Denúncia gravíssima: Não temos laboratórios para verificar toxicidade dos agrotóxicos, diz Anvisa
Via MST
O
Brasil se tornou o país que mais usa agrotóxicos em todo o mundo,
fazendo uso inclusive de venenos que forma banidos em outros países,
pois foi comprovado que causam danos à saúde, como câncer.
Para
Heloísa Rey Farza, médica especialista em toxicologia e técnica da
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a legislação
permissiva à entrada de agrotóxicos e o sucateamento da agência, que
conta com poucos profissionais e nenhum laboratório, permitem a
liberação desses venenos no mercado.
"O governo
não tem laboratório público para fazer os mesmos testes que exigimos da
indústria, que pode apresentar os resultados que quiser. Muitas vezes
pegamos fraudes nos estudos e pedimos que sejam refeitos. Mas muitas
vezes não pegamos, porque não vimos o teste acontecer", denuncia.
Confira a entrevista de Heloísa à Página do MST.
Quantos técnicos a Anvisa tem?
Atualmente
temos 22 técnicos, encarregados de fazer a avaliação toxicológica dos
agrotóxicos, entre outras coisas . Nós não registramos agrotóxico. Quem
registra é a área a qual o agrotóxico vai servir. Se é para tratamento
de florestas, águas superficiais, é o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Se for para a
agricultura, quem registra é o Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA). Ibama, Anvisa e MAPA recebem três dossiês. O nosso
é toxicologia, saúde. Se faz mal ou não à saúde, e é nessa base que
fazemos nosso trabalho.
Agora, quando nós
dizemos que determinado produto pode ser utilizado para agricultura ou
meio ambiente, opinião que deve coincidir com a dos outros dois órgãos,
nós nos baseamos na legislação atual, que não protege a saúde da
população. Pelo contrário, ela é permissiva.
Por
exemplo, a legislação só permite tirar um produto cancerígeno do
mercado se ele for cancerígeno para dois tipos de animais nos testes. E
quem fornece para nós os documentos de testes em animais? A indústria.
O que o governo pode fazer para atestar?
O
governo não tem laboratório público para fazer os mesmos testes que
exigimos da indústria, que pode apresentar os resultados que quiser.
Muitas vezes pegamos fraudes nos estudos e pedimos que sejam refeitos.
Mas muitas vezes não pegamos, porque não vimos o teste acontecer. Se o
agrotóxico é cancerígeno para uma espécie, mas não para outra, estamos
de punhos amarrados e temos que liberar, mesmo se soubermos que
provavelmente houve fraude. Nós é que temos de provar que o produto é
cancerígeno, não a indústria. Na realidade, o que acontece é essa
inversão de provas, com o governo tendo de provar que faz mal à saúde e
não a indústria tendo que provar que não faz mal á saúde. Por conta
dessa legislação antiga, acabamos obrigados a liberar muita coisa que
não queremos.
Por que a Anvisa não tem uma estrutura maior?
Não
podemos contratar funcionários via concurso público por causa do
inchamento do setor público. Fizemos uma contratação para a Anvisa em
2005, mas muitos do que entraram já saíram, pois o salário é muito
baixo. Médicos, por exemplo, não param na Anvisa por causa do salário.
Com isso, a equipe vai empobrecendo, porque tem que ser
multidisciplinar. A Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla em
inglês), órgão semelhante à Anvisa nos Estados Unidos, conta com 500
funcionários que fiscalizam as empresas e analisam os agrotóxicos . Eles
consomem menos agrotóxicos que nós.
Como é feita a análise toxicológica?
Nós
temos um arcabouço que dá segurança na análise. A Organização para
Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD, sigla em inglês)
estabeleceu parâmetros para estudos de laboratório. Criou documentos que
guiam as formas pelas quais os testes devem ser feitos. O que nós não
temos como controlar é se tudo o que está dito no dossiê das empresas
realmente foi feito. Por isso, não há como saber se os resultados
apresentados são reais. Temos mecanismos para impor algumas regras na
análise, como seguir à risca a legislação e as regras da OECD, mas não
podemos garantir que o resultado apresentado pela indústria seja
verídico.
A nossa atividade é controlar para ver
se não há inverdade no que nos escrevem. Se houver alguma dúvida,
pedimos para que refaçam. Além disso, comparamos os dados que nos são
enviados com o que tem na literatura sobre toxicologia. Eventualmente,
consultamos também agências reguladoras de outros países, como a
Alemanha, para ver a situação desses produtos a nível internacional.
Tomamos
todas as medidas possíveis para não deixar passar inverdades, mas se
tivéssemos laboratórios públicos para fazer testes - não todos, porque
sairia muito caro, mas pelo menos para refazer aqueles dos quais
duvidamos - seria uma grande diferença. Se tivéssemos também mais gente
na equipe para analisar de uma maneira mais profunda, avançaríamos mais.
O
que nós temos feito para melhorar a análise são cursos de formação para
os técnicos da área de gerência em toxicologia. Todos nossos técnicos
são especialistas em toxicologia. Estamos terminando agora um curso de
mestrado no tema, que a metade da nossa equipe fez e esperamos conseguir
fazer para a outra metade. Depois dos cursos, houve uma melhora nítida
na qualidade das análises. O senso crítico é maior, a percepção das
inverdades é maior, as decisões são ponderadas de forma mais científica,
sem achismos ou consulta à literatura externa.
Qual a sua avaliação da Campanha contra os agrotóxicos?
São
nossos parceiros, porque tanto eles quanto nós temos o interesse de que
a população seja preservada dos efeitos nocivos dos agrotóxicos. Nós
temos contribuído fornecendo subsídios e informações, que são o nosso
papel. Fornecemos toda informação em toxicologia que é solicitada.
Sempre participamos de palestras sobre agrotóxicos quando nos pedem.
Qual a sua opinião sobre a questão do agronegócio começar a adotar o discurso da agricultura sustentável?
O
agronegócio não tem muita escolha. Produzir novos agrotóxicos está
saindo muito caro. Gasta-se bilhões de dólares. Além do mais, não é
possível inventar moléculas infinitamente. Há poucos átomos existentes
na natureza que possam ser combinados. Há 30 ou 40 anos para achar um
ingrediente ativo que fosse eficaz do ponto de vista agronômico, era
preciso pesquisar em torno de 1300 moléculas novas. Atualmente, para
achar um ingrediente ativo novo, é preciso pesquisar 200.000 moléculas
novas. Isso custa muito caro.
Não é mais rentável?
Não
é mais rentável produzir agrotóxicos novos. As seis grandes indústrias
de agrotóxicos têm pesquisado muito pouco os ingredientes ativos, tanto
que nos apresentam pouca coisa. A própria indústria química, a de
agrotóxico em particular, está reduzindo seu investimento. Aí surge a
apropriação do discurso da agricultura sustentável, que é um discurso
que mostra como essas corporações vão evoluir.
Daqui
há pouco, eles próprios vão começar a falar mal de agrotóxico. O
interesse das corporações está se voltando para a compra de sementes.
Elas estão comprando sementeiras no mundo inteiro, de tudo. Não é apenas
de soja, algodão, cana ou milho. Todo tipo de semente está sendo
comprada. Se essas empresas mudarem uma vírgula na composição genética
dessas sementes, elas passam a ser patenteadas. Esse é o nível em que a
agricultura está chegando. O pagamento de royalties pelas sementes vai
fazer com que se pague cada vez mais caro para produzir alimento.
E o que fazer para evitar este quadro?
A
primeira coisa é a população se dar conta do que está acontecendo. No
caso dos agrotóxicos, a sociedade acordou para o problema quando o
investimento neles está praticamente no fim da linha. Agora, é preciso
intervir antes que a situação se instale de uma vez por todas. Cabe à
população agir. E a população organizada é a primeira a se movimentar.
Os
pequenos agricultores e as associações de agricultores devem começar a
levantar este problema e fazer com que as pessoas ouçam, mostrando que
estamos correndo um novo risco. Não só o de continuar consumindo
agrotóxico, que serão produzidos até o último suspiro dessa indústria em
particular, mas também prevenir que mais tarde sejamos obrigados a
comprar sementes patenteadas de todos os alimentos.
*GilsonSampaio
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