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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, novembro 17, 2012

"O julgamento de Dirceu acabou; vamos agora ao do Supremo"


Da Carta Maior - 16/11/2012 


Este julgamento tem que ser simplesmente anulado. 


Diante de um Supremo Tribunal que ameaça as bases do Direito objetivo brasileiro, o Senado da República deve ser chamado a atuar. 


A cidadania não pode ficar à mercê de burocratas togados que se servem de interesses políticos, e não da lei. 


J. Carlos de Assis* 


 O domínio do fato, a tese central estuprada pelo Supremo Tribunal Federal para condenar José Dirceu a mais de dez anos de cadeia, é mais ou menos o seguinte: alguém com superioridade moral, mesmo que não hierárquica, sobre três outras pessoas com funções específicas torna-se responsável por qualquer coisa que essas pessoas façam de irregular. 

Ou seja, o que se condena é a superioridade moral, não a ação irregular. 


Portanto, ai daqueles que, ao longo da vida, conquistaram o respeito e a superioridade moral sobre outros. 


Como dizia o Pequeno Príncipe, “tornam-se eternamente responsáveis por aqueles que cativam”. 


De um ponto de vista estritamente objetivo, Jânio Freitas, comentando uma entrevista na Folha de S. Paulo do jurista alemão Claus Roxin, que se destaca entre os formuladores da tese do “domínio de fato”, deu um esclarecimento definitivo sobre a deturpação desse conceito pelo Supremo brasileiro em sua sanha de condenar sem provas. 


É difícil não se indignar diante do arroubo arbitrário dos que, não tendo poder oriundo do povo, agem como demagogos para agradar uma opinião pública claramente manipulada por grupos políticos minoritários e seus escudeiros na grande imprensa. 


É em razão disso que me proponho imediatamente a subscrever a campanha de opinião pública crítica liderada pelo Blog da Cidadania e apoiada por Carta Maior. 


Este julgamento tem que ser simplesmente anulado.
 

Os caminhos para isso não estão definidos literalmente pela Constituição, mas o espírito da Constituição Cidadã deve prevalecer sobre o rito burocrático violado. 


Diante de um Supremo Tribunal que ameaça as bases do Direito objetivo brasileiro, o Senado da República deve ser chamado a atuar. 


A cidadania não pode ficar à mercê de burocratas togados que se servem de interesses políticos, e não da lei. Não tendo sido unânime a decisão do Supremo, não precisamos de ter escrúpulos em afirmar que a decisão tomada é tecnicamente equivocada. 


Ministros, pelo menos um ministro que examinou cuidadosamente o processo na qualidade de revisor, pensa dentro da técnica jurídica como nós pensamos dentro do espírito sociológico. 


Pois que pensemos seriamente em buscar meios para anular esse julgamento dentro da constitucionalidade. 


O Congresso, assim como criou uma Comissão de especialistas para rever o Código Penal, deve criar uma Comissão para examinar em que medida as bases jurídicas brasileiras foram violadas pelo julgamento da vergonha. 


Esse debate serviria para dar à opinião pública o esclarecimento que não teve. 


Ao contrário, ela foi bombardeada pelo sensacionalismo da grande mídia, principalmente de algumas revistas, as quais, perdendo terreno para as novas tecnologias de informação, têm como principal recurso de ganhar leitores e anunciantes a produção de escândalos, notadamente os fabricados mediante a manipulação de fatos truncados. 


Isso tem levado a que mesmo pessoas pensem, com autêntica boa fé, que algo de realmente escabroso aconteceu na direção do PT pois, do contrário, não haveria tanto barulho. 


Não sabem que não foi o fato que produziu o barulho. 


Foi o barulho que produziu o fato. 


Para a condenação dos importantes líderes políticos do PT – deixo de lado Delúbio, que honradamente chamou a si a responsabilidade pelo caixa dois de campanha -, pesou sem dúvida o mantra que penetrou no inconsciente coletivo brasileiro de que este é o país da impunidade. Como? 


Este país colocou para fora um Presidente suspeito de corrupção, cassou mandato de senadores e deputados, pôs juiz de Direito na prisão, condenou banqueiro à cadeia, tem condenado e expulso membros de toda a hierarquia da Polícia Militar, para não falar em gente da elite cultural e financeira condenada. É claro que não há impunidade. 


Houve impunidade, sim, no governo militar. 


Mas agora o que se faz, com esse julgamento, é saltar da impunidade dos culpados na ditadura para a condenação exemplar de inocentes na democracia. 


Estou entre os jornalistas que introduziram o jornalismo investigativo na área econômica ao tempo da ditadura. 


Denunciei vários escândalos em jornal, escrevi livros, dei palestras. Na época, não havia Ministério Público independente, que foi uma criação da Constituinte; a Polícia Federal só cuidava de prender comunistas; o Judiciário estava amordaçado; o Congresso, submisso. 


Assim mesmo, com estrito trabalho jornalístico e sem o sensacionalismo da televisão, foi possível expor as entranhas dos desvios financeiros sob a ditadura. 


Agora o trabalho jornalístico da grande imprensa parece invertido: em vez de investigar por conta própria, ela usa e toma como verdade as investigações de escuta da Polícia Federal. 


Pior, ela toma como verdade a acusação profissional do Ministério Público, a qual, no caso extremo do chamado mensalão, foi transformada em verdade pelo relator rancoroso do processo. 


Nessa atmosfera, o que se pode esperar da opinião pública? 


Assim, para restabelecer a Justiça, é fundamental uma mobilização popular pela revisão do julgamento. 


É daí que pode surgir uma comissão da verdade com vistas não ao passado, mas ao presente e ao futuro. 


(*) Economista e professor da UEPB, presidente do Intersul, autor junto com o matemático Francisco Antonio Doria do recém-lançado “O Universo Neoliberal em Desencanto”, Ed. Civilização Brasileira. Esta coluna sai às terças também no site Rumos do Brasil e no jornal carioca Monitor Mercantil.


do blog ContrapontoPIG
*cutucandodeleve

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