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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, março 28, 2015


REGIMÁLIA

by Zé Celso
Coro de Pra dar um fim no juízo de deus, em cartaz nesse momento no Teat(r)o Oficina. Foto Márcio Moraes.
Coro de Pra dar um fim no juízo de deus, em cartaz nesse momento no Teat(r)o Oficina. Foto Márcio Moraes.
Ressurgiu esta palavra em minha mente quando escrevi um texto para um Livro sobre José Wilker, de autoria de Marcelo Laffitte.
regimália - palavra q o diretor argentino Victor García trouxe pra gíria do teatro brasileiro dos anos 60, sinônimo de “os porra loucas". Era como os Artistas do Partidão (P.C.) chamavam a geração de jovens possuídos em seus Corpos - Ne
o Pagãos, pela revolução internacional do "aqui agora" de 1968. Assim, “porra loucas” eram, por exemplo, os Coros de "Roda Viva". Não era uma questão ideológica, mas uma concreta e maravilhosa emersão de uma contradição enriquecedora e nova, não só no Teatro Brasileiro, mas Mundial: o ressurgimento, depois de milênios, dos Coros da Tragédia Grega. Os do Partidão opunham os “regimales” aos "Representativos", isto é, aos artistas de teatro com repercussão na mídia mesmo nos anos da Ditadura Militar. Os "Representativos" eram celebridades, mas não no sentido desta palavra hoje, pois eram pessoas reconhecidas, muito talentosas, politizadas e adoradas, mas temerosas da revolução que muitos Grupos do Poder Jovem traziam para o Teatro no Brasil, desconhecendo as fronteiras Arte&Vida, Palco&Plateia. Corpos de Atuadores rompendo a 4ª Parede, tocando nos Corpos do Público como no Carnaval, no Candomblé... Quando “Roda Viva” foi atacada pelo CCC (Comando de Caça aos Comunistas), Cacilda Becker superou esta divisão da Classe Teatral declarando na TV Tupy : “Todos os Teatros são meus Teatros”. Vitor Garcia não via um sentido pejorativo em “regimales”, pois trabalhou com muitos “porra loucas” na sua montagem de “Cemitério de Automóveis”, de Arrabal.
Zé Celso

Artaud e Zé Celso, dois momos heresiarcas

by Zé Celso
Matéria publicada em 27/03/2015 no site da Revista Cult, por Welington Andrade:
“Artaud dizia que se uma época se desinteressa do teatro é porque ele não a representa mais. O teatro de Zé Celso sempre interessou a sua época, sempre a representou. Não somente porque ele sempre aplicou o primário ‘princípio da atualidade’ (que consiste, por exemplo, em colocar o Brasil de 1963 numa peça russa de 1902), mas sobretudo porque, bem mais profundamente, ele sempre situou essa atualidade para além dos acontecimentos, num jogo de tensões capaz de traduzir a vida do seu ponto de vista universal, imenso e livre”.
Ana Helena Camargo de Staal,
Primeiro ato: cadernos, depoimentos, entrevistas (1958-1974).
A atriz Camila Mota em cena de "Pra dar um fim no juízo de Deus". foto Jennifer Glass.
A atriz Camila Mota em cena de "Pra dar um fim no juízo de Deus". foto Jennifer Glass.
Pela segunda vez em menos de vinte anos, o diretor José Celso Martinez Corrêa e o elenco do Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona abrem as portas do Bixiga para que Antonin Artaud (1896-1948) – vindo não se sabe bem de onde, talvez do asilo de Rodez ou da sede da Radiodifusão Francesa, talvez ainda da Paris feérica da primeira metade do século XX de cuja cena cultural foi um notável errante ou mais simplesmente de sua Marselha natal – saúde o povo de São Paulo e peça passagem. O criador do teatro da crueldade, segundo mostra Zé Celso, está mais louco do que nunca, quer dizer, mais momo do que nunca. Em ambos os casos, não custa nada lembrar, mais poeta do que nunca.
Pra dar um fim no juízo de deus é o nome da peça radiofônica que Fernand Pouey convidou Artaud a conceber, em novembro de 1947, como um quadro do programa A voz dos poetas. A experiência consistiu na articulação de quatro textos, três que já estavam escritos – “Tutuguri, o rito do sol negro”, “A busca da fecalidade” e “A questão se coloca em” –, e uma introdução geral que Artaud escreveu especialmente para a ocasião, com cujo título, inclusive, a iniciativa foi batizada. Gravada entre 22 e 29 de novembro daquele ano, a peça contou com as participações de Maria Casarès, Paule Thévenin e Roger Blin, além do próprio autor, e seria transmitida publicamente em 2 de fevereiro de 1948.
Seria, não fosse o fato de o diretor da Radiodifusão Francesa, Vladimir Porché, ter se assustado com a “obscenidade” dos textos a ponto de interditar a veiculação do trabalho na emissora. Passados alguns dias nos quais personalidades do mundo artístico e jornalistas foram chamados a debater se a obra deveria ser liberada ou não, Pouey chegou a uma solução intermediária, organizando, em 23 de fevereiro, uma transmissão privada da gravação, somente para convidados, no cinema Le Washington – o que naturalmente deixou Artaud, pouquíssimos dias antes de sua morte, em 4 de março de 1948, bastante desolado. (Vale lembrar que, embora o texto tenha sido publicado já no ano da proibição do programa, somente em 1973 este seria transmitido pelo rádio).
Às vésperas de completar sete décadas de existência, Para dar um fim no juízo de deus transforma-se novamente pelas mãos de Zé Celso e do Oficina (a primeira montagem data de 1996) em um ritual mágico, disposto a impelir o espectador a um “estado de vida poética”, cuja poesia – contrariando o mais equivocado dos lirismos – é, a um só tempo, “negra e radiosa”, como desejava o autor de Heliogábalo.
Leia a matéria completa no Portal da Revista Cult

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