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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, novembro 05, 2014

Aula de história para crianças de 6 anos

Sobre democracia: como uma mãe explicaria para a sua filha o sentido de se protestar em defesa da instauração de uma intervenção militar (e de como crianças de 6 anos são mais sábias que adultos golpistas)

impeachment dilma protesto intervenção militar
Líderes do PSDB, Geraldo Alckmin e Aécio Neves se posicionaram contra manifestantes que pediram “impeachment” de Dilma (Imagem: Pragmatismo Político)
Kika Castro, em seu blog
– Mamãe, por que esse povo todo tá gritando?
– Eles querem que a presidente que foi eleita na semana passada saia e o candidato que perdeu entre no lugar dela.
– Uai, mas se ele perdeu, não pode ganhar, né?
– Não pode mesmo, filhinha. Quando a gente joga um jogo e você perde, tem que aceitar. Tentar ganhar no próximo jogo. Se você força a barra pra ganhar de qualquer jeito, tá roubando.
– Então esse povo aí quer roubar no jogo?
– Mais ou menos isso… Eles pedem até que o Exército ajude a tirar a presidente eleita, pro candidato que perdeu entrar no lugar dela.
– Os soldados?!
– É. Isso a gente chama de “golpe”. Aconteceu isso uma vez, há 50 anos atrás, exatamente. Tinha um presidente eleito chamado Jango. Bom, na verdade, ele era vice-presidente, mas na época os vices também eram eleitos, separadamente, sabe? Aí, quando o presidente renunciou (quis deixar o cargo, por livre e espontânea vontade), o Jango virou presidente. Depois de um tempo, acusado de ser comunista (não vou te explicar o que é isso agora, filhinha), ele foi tirado do poder pelos “soldados”. Antes disso, tinha um povo, igual esses aí, que ficava fazendo marchas pela cidade, que eles chamavam de Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Ficavam falando que o presidente era comunista, que o Brasil ia virar Cuba, que o governo não respeitava os “valores da família” etc. E pediam ajuda ao Exército para tirar o presidente na marra.
– E ele foi tirado?
– Foi. Os caras do Exército começaram a governar o país no lugar dele, e proibiram as eleições, o povo não pôde mais escolher quem governaria o país. E aí começou o que a gente chama de ditadura militar. Foi um período ruim no nosso país e demorou 21 longos anos. As pessoas eram presas, e eles machucavam elas de verdade (muitas vezes até matavam) só porque pediam o fim da ditadura. As pessoas não podiam escrever o que quisessem, até os discos tinham que passar pelos censores antes de serem lançados. Os censores trabalhavam para o governo e decidiam se as ideias das pessoas podiam ser publicadas do jeito que elas queriam ou não. As pessoas também não podiam se manifestar livremente, ir para a rua para fazer marchas e pedidos.
– Uai, mas então esse povo não ia conseguir marchar! Então por que esse povo quer a volta da ditadura hoje, mamãe?
– Por que são loucos! Ou não estudaram história. Se hoje vivêssemos numa ditadura militar, eles jamais poderiam estar aí, fazendo essas passeatas ridículas. Como vivemos em plena democracia, até esses maus perdedores têm liberdade pra sair por aí, pedindo coisas idiotas. Mal sabem eles que, na época da ditadura, além de poderem ser presos e torturados por saírem às ruas desse jeito, eles ainda iam viver numa economia com muito mais problemas que a de hoje, que depois deixou o Brasil quase falido. A educação e a saúde eram ruins e o país já era corrupto. Milhares de inocentes foram mortos.
– Mas por que eles não aceitam que a presidente foi eleita?
– Porque são maus perdedores. Ela foi eleita por poucos votos de diferença, mas foi a maioria do povo que escolheu, ponto. Eles dizem que o governo dela é corrupto e que é uma ditadura, que estamos virando Cuba e que os “valores da família” não estão sendo respeitados, porque ela apoia que quem machuque gays só por serem gays seja preso…
– Uai, mamãe, era a mesma coisa que falavam nas marchas que você citou antes?!
– Isso, a mesma coisa que falavam há 50 anos, contra o presidente Jango. E, depois, deu no que deu…
– Então xeu ver se entendi: esse povo aí reclama que a presidente, que deixa até eles pedirem a saída dela, é uma ditadora. Pra combater a ditadora, eles pedem ajuda do Exército, pra tirar ela à força e colocar um cara que nem foi eleito no lugar dela. E defendem a ditadura, que, se existir de verdade, nem vai deixar que eles saiam por aí fazendo marchas e vai sair machucando e matando as pessoas só por pensarem diferente?!
(É, filhinha, você só tem 6 anos, mas é mais esperta que todos eles juntos!)
Ps.: Já se passaram três dias desde o protesto que reuniu 2.500 pessoas em São Paulo, das quais uma parte pedia intervenção militar para retirada da presidente da República reeleita democraticamente. Dois dos principais líderes do PSDB, Geraldo Alckmin e Aécio Neves repudiaram os pedidos de impeachment contra a presidente Dilma. O músico Lobão, por sua vez, tentou amenizar o tom dos protestos afirmando que “qualquer ditadura é injustificável”.
*pragmatismopolitico

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