A HISTÓRIA SE REPETE: O PARTIDO DA IMPRENSA GOLPISTA (PIG) FAZ COM LULA E FARÁ COM DILMA O QUE FEZ COM GETÚLIO VARGAS
De Vargas a Dilma: o pacto de um novo ciclo
Carta Maior- Saul Leblon
Assim como as vantagens comparativas na economia, a relação de forças na sociedade não é um dado da natureza, mas uma construção histórica. E precisa ser exercida politicamente; não é uma fatalidade sociológica. A emergencia de novos atores nas entranhas da economia não cria automaticamente novos sujeitos históricos.Quem faz isso é a ação política.Os neoclássicos, os neoliberais aqui e alhures, gostariam que o mapa das vantagens comparativas fosse um pergaminho lacrado e blindado em tanque de nitrogênio. Facilitaria a relação de forças favorável à hegemonia conservadora.
Por eles, o Brasil até hoje seria uma pacata fazenda de café. Ou uma usina de garapa.
Getúlio Vargas rompeu o interdito dos interesses internos e externos soldados na economia agroexportadora. Isso aconteceu em meados do século passado. Até hoje o seu nome inspira desconforto nos sucessores da casa grande; nos intelectuais que enfeitam seus saraus e nos ‘canetas’ que lhes servem de ventríloquos obsequiosos.
Em 1930 Vargas derrotou a todos. Desobstruiu assim os canais para lançar as bases de um Estado nacional digno desse nome.E abriu as portas a novos sujeitos históricos.
Em 50, no segundo governo, transformaria esse aparelho de Estado em alavanca capaz de assoalhar a infraestrutura da economia industrial que somos hoje.
Ao afrontar o gesso das vantagens comparativas , Vargas alterou a relação de forças na sociedade. Mas não tão sincronizado assim, nem tão solidamente assim, como se veria pelo desfecho em 24 de agosto de 54.
O desassombro daquele período, no entanto, distingue Nação brasileira de seus pares em pleno século XXI.
O Brasil é hoje uma das poucas economias em desenvolvimento que dispõe de uma planta industrial complexa.
A ortodoxia monetarista engordou a manada especulativa no pasto da Selic na década de 90 – o que valorizou o câmbio, a ponto de afogar o produto local em importações baratas até recentemente. Afetou o tônus da engrenagem fabril. Mas não a destruiu; ainda não a destruiu.
É ela ainda que poderá irradiar a inovação e a produtividade reclamadas pelo passo seguinte do nosso desenvolvimento. Não só para multiplicar empregos com salários dignos. Mas sobretudo, para extrair do pré-sal o impulso industrializante e tecnológico que ele enseja, gerando os fundos públicos requeridos à tarefa da emancipação social brasileira.
Não fosse o lastro fabril, a potencialidade do pré sal não apenas seria desperdiçada, terceirizada e rapinada. Ela conduziria a um duplo salto mortal feito de fastígio imediatista e longa necrose econômica: aquela decorrente da doença holandesa e da dependência externa absoluta. Faria pior: devastaria a relação de forças adequando-a ao domínio conservador.
Foi a industrialização que gerou a organização operária desdenhada pelo conservadorismo como mero ornamento populista.Até que surgiu o PT. E que o PT levou um metalúrgico à chefia da Nação; e não uma vez, duas; ademais de eleger a sua sucessora, em 2010.
Os protagonistas progressistas ganharam nervos e musculatura, mas ainda não se cumpriu a travessia evocada por Vargas no célebre discurso do 1º de Maio de 1954, talvez a sua fala mais contundente,mais até que a Carta Testamento deixada tres meses depois:
“A minha tarefa está terminando e a vossa apenas começa. O que já obtivestes ainda não é tudo. Resta ainda conquistar a plenitude dos direitos que vos são devidos e a satisfação das reivindicações impostas pelas necessidades (…) Como cidadãos, a vossa vontade pesará nas urnas. Como classe, podeis imprimir ao vosso sufrágio a força decisória do número. Constituí a maioria. Hoje estais com o governo. Amanhã sereis o governo“
A seta do tempo não se quebrou. Mas estamos diante de uma nova esquina histórica.
A exemplo daquela enfrentada por Getúlio, nos anos 50, a dobra seca está cercada de desafios e potencialidades interligados por uma relação de forças delicada.
Getúlio talvez tenha percebido tarde demais a necessidade de ancorar a travessia econômica em uma efetiva organização política correspondente. Quando atinou, o bonde já havia passado –cheio de golpistas. Mas não só ele demorou a ouvir as advertências da perna econômica da história.
O descasamento tortuoso entre enredo e personagens daquele período pode ser sintetizado no paradoxal comportamento dos comunistas do Partido Comunista Brasileiro.
Em outubro de 1953 Vargas sancionou a lei do monopólio estatal do petróleo.Criou a Petrobrás sob o açoite da mídia.O jornal o ‘Estado de São Paulo’ faria então um editorial emblemático do obscurantismo conservador. O texto vaticinava a irrelevância daquele gesto, dada a incapacidade (congênita?) de um país pobre como o Brasil,asseverava, desenvolver um setor então de ponta, a indústria petroleira.
Era uma tentativa de conservar o país num formol de vantagens comparativas subordinadas à reação interna e ao apetite imperial externo.As semelhanças com a grita demotucana contra a regulação soberana do pré-sal não são mera coincidência.
Em dezembro, Vargas foi além. Atacou a farra das remessas de lucros do capital estrangeiro. No início de 1954 decretou em 10% o limite para as remessas de lucros e dividendos. Sucessivamente, criaria a Eletrobrás e elevaria em 100% o salário mínimo. Novo fogo cerrado de mísseis por parte da mídia e dos interesses contrariados. Lembra muito a reação atual a cada iniciativa do governo Dilma na transição para um novo modelo de desenvolvimento: queda da Selic; aperto no spread da banca; IOF contra o capital especulativo; mudança na regra da poupança –trava ‘popular’ do rentismo; forte incremento dos programas sociais; fomento do BNDES ao setor industrial; PAC; preservação do poder de compra dos salários etc
Em dezembro de 1953, conforme recorda o historiador Augusto Buonicore, o PCB abstraia a realidade e conclamava a resistência a…Vargas. Assim:
“O governo Vargas tudo faz para facilitar a penetração do capital americano em nossa terra, a crescente dominação dos imperialistas norte-americanos e a completa colonização do Brasil pelos Estados Unidos (…): “O povo brasileiro levantar-se-á contra o atual estado de coisas, não admitirá que o governo de Vargas reduza o Brasil a colônia dos Estados Unidos. O atual regime de exploração e opressão a serviço dos imperialistas americanos deve ser destruído e substituído por um novo regime, o regime democrático e popular”.
Isso quando a direita já escalava os muros do Catete e os jornais conservadores escalpelavam a reputação de quem quer que rodeasse o Presidente –e a dele próprio. Por todo o país ecoava o o alarido udenista pela renúncia ou golpe, que Vargas afrontaria com o suicídio, em 24 de agosto de 1954. Só o esquerdismo não ouvia.
Mutati mutandis, trata-se agora de inscrever no Brasil do século XXI uma revolução de infraestrutura e fomento industrial de audácia e desassombro equivalente a que Vargas esboçou há 58 anos.
Foi essa tarefa que Lula retomou no seu segundo governo, e Dilma aprofunda nos dias que correm.
Repita-se, não se trata de uma baldeação técnica.Não se faz isso dissociado de uma relação de forças correspondente. Essa travessia não é um dado da natureza, ela precisa ser construída.
Lula tirou 40 milhões de brasileiros da pobreza. Os novos protagonistas formam hoje a maioria da sociedade. Mas serão sujeitos de sua própria história? Fossem, a coalizão das togas midiáticas e o udenismo demotucano estariam fazendo o que fazem?
Urge que se avance na travessia da relação de forças. Essa é a tarefa que grita nas advertências dos dias que correm; nas investidas cada vez mais desinibidas das últimas horas. Elas não serão revertidas, à esquerda, com uma cegueira histórica equivalente a do PCB em 1953. Mas o governo também não pode mais fechar os olhos para o perigo que ronda a sua porta. Ele não será afrontado com o acanhamento amedrontado diante de palavras como ‘engajamento’, ‘mobilização’ e pluralismo midiático.
Se o que tem sido testado e assacado nas manchetes não é um ensaio para tornar insustentável o governo Dilma até 2014, então somos todos crédulos dos propósitos republicanos do senhor e senhora Gurgel, dos Barbosas & Fux e da escalada midiática que os pauta e ecoa.
Simples coincidência que a orquestra eleve o naipe dos metais exatamente quando solistas como a The Economist disparam setas de fogo contra o ‘excessivo intervencionismo de Dilma’ nos mercados?(Leia aqui: ‘O Brasil perdeu o charme, diz o rentismo’)
A resposta é não. E até para analistas insuspeitos de simpatias petistas, como o professor da FGV, ex-secretário da Fazenda de Mário Covas, Ioshiaki Nakano.(Texto Integral)
*Educaçãopolitica
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