o interesse de Israel; como consequência disso tudo, o Irã e a Síria estão sendo hoje atacados por todos os lados.

A Síria está sendo saqueada e rachada ao meio por efeito da manipulação, do aprofundamento de ódios sectários, que voltam a reabrir as muitas divisões internas, estimulados pela infiltração, no país, de terroristas e mercenários vindos de fora. E o Irã está sendo completamente isolado pelas sanções, aplicadas de fora para dentro.

Quanto à Grã-Bretanha que, agora, parece que unilateralmente – de fato, só se ouviu uma voz: do Primeiro-Ministro David Cameron – anda dizendo que o país estaria pronto para iniciar intervenção militar na Síria, os planos do Primeiro-Ministro colidiram violentamente contra um muro de descrédito.

Philip Hammond
Segundo o jornal Sun da Grã-Bretanha, uma fonte militar contou que:

Um brigadeiro, que assistiu ao noticiário e soube que Cameron falava de invasão armada contra a Síria, perguntou: “Quer invadir, primeiro-ministro?! Você e que exército?”

Segundo o Sun, o Secretário de Defesa Philip Hammond e o Secretário de Relações Exteriores, William Hague também se manifestaram contra qualquer ideia de invadir a Síria; lembraram que a Síria não é a Líbia; e que o presidente Bashar al-Assad, além de comandar exército poderosíssimo, conta com o apoio dos russos.


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