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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, março 31, 2015

Conselheiro sinaliza que OAB vai ao Supremo contra redução da maioridade penal

Conselheiro sinaliza que OAB vai ao Supremo contra redução da maioridade penal

Organizações nacionais também estão se posicionando contra a medida, por considerarem que não haverá redução da violência e que o Brasil deve primeiro garantir os direitos previstos no ECA
por Rodrigo Gomes, da RBA 
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ALEX FERREIRA/CÂMARA DOS DEPUTADOS
maioridade
Sessões da CCJ da Câmara têm sido palco de protestos de grupos contrários à redução da maioridade penal
São Paulo – O conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Pedro Paulo de Medeiros disse na quinta-feira (26) que, caso a proposta de redução da maioridade penal de 18 para 16 anos seja aprovada no Congresso Nacional, a entidade vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida. “Diante da posição firme e histórica que o conselho da OAB tem frente às propostas de redução da maioridade penal, não tenha dúvida de que o conselho federal proporia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin)”, afirmou.
A decisão de ingressar com uma ação no STF é do colegiado da ordem. Na última segunda-feira (23), a OAB encaminhou um ofício com manifestação contraria à redução da maioridade penal para todos os deputados federais, reafirmando posicionamento já expressado em outras oportunidades, quanto à ilegalidade da medida. Além da OAB, a Procuradoria-Geral da República, os partidos políticos com representação no Congresso e entidades de classe em nível nacional podem propor Adin.
A OAB argumenta que está implícito na Constituição Federal o princípio da vedação do retrocesso. “Esse princípio caracteriza-se pela impossibilidade de o legislador reduzir os direitos sociais amparados na Constituição, ou que tenham sido positivados em normas infraconstitucionais, garantindo ao cidadão o acúmulo e proteção de seu patrimônio jurídico e a sedimentação da cidadania”, diz um trecho da nota técnica, assinada pelo presidente nacional da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.
Medeiros também esteve presente na audiência pública realizada na terça-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, para debater a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171, de 1993 – de autoria do deputado Benedito Domingos (PP/DF) –, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos, justamente para defender a posição contrária da Ordem.
No entanto, o conselheiro da OAB concorda que, muitas vezes, a aprovação de leis no Congresso Nacional tem um caráter meramente político e despreocupado com a legalidade das propostas. “O controle de constitucionalidade que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) faz é o mínimo do mínimo. Em várias oportunidades, o Supremo Tribunal Federal acaba por declarar leis inconstitucionais”, salientou.
Na manhã de quarta-feira, o presidente da CCJ da Câmara, deputado federal Arthur Lira (PP-AL), decidiu que vai colocar a PEC 171 em pauta como item único em todas as sessões extraordinárias convocadas na próxima semana, até que a admissibilidade do projeto seja votada. A primeira sessão será amanhã (30), às 14h.
“Vai ter tempo para discutir o projeto na comissão especial da Câmara, depois nas duas votações na Câmara, mais a comissão especial no Senado, mais as duas votações”, disse Lira aos deputados que queriam mais tempo para debater a PEC.
Trâmite no Congresso

Se a PEC for considerada legal pela CCJ – admissibilidade – será criada uma comissão especial na Câmara para analisar a proposta. A comissão terá o prazo de 40 sessões do plenário para fazer o trabalho. Depois disso, o projeto tem de passar por duas votações plenárias, em que deve ser aprovado por 3/5 dos parlamentares (308 deputados). Aprovada, a matéria vai para o Senado, onde será analisada pela CCJ da casa e terá de passar por mais duas votações e ser aprovada por 54 senadores. Se o texto for alterado, a PEC volta para a Câmara. O processo só termina quando as duas casas concordarem sobre a redação final da proposta.

Falsos motivos

Para o militante da União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora (Uneafro) Douglas Belchior, os parlamentares pretendem forçar o projeto para conseguir algum avanço na causa da redução da maioridade penal. “A estratégia é clara. Paralelo à PEC 171 tramitam projetos de lei propondo aumentar o tempo de internação. Os deputados favoráveis vão forçar o máximo que puderem e então vão propor o aumento do tempo de internação como uma solução de meio termo”, defendeu.
Belchior defende que os argumentos de aumento da violência dos jovens, de impunidade, não se sustentam e que não é verdade que existe apoio quase unânime à proposta. “O que há é um posicionamento superficial e despolitizado em relação ao tema”, afirmou.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê seis medidas aplicáveis ao menor de 18 anos que comete algum ato infracional – termo utilizado para definir conduta descrita como crime ou contravenção penal: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação. Todas podem ser aplicadas a partir dos 12 anos.
Cada uma das medidas é aplicada de acordo com a gravidade do ato praticado. As quatro primeiras são aplicadas, geralmente, a casos menos graves, em que não houve ato contra a vida de outra pessoa, como furto, roubo e tráfico de drogas, por exemplo.
O adolescente pode ficar até nove anos cumprindo medidas, sendo três em internação, três em semiliberdade e três em liberdade assistida. O que derruba outro mito do ECA, de que aos 18 anos ele deixará a responsabilização. O estatuto prevê que o jovem pode cumprir as medidas até os 21 anos, mas sempre em estabelecimentos adequados a sua condição.
De acordo com dados do Censo do Sistema Único de Assistência Social, elaborado em 2014, o Brasil tinha 108.554 adolescentes cumprindo algum tipo de medida socioeducativa em 2012. O número corresponde a 0,18% dos 60 milhões de brasileiros com menos de 18 anos. Destes, 20.532 (19%) cumpriam medida de internação ou semiliberdade e 88.022 (81%) estavam em prestação de serviço à comunidade ou liberdade assistida.
No entanto, dos 108.554 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas, os atos contra a vida registrados eram: homicídios (9%), latrocínio (2,1%), estupro (1,4%), lesão corporal (0,8%). No total, esses crimes corresponderam a 13,3% do total, índice menor do que o de adolescentes implicados em restrição de liberdade. A prática de roubo respondeu por 38,6% dos casos e o tráfico de drogas, por 27%.
A legislação brasileira trata o adolescente como alguém que vive um período de transformações, o que deve ser considerado na responsabilização. Por isso, a maior parte dos atos deve ser tratada com medida socioeducativa sem restrição de liberdade, com oferta de cursos e garantia do acesso à escola. Mas o sistema socioeducativo nacional e nos estados ainda não conseguiu universalizar as parcerias para garantir o atendimento de todos os adolescentes.
Os Centros de Referência Especializados em Assistência Social (Creas), estatais, são responsáveis pelo atendimento de aproximadamente 90% dos adolescentes em medida socioeducativa. Mas 14,6% deles não têm parcerias com escolas. Outros 55,6% não conseguem parcerias para profissionalização dos jovens e 59,6% não têm parceiros com atividades culturais. “O problema é que o Estado brasileiro e os governos estaduais nunca se empenharam em transformar o texto do ECA em realidade”, afirmou Belchior.

'Confusão gigantesca'

Outro ponto questionado pelos contrários a redução da maioridade penal é a ideia de que no resto do mundo crianças e adolescentes são punidos severamente e no Brasil reina a impunidade. “Existe uma confusão gigantesca entre responsabilidade penal e maioridade penal. No Brasil, a responsabilidade se dá a partir dos 12 anos. No mundo, somos um dos países que responsabiliza mais cedo e o ECA é internacionalmente reconhecido como uma das melhores legislações do planeta”, explicou Belchior.
Segundo dados do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente do Ministério Público Estadual do Paraná, o Brasil tem um dos sistemas de responsabilização mais rígido entre 53 países.
Na Alemanha, na Áustria, na Itália e no Japão, por exemplo, a responsabilização se inicia aos 14 anos. E a idade penal, aos 21. Entre 18 e 21 anos, existe um sistema chamado “jovens adultos”, que atenua e diferencia a punição para a prática de crimes. Na Inglaterra, onde a responsabilidade é aplicada a partir dos 10 anos, a criança ou adolescente não pode ter a liberdade restringida até os 15. E a Justiça inglesa também possui o sistema de “jovens adultos”.
No Canadá, o adolescente de 14 anos pode ser punido como adulto em casos de crimes graves. E nos Estados Unidos, país signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU, a idade mínima é 10 anos.
Maioridade Penal

Posicionamentos

Na última segunda-feira, a Rede Evangélica Nacional de Ação Social (Renas) conclamou os parlamentares, especialmente os que se declaram evangélicos, a se posicionarem contra a redução da maioridade penal e se envolverem na efetivação do ECA e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). “Nossos parlamentares e a sociedade em geral estaremos sendo hipócritas ao propor a redução da idade penal enquanto não garantirmos todas as oportunidades de desenvolvimento para as nossas crianças e adolescentes”, defendeu a entidade, em nota.
Também na segunda, o Núcleo Especializado de Infância e Juventude da Defensoria Pública de São Pauloenviou uma nota técnica a todos os deputados federais manifestando-se contra a PEC 171 e todas as demais propostas no mesmo sentido. O documento ressalta que outras medidas de endurecimento do sistema penal adotadas no passado se mostraram ineficientes para reduzir a criminalidade e garantir segurança à população.
Utilizando uma pesquisa do Ministério da Justiça, o núcleo destaca que a aprovação de leis sob forte clamor social, vista como esperança de imediata redução dos índices de criminalidade, é ineficaz. A promulgação da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n.º 8.072/1990) tinha este apelo. No entanto, a população carcerária no Brasil aumentou de 148 mil presos para 361.402, entre 1995 e 2005. O crescimento de 143,91%. “O que demonstra a incapacidade do sistema penal para, sozinho, garantir à população a tão almejada segurança pública”, diz um trecho do documento.
Na última terça-feira, o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Técio Lins e Silva, enviou ao presidentes da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o da CCJ, Arthur Lira, parecer elaborado pelo jurista Evandro Lins e Silva, em 1995, contrário à proposta de redução da maioridade penal que voltou à pauta. O instituto também encaminhou aos parlamentares outros pareceres contrários à medida produzidos pelas Comissões de Direito Penal e Constitucional.

No ofício, o presidente do IAB defende que a diminuição da idade penal “inviabilizaria o sistema de Justiça Penal e não iria solucionar, minimamente, as questões de segurança pública”. No parecer de 1995, Lins e Silva afirmou que “a proposta viola a Constituição Federal” e já defendia que “antecipar para 16 anos a imputabilidade penal é abreviar a corrupção, o aviltamento e a degradação do menor, fazendo-o ingressar mais cedo nas escolas de crimes que são as nossas penitenciárias”.
Além destes, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Cáritas brasileira, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP-SP), o Conselho Federal de Psicologia (CFP), o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF), a Associação dos Juízes pela Democracia (AJD) e a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), movimentos sociais, sindicatos e ONGs também já se manifestaram contra a proposta de reduzir a maioridade penal para 16 anos.
*RBA

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