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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, junho 16, 2012


Uma tarde no bairro controlado pelos neonazistas em Atenas


Os brutamontes da extrema-direita da Aurora Dourada se encarregaram de semear a ordem segundo seus costumes : zero imigração africana ou magrebina, zero moradores de rua, zero pichações. Não voa uma mosca sem que eles cortem suas asas. Seu reinado se estende desde a Praça Ática até Agios Panteleimonas. A Aurora Dourada fez de Agios Panteleimonas seu trampolim de conquista. Irrompeu no bairro em 2009 e em 2012 já obteve o melhor resultado eleitoral de sua história (15%). O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Atenas.

Atenas - O crepúsculo está em calma. A Aurora Dourada vela pela ordem nesta área central de Atenas onde não restou nem um imigrante nem um indigente das redondezas. A extrema direita grega e seus brutamontes de poucas palavras fizeram do bairro de Agios Panteleimonas (a igreja ortodoxa) seu sítio privado. « É preciso colocar minas terrestres nas fronteiras para que os imigrantes não entrem », diz um tipo enorme que não dá seu nome porque não quer. Mas diz sem rodeios : « tem cara de esquerdista, como teu governo », diz em tom de ameaça.

Houve uma época em que este perímetro de Atenas era um bairro popular, com crianças que jogavam nas ruas e garantiam uma barulhenta desordem. Já não é mais assim. Os brutamontes da extrema-direita da Aurora Dourada se encarregaram de semear a ordem segundo seus costumes : zero imigração africana ou magrebina, zero moradores de rua, zero pichações. Não voa uma mosca sem que eles cortem suas asas.

Seu reinado se estende desde a Praça Ática até Agios Panteleimonas. O número 52 da rua Aristomenus ainda carrega as marcas da ação da Aurora Dourada. Em 2010, os valentões do partido de Nikos Michaloliakos queimaram o local onde os imigrantes muçulmanos vinham rezar. A polícia não abriu nenhuma investigação e nenhum vizinho protestou. Esta é a terra da Aurora. Terra grega, como demonstra o ondulante silêncio das bandeiras com as cores nacionais que tremulam nas sacadas.

A Aurora Dourada obteve nas eleições de maio passado seu melhor resultado : 15% dos votos, o dobro. « Tenham medo, já chegamos », disse Nikos Michaloliakos no dia seguinte. A metodologia dos músculos deu seus frutos. A Aurora Dourada fez de Agios Panteleimonas seu trampolim de conquista. Irrompeu no bairro em 2009 e em 2012 já conseguiu o melhor resultado eleitoral de sua história. Os estrangeiros que ocupavam a zona ou dormiam na esplanada da igreja foram expulsos a golpes. Imigrantes, judeus, maçons, todos são inimigos da nação para este partido fundado por Michaloliakos nos anos 80, logo depois de ter saído da prisão onde cumpriu uma pena (várias na realidade) por atividades subversivas e violência. De modo similar a outros movimentos europeus de ultra-direita, a Aurora Dourada cresceu sob o tema da imigração.

Em frente da igreja Agios Panteleimonas há um bar de onde os agentes da Alba vigiam a praça. É o seu reino. Os ultras chegaram a ordenar até o fechamento da praça de esportes de Agios Panteleimonas. Por quê ? « Vê-se que você não vive aqui, por isso pergunta essas coisas : porque os negros e os romenos sujos vinham dormir aqui e sujar a praça », disse Kostas, um morador local com claras simpatias pela Alba. A polícia do bairro não interviu. Ela depositou a autoridade nas mãos dos neonazistas. A Grécia tem uma população de 11 milhões de habitantes e há um milhão de imigrantes. Um de cada quatro policiais votou pela Aurora Dourada nas últimas eleições.

Tudo aconteceu muito rápido para os gregos. Em apenas uma década : o euro, a falsa riqueza, os créditos fáceis, a imigração, a crise e o abismo. Muitos analistas e militantes anti-racistas pensam que o voto a favor dos neonazistas reflete o medo e a incompreensão, muito mais do que uma ideologia.

Como em todas as partes, Áttica e Agios Panteleimonas têm um anjo : Thanassis Kurkulas, responsável por uma ONG que luta contra o racismo instalada no bairro há cinco anos, Deport Racism. Kurkulas reconhece o perigo que representaria a Aurora Dourada repetir neste domingo os votos de maio passado e ingressar no Parlamento (o que surgiu em 6 de maio nunca se reuniu pelo fracasso em constituir uma maioria de governo). Mas também reconhece que « o imã dos neonazistas é forte : falam contra a Comissão de Bruxelas e contra os imigrantes e isso atrai votos, mas não são votos realmente ideológicos ». A situação é psicodélica : Atenas tem um bairro inteiro onde a autoridade pública, a segurança, é assumida por um partido político e não pelas forças da ordem. Polícia ideológica, sem controle algum. A exibição de músculos dos « agentes » da Aurora Dourada mostra que bem que não se trata de uma encenação ou aparência. Eles pegam, Maltratam. Insultam. Agridem. Estado débil, milícia forte.

Os vizinhos de Attica ou de Agios Panteleimonas que não aprovam esses métodos têm demasiado medo para intervir. « Seja como for, é inútil. Há uma clara cumplicidade do Estado », diz Vassilis, um morador da rua Aristomenus. O homem recorda que só uma das centenas de agressões ocorridas nos últimos anos deu lugar a um processo. Silêncio. « A delegacia do bairro não tem nem como pagar a luz. Se não estivéssemos nas ruas, isso seria pior que o inferno », diz Kostas.

As histórias se cruzam nestas ruas com extrema violência. A Grécia padeceu ao extremo sob as garras do nazismo mas hoje vota em mais de 7% em um partido abertamente neonazista. A extrema-direita se alimenta da crise. Em 2010, quando a Grécia já estava em um precipício, Nikos Michaloliakos ganhou um posto de conselheiro municipal de Atenas. Um ano mais trade foi filmado fazendo a saudação nazista, o que lhe valeu o apelido de « Führer ». Ninguém sabe ao certo se as reivindicações de Hitler na televisão ou os excessos cometidos pelos dirigentes da Aurora Dourada depois do resultado de maio passado incrementaram ou, pelo contrário, baixaram seu caudal de votos.

Dimitir Psarras, um respeitado jornalista grego especialista no tema da extrema-direita – ele vive, aliás, no bairro dos extremistas – lembra que « parece não haver vacina contra o passado ». No essencial, Psarras constata que, como em outros países do Velho Continente, o esquecimento apagou o rosto dos neonazistas para instalá-los no presente com o estatuto de atores políticos determinantes. Dimitri Psarras conhece bem o tema. É autor de uma biografia de Georgios Karatzaferis, o líder de outro partido de extrema direita, LAOS, e há alguns anos revelou como uma juíza da Corte Suprema alimentava um blog violentamente antisemita com um pseudônimo. Segundo Psarras, a extrema-direita faz pesar uma espada de Damocles sobre as sociedades : « com eles sempre se corre o mesmo perigo ». Despertam e alimentam os piores instintos. Além disso, obrigam os demais partidos a adotar os temas da extrema-direita e, quando a crise chega ao máximo, oferece soluções fáceis para pessoas que perderam completamente o rumo ».

O bairro de Agios Panteleimonas encontrou o seu com o timão da Aurora Dourada. Ofereceu segurança a cidadãos temerosos e a impôs prontamente. A noite cai suavemente, O vento é cálido, convida a um passeio distraído. Mas cada vez há menos siluetas nas ruas. Em algumas zonas do bairro, para caminhar à noite é preciso pedir permissão, peguntar com educação e agradecer com respeito.

Tradução: Katarina Peixoto
*Turquinho

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