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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, setembro 23, 2012

“É impossível pensar o sistema capitalista internacional sem o dinheiro do narcotráfico"

 

O tráfico de drogas movimenta cerca de 500 mil milhões de dólares por ano, afirma o jornalista brasileiro José Arbex Jr.. “O mercado clandestino é essencial para a sobrevivência do capitalismo, a proibição acrescenta valor à droga e é um prémio para os traficantes”, diz o historiador Henrique Carneiro.
Por Isabel Harari, Carta Maior.

"O dinheiro não está nas favelas nem nos morros, faz parte do sistema financeiro e sustenta os grandes bancos", diz Arbex.
"É impossível pensar o sistema capitalista internacional sem pensar no dinheiro do narcotráfico", denunciou o jornalista José Arbex Jr. em Simpósio sobre Esquerda na América Latina, realizado na Universidade de S. Paulo, Brasil. A mesa também contou com a presença do historiador Henrique Carneiro, a especialista em História da Cultura Rosana Schwartz e Julio Delmanto, mestrando em História Social e membro do coletivo DAR (Desentorpecendo a Razão). O fio condutor do debate foi a relação de simbiose entre o proibicionismo e o sistema financeiro capitalista.
O tráfico de drogas movimenta cerca de 500 mil milhões de dólares por ano, segundo dados indiretos, algumas cifras chegam à quantia de 1 bilião. "O dinheiro não está nas favelas nem nos morros, faz parte do sistema financeiro e sustenta os grandes bancos", continuou Arbex. Para ele, o discurso da guerra ao narcotráfico é vazio, pois os países que se colocam como combatentes às drogas fazem parte da corrente altamente rentável do tráfico, logo, resistem tanto à legalização.
O jornalista explicitou a relação do tráfico de drogas com o de armas. Jogou luz ao facto de que as cifras acerca do comércio de armas no Brasil são desconhecidas, e mantidas em segredo "por questões de segurança", segundo a Taurus, uma das maiores fabricantes de armas no Brasil. "Ninguém controla o dinheiro que movimenta o narcotráfico, assim como ninguém controla o dinheiro que controla o tráfico de armas. Isso serve aos interesses do capitalismo", continuou.
Carneiro explicou que o critério utilizado para determinar se uma determinada droga é ilícita ou não, é ligada à constituição da Ordem Internacional. Ou seja, um grupo de países determina, por unanimidade, quais drogas devem ou não serem aniquiladas. "Não existe fundamento científico", disse. Segundo ele, "a esquerda é cúmplice e agente da Ordem, cenário que aparentemente está a modificar-se", completou.
Julio Delmanto trouxe à tona as consequências da política proibicionista implantada na denominada "guerra às drogas". A proibição não só não resolve a questão, como promove o desenvolvimento das indústrias farmacêuticas e das clínicas particulares, a criminalização da pobreza, o encarceramento em massa e as internações compulsórias. Para ele, a "delinquência útil", forma taxativa pela qual os usuários são denominados, é um instrumento para gerar a ilegalidade, altamente lucrativa e instrumento de controle da população.
O mote da fala de Rosana Schwartz foi a presença das mulheres frente ao tráfico de drogas, "não se fala tanto, não existem trabalhos sobre o assunto", disse. Segundo ela, há uma visão de que a mulher "é um ser que deveria ficar dentro de casa, mais propenso a ser degenerado". Sua pesquisa consiste, entre outras vertentes, em ouvir as mulheres que se envolveram no tráfico e entender as suas posições como sujeitos sociais numa realidade proibicionista e higienista. "O amor e o medo de perder o marido, na maioria das vezes, é apresentado como o principal motivo da entrada para o tráfico, e a função subalterna na mulher no meio disso tudo é evidenciado", completou.
O Brasil é um dos maiores exportadores de tabaco, de álcool e com uma indústria farmacêutica altamente lucrativa (alimentada pela indústria dos agrotóxicos e transgénicos), também é um dos países com a política de drogas mais ferrenha. "As razões do proibicionismo baseiam-se no puritanismo e no controlo social da força produtiva. O mercado clandestino é essencial para a sobrevivência do capitalismo, a proibição acrescenta valor à droga e é um prémio para os traficantes", explicou Carneiro.
*GilsonSampaio

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