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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, outubro 28, 2010

Jornalista é demitido por fazer matéria sobre marxismo

Jornalista é demitido por fazer matéria sobre marxismo




 

O jornal Diário do Nordeste demitiu, dia 18 de outubro, o jornalista Dawton Moura, por ter escrito e editado matéria no Caderno 3 sobre as revoluções marxistas que marcaram os séculos XIX e XX. O caderno especial, de seis páginas, foi considerado pela direção da empresa "panfletário" e "subversivo", além de "inoportuno ao momento atual". Tendo, entre outras fontes, o filósofo Michael Löwi, que estaria em Fortaleza para lançar o livro "Revoluções"
No momento em que a grande mídia distorce e critica o projeto de indicação aprovado na Assembleia Legislativa do Ceará, que propõe a criação do Conselho Estadual de Comunicação - sob a alegação de que vai "cercear a liberdade de expressão" -, o jornal Diário do Nordeste demitiu de forma arbitrária, no último dia 18 de outubro, o jornalista Dawton Moura, por ter escrito e editado matéria no Caderno 3 sobre as revoluções marxistas que marcaram os séculos XIX e XX.

O caderno especial, de seis páginas, foi considerado pela direção da empresa "panfletário" e "subversivo", além de "inoportuno ao momento atual". Tendo, entre outras fontes, o filósofo Michael Löwi, que estaria em Fortaleza para lançar o livro "Revoluções" (com imagens que marcaram os movimentos contestatórios decisivos para a história dos últimos dois séculos), a matéria foi pautada pelo editor-chefe do jornal, Ildefonso Rodrigues, tendo sido sugerida pela historiadora e professora Adelaide Gonçalves, da Universidade Federal do Ceará (UFC). No entanto, ao comunicar a demissão do jornalista, o editor-chefe se limitou a dizer que "não sabia o conteúdo da reportagem até vê-la publicada".

O caso do jornalista Dawton Moura não se trata de demissão por delito de opinião, pois ele não emitiu, em qualquer momento, juízo de valor sobre o conteúdo da pauta. Perdeu o emprego muito menos por incompetência ou negligência na sua função. Ironicamente, o trabalhador foi dispensado simplesmente por cumprir uma pauta que, depois de publicada, percebeu-se ser contra os interesses da empresa. A direção do jornal não pode alegar, no entanto, que desconhecia o conteúdo da matéria, pois além de ter sido pautado pelo editor-chefe, o assunto foi relatado em, pelo menos, quatro reuniões de pauta que antecederam sua publicação.

A demissão do então editor do Caderno 3 expõe o abismo entre o discurso da grande mídia conservadora, que se diz ameaçada em sua liberdade de expressão - inclusive atacando com este falso argumento o projeto do Conselho de Comunicação do Estado -, e suas práticas cotidianas, restritivas ao exercício profissional dos jornalistas, bem como à livre opinião de colaboradores e leitores.

"O Sindicato dos Jornalistas do Ceará protesta contra esta demissão arbitrária e mantém sua luta pela verdadeira liberdade de expressão para os jornalistas e para todos os brasileiros, manifestada em projetos como o do Conselho de Comunicação", afirma o presidente do Sindjorce, Claylson Martins




Robert Fisk: A vergonha dos Estados Unidos exposta

Roberto Fisk no Vermelho

 

Como de costume, os árabes sabiam. Eles sabiam tudo sobre as tortura em massa, o promíscuo tiroteio de civis, o escandaloso uso do poder aéreo contra casas de famílias, os cruéis mercenários norte-americanos e britânicos, os cemitérios de mortos inocentes. Todo o Iraque sabia. Porque eles eram as vítimas.

Só nós poderíamos fingir que não sabíamos. Somente nós, no Ocidente, poderíamos rechaçar cada acusação, cada afirmação contra os norte-americanos ou britânicos, colocando algum digno general - vêm à mente o pavoroso porta-voz militar dos EUA, Mark Kimmitt, e o terrível chefe do Estado Maior, Peter Pace - a nos cercar de mentiras.

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Se encontrávamos um homem que tinha sido torturado, nos diziam que era a propaganda terrorista; se descobríamos uma casa cheia de crianças mortas em um ataque aéreo dos EUA, também era propaganda terrorista, ou dano colateral, ou uma simples frase: Nós não temos nenhuma informação sobre isso.

Claro, nós sempre soubemos que eles tinham sim. E o oceano de memorandos militares que foi revelado no sábado voltou a demonstrar. A Al Jazeera tem chegado a extremos para rastrear as famílias iraquianas cujos homens e mulheres foram mortos em postos de controle estadunidenses - eu identifiquei alguns porque relatei, em 2004, o carro cravado de balas, os dois jornalistas mortos, até o nome do capitão local estadunidense - e foi o The Independent on Sunday o primeiro a alertar o mundo sobre as hordas de pistoleiros indisciplinados que eram levados a Bagdá para proteger os diplomatas e generais. Estes mercenários, que abriram caminho assassinando nas cidades do Iraque, me insultaram quando lhes disse que estava escrevendo sobre eles, em 2003.

É sempre tentador ignorar uma história dizendo que não há nada de novo. A ideia da história antiga é usada pelos governos para esfriar o interesse jornalístico, pois serve para cobrir a inatividade jornalística. E é verdade que os repórteres já tinham visto antes algo assim. A evidência de envolvimento iraniano na fabricação de bombas no sul do Iraque foi vazada pelo Pentágono para Michael Gordon, do New York Times, em fevereiro de 2007.

A matéria-prima, que agora podemos ler, é muito mais duvidosa do que a versão produzida pelo Pentágono. Em todo o Iraque havia material militar iraniano da guerra Irã-Iraque de 1980-1988, e a maioria dos ataques aos americanos foram realizados nesta fase por insurgentes sunitas.

De fato, os relatórios que sugerem que a Síria permitiu que insurgentes atravessassem seu território estão corretos. Eu falei com famílias de atacantes suicidas palestinos, cujos filhos vieram para o Iraque, a partir do Líbano, por meio da aldeia libanesa de Majdal e, depois, pela cidade nortenha síria de Alepo, para atacar americanos.

Mas, ainda que escrita em concisa linguagem militar, aqui está a evidência da vergonha estadunidense. É um material que pode ser usado por advogados em tribunal. Se 66.081 - me encantou esse 81 - é o número mais alto disponível de civis mortos, então, a cifra real é infinitamente maior, uma vez que este registro só se aplica para os civis dos quais os EUA tinham informações.

Alguns foram levados para o necrotério de Bagdá na minha presença, e foi o oficial a cargo que me disse que o Ministério da Saúde iraquiano tinha proibido os médicos de realizar autópsias dos civis levados por soldados dos EUA. Por que foi dada esta ordem? Teria algo a ver com os 1300 relatórios independentes dos EUA sobre a tortura nas instalações policiais iraquianas?

Os americanos não tiveram melhores resultados da última vez. No Kuwait, as tropas dos EUA podiam ouvir como os kuwaitianos torturavam palestinos nos quartéis de polícia depois que a cidade foi libertada das legiões de Saddam Hussein, em 1991. Até mesmo um membro da família real kuwaitiana participou de atos de tortura.

Os estadunidenses não intervieram e se limitaram somente a queixar-se à família real. Aos soldados sempre dizem que não intervenham. Depois de tudo, o que disseram ao tenente do Exército israelense, Avi Grabovsky, quando ele informou ao seu superior, em setembro de 1982, que falangistas aliados de Israel acabavam de matar mulheres e crianças? Nós já sabemos, nós não gostamos, não intervenha. Isso foi durante o massacre no campo de refugiados de Sabra e Chatila.

A citação vem do relatório da Comissão Kahan de Israel em 1983; sabe Deus o que leríamos, se Wikileaks conseguisse pôr as mãos nos arquivos do Ministério da Defesa de Israel (ou a versão síria, para o caso). Mas, é claro, naqueles dias, não sabíamos como usar um computador, muito menos escrever nele. E isso, naturalmente, é uma das lições importantes de todo o fenômeno Wikileaks.

Na Primeira Guerra Mundial, na segunda, ou no Vietnã, a pessoa escrevia seus informes militares em papel. Talvez os apresentasse triplicado, mas poderia enumerar as cópias, rastrear qualquer espionagem e evitar vazamentos. Os documentos do Pentágono estavam realmente escritos em papel. Mas o papel sempre se pode destruir, molhar, despedaçar até a última cópia.

Por exemplo, depois da guerra de 1914-1918, um segundo tenente Inglês matou um dos trabalhadores chineses que haviam saqueado um comboio militar francês. O chinês tinha ameaçado com uma faca ao soldado. Mas, durante o registro de 1930, o expediente dos soldados britânicos foi censurado três vezes, fato pelo qual não ficou do incidente maior rastro que um diário de guerra de um regimento que relatava o roubo, pelo chineses, do trem francês de suprimentos. A única razão pela qual eu estou ciente dessa morte é porque meu pai era o tenente britânico, e ele me contou a história antes de morrer. Naquele tempo não havia Wikileaks.

No entanto, suspeito que esta grande revelação de material da guerra no Iraque tem implicações sérias para jornalistas e exércitos também. Qual é o futuro dos Seymour Hershes e do jornalismo investigativo da velha escola, que o diário Sunday Times costumava praticar? Que sentido tem enviar equipes de jornalistas para investigar crimes de guerra e reunir-se com gargantas profundas militares se, de repente, quase meio milhão de documentos secretos vão acabar flutuando na frente de alguém em um monitor?

Nós ainda não atingimos o fundo da história da Wikileaks, e suspeito que há mais do que alguns soldados americanos envolvidos nesta última revelação. Quem sabe se não chega ao topo? Em suas investigações, por exemplo, a Al Jazeera encontrou um extrato de uma conferência de imprensa de rotina do Pentágono, em novembro de 2005.

Peter Pace, o nada inspirador chefe do Estado Maior conjunto, informa aos repórteres como os soldados deveriam reagir ante o tratamento cruel de prisioneiros, assinalando com orgulho que o dever de um soldado americano é intervir se observar sinais de tortura.

Em seguida, a câmera se move até a figura muito mais sinistra do secretário de Defesa Donald Rumsfeld, que, de repente, interrompe quase num sussurro, para desespero de Pace: Eu não creio que queira o senhor dizer que os soldados são obrigados a interrompê-la fisicamente. Seu dever é denunciá-la.

Desde então, o significado desse comentário - enigmaticamente sádico à sua própria maneira - se perdeu nos diários. Mas agora o memorando secreto Frago 242 lança mais luz sobre essa conferência de imprensa. Presumivelmente enviada pelo general Ricardo Sanchez, a instrução aos soldados é: Supondo que a denúncia inicial confirme que as forças dos EUA não estavam envolvidas no abuso de prisioneiros, não se realizará maior investigação, a menos que o ordene o alto comando.

Abu Ghraib aconteceu sob a supervisão de Sanchez no Iraque. Sanchez também foi, claro, quem não pôde explicar-me, durante uma conferência de imprensa, por que seus homens mataram os filhos de Saddam Hussein em um tiroteio em Mosul, ao invés de capturá-los.

A mensagem de Sanchez, ao que parece, deve ter tido a aprovação de Rumsfeld. Da mesma forma, o general David Petraeus, tão amado pelos jornalistas norte-americanos, teria sido responsável pelo aumento dramático dos ataques aéreos dos EUA no decurso de dois anos: de 229 sobre o Iraque, em 2006, para 447 mil, em 2007. Curiosamente, os ataques aéreos dos EUA no Afeganistão aumentaram 172% desde que Petraeus assumiu o comando militar.

Tudo isso torna ainda mais surpreendente que o Pentágono agora rasgue as vestimentas porque Wikileaks poderia ter sangue nas mãos. O Pentágono tem estado manchado de sangue desde que deixou cair uma bomba atômica sobre Hiroshima em 1945, e, para uma instituição que ordenou a invasão ilegal do Iraque em 2003 - acaso o número de civis mortos não foi ali de 66 mil, de acordo com suas próprias contas, de uns 109 mil registrados? - é ridículo afirmar que Wikileaks é culpado de assassinato.

A verdade, claro, é que se este vasto tesouro de relatórios secretos tivesse demonstrado que o número de mortos era muito menor do que o que a imprensa proclamava, que as tropas dos EUA nunca toleraram a tortura pela polícia iraquiana, que raramente dispararam contra civis nos postos de controle e sempre levaram os assassinos mercenários à justiça, os generais americanos teriam entregado esses registros para a mídia, sem qualquer encargo, nas escadarias do Pentágono. Não só estão furiosos por terem quebrado o sigilo ou porque se tenha derramado sangue, mas porque eles foram pegos dizendo mentiras que nós sempre soubemos que diziam.

Fonte: The Independent

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