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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, junho 16, 2012


Com o povo grego contra a troika

Do Esquerda.Net 


Portugal- A Casa do Alentejo  encheu para a conferência/debate "Com o povo grego contra a troika", realizada pelo Bloco de Esquerda que convidou representantes de outros partidos europeus para partilharem a realidade social e económica vivida nos seus países.
Veja o vídeo!




Leia também: “Na Grécia, vamos enfrentar uma batalha brutal”

A sessão “Com o povo grego, contra a troika” foi dirigida pela eurodeputada Marisa Matias e encheu o salão da Casa do Alentejo nesta sexta feira à noite.

Na sessão, intervieram Younos Omarjee da Front de Gauche de França, Jürgen Klute do Die Linke da Alemanha, Trevor Ó Clochartaigh do Sinn Féin da Irlanda, além de Loudovikos Kotsonopoulos da Syriza, de Manuel Carvalho da Silva e de Luís Fazenda.

Younos Omarjee da Front de Gauche falou do balanço “catastrófico” das intervenções das políticas da União Europeia (UE) e do FMI, elogiou a luta do povo grego e a sua “resistência sem igual” e condenou as intervenções dos governantes europeus, destacando que o novo presidente francês, François Hollande, “teve ontem um discurso [sobre a Grécia] assente na chantagem”.

Jürgen Klute denunciou os discursos dos governantes do norte da Europa e da Alemanha, afirmando que “não há transferência nenhuma [de riqueza] do Norte para o Sul da Europa, mas sim em sentido contrário”. Recordou que as dívidas não começaram por ser dos Estados, mas foram em primeiro lugar dos bancos, que “a dívida começou por ser do setor privado” e que é necessário “exigir à banca que contribua para resolver a crise”. O representante do Die Linke denunciou também que a Grécia é o maior consumidor da indústria militar alemã e o segundo da indústria francesa do armamento e que “Merkel e Sarkozy exigiram que Papandreou cumprisse os contratos [de armamento] com a Alemanha e a França”.

Trevor Ó Clochartaigh relatou as difíceis condições que o povo irlandês está a viver e referiu que os resultados do referendo ao pacto orçamental na Irlanda, em que o “sim” ganhou com 60% contra 40% do “não”, foi uma vitória do medo, perante a chantagem de que “deixará de haver dinheiro nos bancos”, “deixarão de haver postos de trabalho”. O representante do Sinn Féin frisou que, no entanto, as forças que apoiavam o “não” tiveram no máximo 20% nas últimas eleições e o “não obteve 40%, considerando que “quem não votou é quem mais sofre” e formulou o desejo que os “cidadãos gregos não sejam atingidos pelo mesmo problema do medo” no próximo domingo.

Loudovikos Kotsonopoulos da Syriza começou por afirmar que “é muito confortável saber que não estamos sós”. Questionou como pôde a Syriza estar no centro dos resultados eleitorais em pouco tempo, considerando que a “crise económica se transformou numa crise política”. Sobre esta evolução apontou cinco fases: 1 – erupção da crise económica, 2 – “crise da gestão pela troika”, 3 – “o processo de gestão que se traduziu num fracasso”, 4 – o fracasso da “coligação técnica” como “escudo político” dos dois partidos dominantes, 5 - “as pessoas tentaram uma representação política alternativa”. Referindo que todas as forças dominantes, externas e internas, estão focalizadas na Syriza, considerou que “estamos perante uma grande batalha”, uma “luta em defesa dos valores da justiça, da liberdade, da igualdade e da dignidade humana” e que espera que “a estrela vermelha do socialismo democrático possa iluminar o nosso continente mais uma vez”.

Carvalho da Silva denunciou que “mais uma vez de forma ignóbil o direito do trabalho é posto no banco dos réus”, que a “revisão da legislação de trabalho que está em curso visa também matar a esperança de salários dignos e de estabilidade laboral para os mais jovens”, destacando que o “direito do trabalho sustentado em regras de mercado e em relações de trabalho individualizadas é uma fraude”.


“Há um fantasma que percorre toda a Europa é o de uma alternativa de esquerda". Foto Esquerda.net

O ex-secretário geral da CGTP considerou que “os resgates das periferias mais não são do que um saque organizado dos acionistas dos bancos alemães e outros, isto é dos verdadeiros irresponsáveis que não se cansam de apontar o dedo para a irresponsabilidade alheia”. Sublinhando que “o roubo organizado e o caminho para o abismo prosseguem e que é preciso agirmos”, frisou que “o projeto para que os trabalhadores e os povos foram mobilizados está definitivamente posto em causa”. “A coesão económica e social, a evolução social no progresso, o respeito pela soberania e a cultura dos povos, a dimensão social do mercado interno tornaram-se expressões carentes de sentido”, disse.

Carvalho da Silva afirmou ainda que “seguramente não teremos saídas dos atuais bloqueios com caminhos traçados por aqueles que nos conduziram e nos conduzem para o desastre quer na União Europeia quer nos diversos países e em concreto em Portugal”. “Acho que estamos todos conscientes que no plano nacional não serão Passos Coelho, Relvas e Gaspar com os orientadores Borges e companhia que nos vão apontar soluções para os problemas com que nos deparamos”, disse, acrescentando que “também não haverá saídas pelas mãos daqueles membros do Partido Socialista que já só pensam na alternância que o desgaste calmo do Governo lhes há-de propiciar”. E, explicando que aceitou o convite do Bloco de Esquerda para participar nesta sessão porque “o povo português está a sofrer” e “é preciso agir”, frisou que “há muita luta social e política” a travar e que “temos que forçar a construção de denominadores comuns que sejam uma resposta para este sofrimento” do povo.

Por fim, Luís Fazenda começou por afirmar que “somos todos gregos” e salientou: “Há um fantasma que percorre toda a Europa é o de uma alternativa de esquerda, que não quer abandonar o euro mas que quer o predomínio de uma política progressiva sem austeridade, quer rejeitar os memorandos, as troikas, as imposições, as amputações da democracia.”.

Luís Fazenda lembrou que “há um ano havia um país resgatado e outro a ser resgatado agora há cinco”, que antes “era a crise dos PIGS, agora é a crise do euro”, considerou que “é necessária uma resposta fiscal, mas não chega devido aos off-shores”, que “não basta tentarmos encontrar medidas de mera regulação do capitalismo financeiro”, mas que é preciso “um polo público financeiro, a nacionalização do essencial da banca privada”. “Se não houver essa nacionalização haverá jogo do gato e do rato, meter o leão na jaula é a nacionalização do essencial da banca privada”, disse, acrescentando que “a direita quer liquidar o Estado Social, a nossa perspetiva é a inversa, o que exige controlar o poder económico e meios para o Estado Social”.

A concluir, o líder parlamentar do Bloco de Esquerda, considerando que “é necessário não ter posições sectárias” e que “é necessário encontrar as mais vastas alianças para derrotar um inimigo poderoso”, declarou que “é preciso também neste momento que os vários setores à esquerda discutam os programas e as alternativas políticas”, frisando que “não nos podemos iludir novamente com terceiras vias que não resolvem coisa alguma e apenas mantêm o stato quo cada vez mais degradado, mais deteriorado”. Luís Fazenda sublinhou ainda que “uma esquerda europeia, pese ainda as suas insuficiências e dificuldades, é hoje uma realidade” e que “este é um ponto a favor da alternativa, que não é do isolamento nacional mas uma alternativa que tem de medrar na Europa”.

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