“A lucidez passou a ser uma espécie de excepcionalidade, como se tratasse de um fenômeno de parapsicologia”.
Mauro Santayana
O Direito, a Liberdade e a missão do advogado
Via Jornal do Brasil
“A lucidez passou a ser uma espécie de excepcionalidade, como se tratasse de um fenômeno de parapsicologia”.
Mauro Santayana
Foi
a descoberta grega da ideia da liberdade que abriu o tempo para a
construção do Ocidente. Com essa fulgurante epifania mental, os
pensadores partiram para a especulação sobre a realidade física, a
natureza peculiar do homem e a vida social. É assim, como decorrência
natural de que a vida deve ser livre, para ser digna, que nasceram, sob
o rótulo comum de filosofia prática, as idéias da lógica, da ética, da
economia e (como instrumento de busca e realização da liberdade) a
política.
O artigo que publicou o advogado
Márcio Thomaz Bastos - nestes dias que, sendo de festas, devem ser de
meditação - sobre os deveres dos advogados, é documento grave e sério.
Ele deve ser entendido em sua seriedade e gravidade. Estamos perdendo,
como se os neurônios se dissolvessem sob o calor dos ódios e
preconceitos, a capacidade de pensar. A lucidez passou a ser uma espécie
de excepcionalidade, como se tratasse de um fenômeno de parapsicologia.
Mais do que isso: como aponta o ex-presidente da OAB, que se destacou
na luta contra o regime militar, a sociedade está imbuída da sanha
persecutória, conduzida pelo lema de vigiar e punir.
Mais
terrível do que a tirania do Estado, quando ele se encontra ocupado
pelos insanos, é a tirania das sociedades, conduzidas por demagogos
enfurecidos e suas contrafeitas idéias. Idéia, como sabemos, é a forma
que construímos em nossa mente, para identificar as coisas e os
fenômenos. Se perdemos essa capacidade de relacionar, com lógica, os
acontecimentos naturais e o sentimento humano – laço que nos une aos
de nossa mesma espécie – não há mais civilização, deserta-nos a razão,
evapora-se a inteligência. E se a sociedade perde o equilíbrio, o Estado
pode perecer, com o fim de todas as liberdades.
O dever absoluto da justiça é a proteção da liberdade, como condição inerente e irrecusável do ato de viver.
Quando
a justiça pune - qualquer tenha sido o crime – pune quem violou a
liberdade de outro, seja no exemplo radical do homicídio, seja em
delitos menores. Em razão disso, qualquer pessoa que seja levada diante
de um juiz necessita de advogado, que seja capaz de orientá-lo e
defendê-lo, a partir das leis e do direito consuetudinário. Desde que os
homens criaram os tribunais, sempre houve advogados e, não precisa ser
dito, por mais tenebroso possa parecer um crime, o direito de defesa é
sagrado.
Como expôs com clareza, em sua aula de
filosofia do Direito, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, por
mais evidente possa parecer a culpa de um suspeito, até que se conclua
plenamente o seu julgamento, a presunção é de inocência. Por uma
proposição lógica, cabe a quem o acusa fornecer as provas insofismáveis
da culpa.
Não se pode inverter o enunciado dessa
razão, e exigir do acusado que desfaça uma prova que ele mesmo
desconhece. Os juízes não devem decidir sobre provas secretas. Tivemos,
na ditadura, o absurdo ridículo de sermos obrigados a obedecer a
decretos sigilosos, mas o juiz está livre desses ucasses.
É
corajosa a advertência do conhecido advogado. Ele é apontado como um
profissional que aceita causas já tidas como perdidas, em razão do
clamor popular contra os acusados, da mesma forma que é elogiado por ter
defendido os perseguidos pelo regime autoritário, quando as idéias da
liberdade se encontravam sufocadas pelos juristas e juízes da Ditadura.
Mas, qualquer a opinião que dele se tenha, cumpre o seu dever de
defender os que o procuram - contra os clamores da ira, espontânea ou
conduzida , de parcelas da sociedade – até que todos os ritos
processuais se cumpram, na absolvição ou condenação do réu.
Por
tudo isso, o seu texto deve ser analisado cuidadosamente por todos os
cidadãos, especialmente pelos que, no exercício do mandato político, têm
a responsabilidade de governar o Estado em nome da sociedade.
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