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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, dezembro 16, 2012

A entrevista de Dilma ao Le Monde

Dilma parece ter descoberto que só vai conseguir mesmo ser ouvida direito na mídia internacional
Dilma com o presidente francês Hollande, em Paris
Há algo de muito errado ou na presidenta Dilma ou na mídia brasileira quando, para dar uma entrevista relevante, ela opta por publicações estrangeiras, como foi o caso, agora, do Le Monde.
Faça sua escolha.
Imaginemos que Dilma considerasse a mídia brasileira para falar o que pensa sobre a questão da corrupção e do cerco a Lula.
A qual publicação ela poderia dar uma entrevista sem que se sentisse num terreno francamente hostil? Ao Globo de Merval? À Veja de Reinaldo Azevedo? À Folha de Otavinho? Ao Estadão de Dora Kramer?
A Petrobras teve que fugir da justiça brasileira e recorrer à justiça americana para processar Paulo Francis por calúnias, num caso célebre.
Dilma parece ter que fugir da imprensa brasileira para se manifestar.
Ela disse duas coisas importantes sobre o tema da corrupção. A primeira é óbvia: este é um drama mundial, e não brasileiro. Basta ver os levantamentos de institutos como a Transparência Internacional. (Nos últimos dez anos, aliás, a posição do Brasil na lista da TI melhorou.)
A segunda, embora óbvia também, foi parcialmente elíptica. Combater a corrupção não deve se confundir com “caça às bruxas”.
Mais correto teria sido dizer “caça a Lula”.
Se você se deixa levar pelo noticiário da grande imprensa, Lula não apenas percorreu todos os degraus possíveis da escada da corrupção como está indiretamente ligado a um assassinato.
É um “mar de lama”, para usar a expressão com que o arquiconservador Carlos Lacerda martelou o governo de Getúlio Vargas.
Vargas criou o voto secreto, que impediu que industriais e fazendeiros vigiassem se seus empregados votavam em quem eles queriam. Trouxe também uma legislação trabalhista que deu direitos inéditos a trabalhadores que se esfolavam de segunda a segunda, sem férias.
Os industriais de então opuseram todo tipo de resistência aos direitos outorgados por Vargas. Vargas estava aperfeiçoando o capitalismo, assim como Ted Roosevelt fizera nos Estados Unidos duas décadas antes. Mas para os industriais brasileiros ele estava “assassinando” o capitalismo.
De tudo isso, resultou o “mar de lama”, a expressão com a qual os grandes jornais desestabilizaram o governo de Vargas até levá-lo ao suicídio, em 1954. O “mar de lama” de Lacerda era tudo – menos uma vontade genuína de extirpar a corrupção.
O patriotismo pode ser o último refúgio do canalha, como ensinou o escritor inglês Samuel Johnson. Também o “combate à corrupção”, aspas, pode ter uso sinistro, como o feito por Lacerda com seu “mar de lama”.
Vargas ainda tentou mitigar o cerco da grande imprensa da época criando condições para que surgisse um jornal com uma visão menos arcaica e menos vinculada aos interesses dos ricos, a Última Hora, de Samuel Wainer. (Wainer seria atacado por Lacerda até pelo fato de ser judeu.)
Mas não foi bastante.
A história parece estar se repetindo. Assim como houve uma caça não à corrupção mas a Getúlio Vargas, agora o que se tem é uma caça não à corrupção, e nem às bruxas, mas a Lula.
Dilma fez bem em dizer isso. Foi um gesto parecido com o olhar glacial que ela endereçou a um sorridente Joaquim Barbosa no enterro de Niemeyer. É como se ela estivesse dizendo à mídia brasileira: 

“Vamos deixar de hipocrisia e farisaísmo. Quem é bonzinho mesmo aí? A família Marinho? Ah, bom saber.”
Os mais otimistas podem acreditar que por trás da campanha está um propósito de moralização. Quem é menos romântico sabe que o que no fundo se deseja é o retorno a tempos em que o BNDES funcionava como pronto-socorro de empresas quebradas, à custa do contribuinte, e em que Roberto Marinho designava ministros das Comunicações depois de receber uma concessão de tevê e financiamentos estatais a juros de mãe.
Não era o capitalismo de Adam Smith, ou de David Ricardo. Era ação entre amigos. Capitalismo é risco e concorrência – e isso não havia.
As empresas brasileiras tinham reserva de mercado – algo que ainda existe, por incrível que pareça, para a mídia –, e quem pagava por essa mamata era a sociedade, obrigada a comprar produtos caros e ruins.
Os discípulos de Lacerda – nenhum com uma fração de seu talento, mas herdeiros da mesma dose colossal de maldade — continuam a se bater obstinadamente por um capitalismo que é a negação do capitalismo.
O verdadeiro capitalismo – aquele que é efetivamente sustentável – está na Escandinávia, nas admiráveis Dinamarcas, Finlândias e Noruegas da vida, terras libertárias, transparentes, pujantes, empreendedoras, competitivas, e onde ninguém é melhor que ninguém por causa da conta do banco.
*Diariodeocentrodomundo

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