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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, setembro 19, 2012

Vagina



Um edital de incentivo à criação literária da Fundação Biblioteca Nacional exigia que os projetos para romance, conto e poesia não “caracterizassem” atividades criminosas. A Apple coloca asteriscos para vedar a palavra “vagina” em seus aplicativos. A Academia Brasileira de Letras suspendeu a transmissão virtual de uma palestra de Jorge Coli sobre sexo e pornografia, por exibir, entre outras, a tela "A origem do mundo" (Gustave Courbet, 1866).

É difícil acreditar que, em pleno século XXI, ainda se cogite a possibilidade de obras fictícias realizarem apologia de qualquer tipo. Que alguém se sinta constrangido por uma palavra dicionarizada, de uso ancestral, livre de significados pejorativos. Que uma pintura universalmente famosa, exposta no museu D’Orsay de Paris, seja considerada “pornográfica”, ou mesmo “imprópria” para menores de 18 anos.

Que o retrato artístico de uma vulva peluda pareça ofensivo.

Poderíamos afirmar que essas demonstrações de imbecilidade explícita remetem a períodos de truculência fardada, mas não seria exato. Acontece todo dia, e cada vez mais, em nome de boas intenções e excrescências jurídicas. Essas personificações moralistas do espírito repressor, tão orgulhosamente hipócritas e obtusas, são típicas do conservadorismo que já caracteriza a cultura mundial no início do século. É o lado nefasto do admirável mundo virtual.

Como sempre, mestre Coli matou a charada: “(...) a ABL ilustrou, de modo preciso, o acerto de minha tese sobre a hipocrisia pudibunda (termo no qual certamente ela ainda censurará as duas últimas sílabas) de nosso tempo. Não apenas os acadêmicos são imortais: eles também não têm sexo, como os anjos.”
*Guilherme Scalzilli

Gabriela a única Sônia Braga

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