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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, setembro 18, 2012

Condenação política e sem provas pode abrir precedente perigoso

Juristas, cientistas políticos e especialistas temem que lógica subjetiva do julgamento, inaugurada ontem pelos relator Joaquim Barbosa, seja seguida por demais ministros do STF
Por: Maurício Thuswohl, no Rede Brasil Atual 
joaquim_barbosaAo dar início ontem (17) no Supremo Tribunal Federal (STF) à sua análise e voto sobre o item do julgamento do mensalão que trata do repasse do dinheiro proveniente das empresas de Marcos Valério aos partidos da base aliada, o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, confirmou uma linha de raciocínio que aponta para a condenação da maioria dos réus mesmo sem a existência, em alguns casos, de provas materiais. A opção por uma abordagem com fortes tintas políticas é motivo de críticas entre juristas e cientistas políticos e já provoca a reação dos advogados dos réus. Além disso, abre na Justiça brasileira um precedente que, na opinião de alguns especialistas, pode ser perigoso.
A subjetividade que marca o voto de Barbosa ficou evidente quando o ministro, ao analisar o repasse de R$ 4,1 milhões ao PP, afirmou, mesmo sem a existência de nenhuma prova concreta nos autos do processo, que este aconteceu com o intuito de “comprar” os parlamentares do partido para que votassem a favor das reformas tributária e previdenciária propostas pelo governo Lula: “Não há qualquer dúvida quanto à existência do esquema de compra de votos a esta altura do julgamento”, disse.
Segundo Barbosa, a “compra” se caracteriza porque existe coincidência de datas entre as votações das duas reformas e o repasse feito ao PP: “Essas reformas receberam o fundamental apoio dos parlamentares comprados pelo PT e das bancadas por eles dirigidas, exatamente no mesmo momento em que foram realizados os maiores repasses de dinheiro aos acusados”, disse, sem mencionar o fato de que mesmo o número total de parlamentares do PP era insuficiente para garantir a aprovação das reformas.
Sobre o assunto, o senador Roberto Requião postou hoje (18) em sua conta no Twitter o seguinte comentário. “Que vantagem poderia ter o PT como partido e alguns petistas como pessoas, comprando apoio para a reforma tributária e da previdência?”. O relator Barbosa não responde nem a essa nem a outras questões, como, por exemplo, o fato de as duas reformas terem sido aprovadas por ampla maioria no Congresso Nacional, inclusive com os votos do PSDB e do então PFL (atual DEM), opositores sistemáticos do governo petista.
Como suposta evidência da relação criminosa entre os dois partidos, o voto do relator se apoiou ainda em outra constatação - a “incompatibilidade ideológica” entre o PP e o PT - que não pode ser comprovada de forma objetiva. Para Barbosa, é impensável que os dois partidos possam ter feito de fato um acordo político: “Até meados de 2003, o PP fazia oposição ao governo, ao lado de PFL, PSDB e Prona. Não existe qualquer outro motivo, que não seja a compra de votos, para que o PT decidisse apoiar o PP financeiramente naquele momento. Os dois partidos eram opositores até no campo ideológico, se é que no Brasil existe isso”, disse o relator, em uma declaração com teor político pouco usual na história do STF. Aqui, Barbosa faz uma leitura rasa da política, desconsiderando que a composição de forças é algo absolutamente normal num sistema democrático.
Durante o voto, Barbosa fez ainda diversas observações que indicam sua intenção de pedir também a condenação do chamado “núcleo político” do mensalão, integrado pelos petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares. Este último chegou a ser diretamente citado pelo relator: “Os acusados procederam à distribuição de dinheiro em espécie a parlamentares indicados a Marcos Valério pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares”, disse.
Domínio do Fato
Se confirmada a condenação do “núcleo político” sem provas, o STF estará criando uma inédita jurisprudência. Para tanto, na análise de crimes como corrupção (ativa e passiva) e formação de quadrilha, os ministros se apoiam em interpretações peculiares de conceitos jurídicos como “domínio do fato” e “ato de ofício”.
Criado na Alemanha para julgar comandantes militares nazistas, a teoria do “domínio do fato” consiste em afirmar que superiores hierárquicos têm conhecimento - e dão aprovação tácita - sobre os crimes cometidos por seus subordinados, podendo ser também condenados por esses crimes. Segundo o raciocínio já manifestado pelo relator, sua aplicação embasaria a condenação de Dirceu e dos demais dirigentes petistas. A lógica é a mesma usada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, em sua peça de acusação. Ocorre, no entanto, que não existia relação de subordinação entre Dirceu, Genoino e Delúbio na época. Os dois primeiros eram dirigentes da Executiva Nacional do partido, que é uma instância colegiada - Genoino como presidente; Delúbio como secretário de Finanças. E Dirceu tinha se afastado da direção partidária para chefiar a Casa Civil no início dos governo Lula. Nenhum dos três tinha qualquer função ou poder de mando sobre os demais réus do processo.
Durante o julgamento do mensalão, alusões ao “domínio do fato” já foram feitas em plenário pelos ministros Rosa Weber, Celso de Mello e Cezar Peluso (já aposentado). Único a falar abertamente sobre o tema à imprensa, o ministro Marco Aurélio Mello analisou a situação de Dirceu: “É preciso um elemento concreto que revele a participação ou integração do réu à quadrilha ou se de fato cometeu corrupção ativa”, disse, acrescentando que somente provas testemunhais, como a do ex-deputado Roberto Jefferson, não são suficientes para a condenação: “Tem que somar esse elemento a outros para concluir pela culpabilidade ou não”, disse.
Outro conceito, utilizado na análise dos crimes de corrupção, é a existência do “ato de ofício”, que é a retribuição pelo corruptor passivo à vantagem recebida indevidamente. No caso da suposta compra de votos de parlamentares do PP ou dos demais partidos da base aliada, o “ato de ofício” não é comprovado objetivamente, mas isso também não é levado em conta pelo ministro relator: “Não é necessário provar que o agente público que recebeu dinheiro do esquema fez algo em troca para merecer. Só o fato de terem recebido dinheiro já basta”, disse Barbosa.
Embargos
A probabilidade de condenação de diversos réus do processo do mensalão com base em conceitos subjetivos ou em argumentações de natureza política já provoca intensa movimentação entre seus advogados. Embora não falem sobre isso à imprensa - o que poderia ser contraproducente neste momento do julgamento - alguns embargos já estariam até mesmo redigidos e prontos para serem apresentados: “Os advogados sabem que essa condenação, se confirmada, irá de encontro a tudo o que se fez nos últimos anos na Justiça brasileira e, em particular, no STF”, diz um integrante da direção do PT.
Em entrevista à revista Carta Capital, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos critica a abordagem do STF no julgamento do mensalão: “Não sei se José Dirceu é inocente ou se, como outros, cometeu algum crime à sombra do ilícito caixa dois. Mas, se for condenado sem provas, será um julgamento de exceção”, diz. Sobre a teoria do “domínio do fato”, Santos afirma que, nesse caso, seria “a espinha dorsal” para uma condenação sem provas: “Para tanto, o procurador insinuou e o relator apresenta repetidamente, em paralelo aos autos, um enredo perverso ligando todos os ilícitos, como se fossem uma mesma coisa, cujo autor sem assinatura seria José Dirceu”, diz.
Um ex-ministro de Lula afirma que o julgamento abre um precedente que precisará ser respeitado daqui pra frente: “Vem aí o julgamento do Daniel Dantas. Vamos ver como ficará o STF se não aplicar também o conceito do 'domínio do fato', entre outros agora aplicados. Isso vale também para as outras instâncias, no julgamento do mensalão do PSDB e sua relação com o ex-governador tucano Eduardo Azeredo”.
*OCarcará 

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