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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, dezembro 30, 2012

ECOS DO POPULISMO PENAL MIDIÁTICO


Enio.

Joaquim Barbosa e a marcha da sensatez

Por Luiz Flávio Gomes

Barbara W. Tuchman escreveu, em 1984, um dos livros mais admiráveis da humanidade: A marcha da insensatez. Cuida, essencialmente, do seguinte: como os governantes (homens públicos), em certos momentos, cometem erros homéricos, destruindo sua nação ou sua reputação. Quatro grandes acontecimentos da história são detalhadamente abordados no livro: como puderam os troianos imbecilmente puxar o famigerado cavalo de madeira para dentro dos muros de Tróia, como os papas da Renascença toscamente não foram capazes de captar as forças reformistas, impedindo a cisão protestante, como a arrogância dos lordes ingleses forjou a libertação da América do Norte e como os americanos nesciamente se meteram na guerra do Vietnã.

A história, na verdade, é pródiga em mais exemplos de insensatez: o movimento comunista de Stalin, os fascismos, o nazismo de Hitler, a invasão do Iraque pelo ex-presidente Bush, a guerra do Afeganistão etc. Nesta semana, no Brasil, vimos um exemplo estrondoso de insensatez, do ponto de vista jurídico, que foi o pedido do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de prisão imediata dos réus mensaleiros. Como afirmamos anteriormente, não importa se se trata de rico ou pobre, petistas ou peessedebistas, preto ou branco: o Estado de Direito deve sempre ser respeitado. E foi isso que fez Joaquim Barbosa, na sua decisão de 21.12.12, rejeitando a insensatez jurídica do procurador-geral.

Ao indeferir a liminar, o ministro-presidente observou que "não há dados concretos que permitam apontar a necessidade da custódia cautelar dos réus (CPP, art.312), os quais, aliás, responderam ao processo em liberdade". Assim é o direito vigente no Brasil, desde fevereiro de 2009 (HC 84.078), em decisão história do Pleno do STF. Por que seria diferente no caso do mensalão? Só para dar razão às críticas (muitas infundadas) da cúpula do PT de que o julgamento seria político e de exceção?

Antes de indeferir o pedido do procurador-geral da República, o ministro lembrou que "já foi determinada a proibição de os condenados se ausentarem do país, sem prévio conhecimento e autorização do Supremo Tribunal Federal, bem como a comunicação dessa determinação às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional". "Por todas essas razões, indefiro o pedido", concluiu o ministro-presidente.

Do ponto de vista jurídico, Joaquim Barbosa, nesse ato, retratou a marcha da sensatez jurídica. Carl Schmitt, no auge das suas doutrinas nazistas, afirmou: "A totalidade do direito alemão hoje em dia... deve reger-se só e exclusivamente pelo espírito do nacional-socialismo... Cada interpretação deve ser uma interpretação de acordo com o nacional-socialismo" (em Müller, Los juristas del horror). Muitos estão pretendendo repetir a história, para interpretar todo o direito de acordo com as aberrações do populismo penal midiático.

Goebbels chegou a sugerir "borrar o ano de 1789 da história da Alemanha" (ano de Revolução Francesa). A partir dessa desastrada opinião, os juristas da época iniciaram uma grande campanha contra os direitos humanos, criticando as garantias dos direitos individuais frente ao Estado, as limitações do poder estatal e as restrições do Estado para impor e fazer executar suas sentenças penais. Tudo terminou com o nazismo, o holocausto e a Segunda Guerra Mundial, com milhões de cadáveres.

Schaffstein, um dos emergentes e grandes penalistas nazistas, afirmou: "Quase todos os princípios, conceitos e distinções do nosso direito contam com o espírito do Iluminismo e, portanto, devem ser remodelados sobre a base do novo gênero de pensamento e experiência", que é a nazista, que devia se atrelar à sã consciência do povo (Volk) alemão. A sã consciência do povo alemão está sendo substituída, no século XXI, pelo populismo penal midiático, como procurei demonstrar no meu novo livro, no prelo.

Temos que estar atentos contra os "bandoleiros da República" (como disse o Ministro Celso de Mello), pouco importando o partido político a que pertencem, punindo-os de acordo com a lei. Ao mesmo tempo, de olho nos movimentos de destruição do Estado de Direito, em nome do populismo penal midiático. Nem impunidade daqueles cuja culpabilidade esteja devidamente comprovada, consoante o devido processo legal, nem totalitarismos nazistas. A primitivização dos direitos e das garantias constitui um dos mais horrendos retrocessos civilizatórios. (Fonte: aqui).

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Ao pleitear a prisão de condenados do mensalão antes do pleno trânsito processual e após esperta manobra contra o pleno do STF (retirou o pedido, impedindo o julgamento, para dois dias depois reapresentá-lo, desta feita ao plantonista, no caso o ministro Barbosa), o procurador-geral Gurgel certamente agiu movido pela volúpia populista penal midiática, mal que acometeu outros atores participantes. E a perspectiva é a seguinte: se depender das estrelas em destaque e da mídia, a fogueira das vaidades e astúcias ainda vai crepitar por longo tempo.

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