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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, junho 21, 2012

Denúncia gravíssima: Não temos laboratórios para verificar toxicidade dos agrotóxicos, diz Anvisa

Via MST

José Coutinho
O Brasil se tornou o país que mais usa agrotóxicos em todo o mundo, fazendo uso inclusive de venenos que forma banidos em outros países, pois foi comprovado que causam danos à saúde, como câncer.
Para Heloísa Rey Farza, médica especialista em toxicologia e técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a legislação permissiva à entrada de agrotóxicos e o sucateamento da agência, que conta com poucos profissionais e nenhum laboratório, permitem a liberação desses venenos no mercado.
"O governo não tem laboratório público para fazer os mesmos testes que exigimos da indústria, que pode apresentar os resultados que quiser. Muitas vezes pegamos fraudes nos estudos e pedimos que sejam refeitos. Mas muitas vezes não pegamos, porque não vimos o teste acontecer", denuncia.
Confira a entrevista de Heloísa à Página do MST.
Quantos técnicos a Anvisa tem?
Atualmente temos 22 técnicos, encarregados de fazer a avaliação toxicológica dos agrotóxicos, entre outras coisas . Nós não registramos agrotóxico. Quem registra é a área a qual o agrotóxico vai servir. Se é para tratamento de florestas, águas superficiais, é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Se for para a agricultura, quem registra é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Ibama, Anvisa e MAPA recebem três dossiês. O nosso é toxicologia, saúde. Se faz mal ou não à saúde, e é nessa base que fazemos nosso trabalho.
Agora, quando nós dizemos que determinado produto pode ser utilizado para agricultura ou meio ambiente, opinião que deve coincidir com a dos outros dois órgãos, nós nos baseamos na legislação atual, que não protege a saúde da população. Pelo contrário, ela é permissiva.
Por exemplo, a legislação só permite tirar um produto cancerígeno do mercado se ele for cancerígeno para dois tipos de animais nos testes. E quem fornece para nós os documentos de testes em animais?  A indústria.
O que o governo pode fazer para atestar?
O governo não tem laboratório público para fazer os mesmos testes que exigimos da indústria, que pode apresentar os resultados que quiser. Muitas vezes pegamos fraudes nos estudos e pedimos que sejam refeitos. Mas muitas vezes não pegamos, porque não vimos o teste acontecer. Se o agrotóxico é cancerígeno para uma espécie, mas não para outra, estamos de punhos amarrados e temos que liberar, mesmo se soubermos que provavelmente houve fraude. Nós é que temos de provar que o produto é cancerígeno, não a indústria. Na realidade, o que acontece é essa inversão de provas, com o governo tendo de provar que faz mal à saúde e não a indústria tendo que provar que não faz mal á saúde. Por conta dessa legislação antiga, acabamos obrigados a liberar muita coisa que não queremos.
Por que a Anvisa não tem uma estrutura maior?
Não podemos contratar funcionários via concurso público por causa do inchamento do setor público. Fizemos uma contratação para a Anvisa em 2005, mas muitos do que entraram já saíram, pois o salário é muito baixo.  Médicos, por exemplo, não param na Anvisa por causa do salário. Com isso, a equipe vai empobrecendo, porque tem que ser multidisciplinar. A Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla em inglês), órgão semelhante à Anvisa nos Estados Unidos, conta com 500 funcionários que fiscalizam as empresas e analisam os agrotóxicos . Eles consomem menos agrotóxicos que nós.
Como é feita a análise toxicológica?
Nós temos um arcabouço que dá segurança na análise. A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD, sigla em inglês) estabeleceu parâmetros para estudos de laboratório. Criou documentos que guiam as formas pelas quais os testes devem ser feitos. O que nós não temos como controlar é se tudo o que está dito no dossiê das empresas realmente foi feito. Por isso, não há como saber se os resultados apresentados são reais.  Temos mecanismos para impor algumas regras na análise, como seguir à risca a legislação e as regras da OECD, mas não podemos garantir que o resultado apresentado pela indústria seja verídico.
A nossa atividade é controlar para ver se não há inverdade no que nos escrevem. Se houver alguma dúvida, pedimos para que refaçam. Além disso, comparamos os dados que nos são enviados com o que tem na literatura sobre toxicologia. Eventualmente, consultamos também agências reguladoras de outros países, como a Alemanha, para ver a situação desses produtos a nível internacional.
Tomamos todas as medidas possíveis para não deixar passar inverdades, mas se tivéssemos laboratórios públicos para fazer testes - não todos, porque sairia muito caro, mas pelo menos para refazer aqueles dos quais duvidamos - seria uma grande diferença. Se tivéssemos também mais gente na equipe para analisar de uma maneira mais profunda, avançaríamos mais.
O que nós temos feito para melhorar a análise são cursos de formação para os técnicos da área de gerência em toxicologia. Todos nossos técnicos são especialistas em toxicologia. Estamos terminando agora um curso de mestrado no tema, que a metade da nossa equipe fez e esperamos conseguir fazer para a outra metade. Depois dos cursos, houve uma melhora nítida na qualidade das análises.  O senso crítico é maior, a percepção das inverdades é maior, as decisões são ponderadas de forma mais científica, sem achismos ou consulta à literatura externa.
Qual a sua avaliação da Campanha contra os agrotóxicos?
São nossos parceiros, porque tanto eles quanto nós temos o interesse de que a população seja preservada dos efeitos nocivos dos agrotóxicos. Nós temos contribuído fornecendo subsídios e informações, que são o nosso papel. Fornecemos toda informação em toxicologia que é solicitada. Sempre participamos de palestras sobre agrotóxicos quando nos pedem.
Qual a sua opinião sobre a questão do agronegócio começar a adotar o discurso da agricultura sustentável?
O agronegócio não tem muita escolha. Produzir novos agrotóxicos está saindo muito caro. Gasta-se bilhões de dólares.  Além do mais, não é possível inventar moléculas infinitamente. Há poucos átomos existentes na natureza que possam ser combinados. Há 30 ou 40 anos para achar um ingrediente ativo que fosse eficaz do ponto de vista agronômico, era preciso pesquisar em torno de 1300 moléculas novas. Atualmente, para achar um ingrediente ativo novo, é preciso pesquisar 200.000 moléculas novas. Isso custa muito caro.
Não é mais rentável?
Não é mais rentável produzir agrotóxicos novos. As seis grandes indústrias de agrotóxicos têm pesquisado muito pouco os ingredientes ativos, tanto que nos apresentam pouca coisa. A própria indústria química, a de agrotóxico em particular, está reduzindo seu investimento. Aí surge a apropriação do discurso da agricultura sustentável, que é um discurso que mostra como essas corporações vão evoluir.
Daqui há pouco, eles próprios vão começar a falar mal de agrotóxico. O interesse das corporações está se voltando para a compra de sementes. Elas estão comprando sementeiras no mundo inteiro, de tudo. Não é apenas de soja, algodão, cana ou milho. Todo tipo de semente está sendo comprada. Se essas empresas mudarem uma vírgula na composição genética dessas sementes, elas passam a ser patenteadas. Esse é o nível em que a agricultura está chegando. O pagamento de royalties pelas sementes vai fazer com que se pague cada vez mais caro para produzir alimento. 
E o que fazer para evitar este quadro?
A primeira coisa é a população se dar conta do que está acontecendo. No caso dos agrotóxicos, a sociedade acordou para o problema quando o investimento neles está praticamente no fim da linha. Agora, é preciso intervir antes que a situação se instale de uma vez por todas. Cabe à população agir. E a população organizada é a primeira a se movimentar.
Os pequenos agricultores e as associações de agricultores devem começar a levantar este problema e fazer com que as pessoas ouçam, mostrando que estamos correndo um novo risco. Não só o de continuar consumindo agrotóxico, que serão produzidos até o último suspiro dessa indústria em particular, mas também prevenir que mais tarde sejamos obrigados a comprar sementes patenteadas de todos os alimentos.  
*GilsonSampaio

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