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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, agosto 31, 2010

A neutralidade da internet em risco






A neutralidade da internet em risco

O acordo entre a Verizon e a Google para um uso da Internet a duas velocidades pode significar o fim da rede como é atualmente. Para Josh Silver, da Free Press, a Google junta-se às fileiras das más empresas que fazem tudo para lucrar às custas do consumidor.

Por Redação
[30 de agosto de 2010 - 11h49]
Os gigantes das telecomunicações (nos Estados Unidos) e da internet, Verizon e Google, parecem ter chegado a um acordo para impor um sistema por níveis para ter acesso à rede. O negócio permitiria que a Verizon cobrasse por um acesso mais rápido aos conteúdos online em aparelhos de internet móvel, o que representa uma violação do conceito de neutralidade que significa um acesso igual a todos os serviços. O acordo surge de reuniões a portas fechadas entre a Comissão Federal de Comunicações (FCC) e as gigantes das telecomunicações para a criação de novas regulamentações.

Juan Gonzalez: Hoje começamos com notícias acerca do acordo entre as gigantes da internet e das telecomunicações, Google e Verizon, que muitos receiam que possa acabar com a internet como a conhecemos. Foi noticiado que as duas empreas teriam chegado a um acordo para impor um sistema nivelado de acesso à internet, o que permitiria à Verizon cobrar por um acesso mais rápido aos conteúdos através dos aparelhos portatéis. Isto representa uma violação da neutralidade da net – um acesso igual a todos os conteúdos.

Ambas as empresas negaram que estariam a chegar a tal acordo que levaria a uma “internet de duas categorias.” Em declarações, tanto a Google como a Verizon, reiteraram o compromisso de uma Internet aberta.

Amy Goodman: Entretanto, a FCC cancelou as reuniões à porta fechada com as duas gigantes para a criação de novas regulamentações e prometeu procurar mais opiniões. O presidente da FCC, Julius Genachowski, disse: “Qualquer resultado, qualquer acordo que não preserve a liberdade e abertura da internet para consumidores e empreendedores será inaceitável.”

Para entender melhor esta questão, é nosso convidado, a partir de Chicopee, Massachusetts, a presença de Josh Silver, o diretor-executivo da Free Press, (freepress.net), uma organização para a reforma dos media nacionais.

Bem-vindo ao Democracy Now!, Josh.

JOSH SILVER: Obrigado.

AMY GOODMAN: Quais são as suas principais preocupações e quais são as últimas novidades acerca do eventual acordo?

JOSH SILVER: Bom, antes de responder a essa questão, queria voltar a esta ideia de neutralidade da internet sobre a qual muitos norte-americanos, espectadores e ouvintes do vosso programa, provavelmente pensarão: “isto é para aficionados (geeks).” A razão pela qual a neutralidade importa – tem sido a lei desde que a internet foi criada há quarenta anos – é o fato de este princípio declarar que qualquer conteúdo está disponível a qualquer velocidade, seja a ABC News a enviá-lo ou o Democracy Now!, seja ainda o vídeo do casamento do vosso primo. E o cerne da questão é compreender que à medida que a velocidade da internet aumenta, iremos ver os média todos – televisão, rádio, serviços telefónicos, tecnologias emergentes – a serem acessíveis através da net. Qualquer sítio poderá tornar-se uma rede de televisão ou de rádio. É uma mudança das regras do jogo que alarga o acesso e a distribuição dos conteúdos. Então, quando há alterações de políticas, como o acordo Google-Verizon que iremos abordar hoje, temos um efeito profundo sobre se esta oportunidade revolucionária será aproveitada ou deitada ao lixo.

Agora, com este negócio entre a Google e a Verizon, damos um passo atrás. Primeiro, os EUA estão colocados atrás de outros países no que diz respeito à velocidade e acesso à internet. Passamos de quarto para 22º nos último dez anos, devido a políticas falhas, o mesmo tipo de políticas que nos levou à crise financeira, o mesmo tipo de políticas que nos levou ao derrame do Golfo do México, uma espécie de "dizer governamental": “Força, indústria. Façam aquilo que quiserem.” E adivinhem? Os consumidores ficaram com a parte má do negócio.

Em abril deste ano, aconteceu uma coisa espantosa. Devido às medidas da FCC da era Bush, a actual FCC ficou desprovida de toda a autoridade para regular não apenas a internet mas também todos os seus fornecedores – uma distinção importante. Já não podem dizer: “Verizon, AT&T, isso não é justo. Não podem escalonar os preços. Não podem bloquear indiscriminadamente os conteúdos.” E isto surge nos bastidores de um presidente – Barack Obama – que, durante a campanha disse: “Eu sou um firme defensor da neutralidade da internet,” e depois designou como presidente da FCC, que ainda mantém o cargo, Julius Genachowski, que, como disse, admitiu ser um apoiador da neutralidade. Mas tudo começou a ficar muito estranho.

Durante os últimos meses, o presidente Genachowski chamou os líderes da indústria ao seu gabinete, sem grupos de interesse público, e declarou: “Não vou mexer uma palha para reaver a autoridade da minha agência, mesmo sendo uma coisa fácil de fazer. Em vez disso, vou pedir aos agentes do ramo para chegar a um acordo e criar um compromisso com o qual todos possamos viver. Não vou preocupar-me assim tanto com os grupos de interesse público.” Pelo menos foi o que deu a entender.

Estamos assim num limbo, onde o presidente da FCC não faz nada. Ele não luta pela autoridade da sua agência, que é necessária para proteger a neutralidade da rede, trazer concorrência e fazer baixar os preços, e proporcionar banda larga universal para cada americano. E temos a Google e a Verizon que, no meio disto tudo, anunciaram esta semana um acordo surpreendente – havia rumores acerca do mesmo, mas ninguém pensou que fosse acontecer tão cedo – um acordo que essencialmente diz o seguinte: “Ok, não haverá problema se bloquearmos ou abrandarmos alguns conteúdos no espaço wireless. E nas ligações fixas às casas e às empresas, poderemos arranjar qualquer coisa como `serviços administrados`, os quais permitem discriminar os conteúdos conforme a nossa vontade.” E parte do mais extraordinário, a Google, que nos últimos cinco anos, durante esta épica batalha pela neutralidade, colocou-se do lado dos grupos de interesse público e de outras companhias como a Skype, a Amazon e eBay, entre outras, para apoiar a neutralidade e os consumidores.

JUAN GONZALEZ: Josh, quero interrompê-le por um instante. Antes de irmos ao acordo Google-Verizon, queria recuar um bocadinho e falar sobre o problema da neutralidade, como referiu. O argumento das empresas de telecomunicações tem sido – e também as empresas de cabo – “Ei, estes são os nossos cabos. Por que razão não se deve cobrar mais àqueles que enchem a rede e que a usam mais?

JOSH SILVER: Bem, eis o problema, Juan. Nos EUA, temos um mercado incrivelmente não competitivo. Como resultado, pagamos – o consumidor americano paga – muito mais dinheiro por serviços bem mais lentos que em países como a Dinamarca, o Japão, a França ou a Inglaterra. Portanto, o que temos é um mercado sem concorrência, com dois ou três fornecedores de 97 ou 98% do mercado nacional. Assim os consumidores não têm escolhas. Se, digamos, que o seu servidor Verizon está bloqueando ou abrandando o tráfego, e você não gosta, não tem escolha. Este é o problema número um. Número dois, perder a neutralidade permitirá a estas empresas priorizar algum tráfego – por exemplo, vídeo – e `despriorizar` outro. Desta forma, a internet tornar-se-ia como a televisão por cabo, na qual a Verizon, a AT&T, a Comcast e a Time Warner decidem o que é rápido, quanto custa e quem é lento. Surgem então exactamente o mesmo problema que com o cabo, falta de acesso e distribuição para pessoas comuns.

JUAN GONZALEZ: Acha que poderá ter havido alguma ingenuidade ou erros por parte dos defensores dos consumidores nesta aliança que tem existido desde há vários anos com empresas como as Google e eBays deste mundo; que havia uma sensação de que eles iriam agir corretamente no que diz respeito à neutralidade? O preço que aceitaram foi aparentemente oferecido pela Verizon e agora estão dispostos a abandonar aqueles grupos e avançar para um acordo com as empresas de telecomunicações?

JOSH SILVER: Penso que não. Na altura foi com certeza uma decisão táctica esperta. Recorda, tínhamos um candidato presidencial Obama que dizia literalmente, “Eu não vou pôr em causa a neutralidade da internet.” São palavras fortes. De repente, temos estas poderosas figuras da indústria a dizerem o mesmo e concordarem com a política que o interesse público queria. Todos pensaram que, quando o Julius Genachowski assumiu a presidência da FCC, depressa aprovaria uma norma e resolver o assunto, concretizando as promessas do presidente. É um testemunho do lóbi massivo por parte das empresas de telefone e cabo que aconteceu e que explica o porquê deste presidente da comissão não fazer nada, o que não deixa de ser surpreendente. Todos julgámos que não haveria problema algum nos dias de hoje. Ninguém esperava o caso judicial que em Abril retirou autoridade à agência. Agora muitos não referem o facto de que seria muito fácil para o presidente Genachowski – ele tem os votos – afastar aquilo que se chama a reclassificação da autoridade da agência, ele poderia restabelecê-la e o assunto estaria resolvido.

E o mais alarmante, Juan, é o facto de estarmos a assistir ao mesmo tipo de regulamentação e medidas que vimos antes da crise financeira, e o mesmo tipo de supervisão que vimos no derrame petrolífero. É o mesmo, dinheiro na política que controla os corredores de Washington. Em algum momento teremos de parar, porque se não conseguimos lidar com este problema e com o do financiamento das campanhas, se não conseguimos assegurar qualidade no jornalismo e acesso à informação, não temos democracia. Não funcionará. E essas são as duas questões da nossa democracia. Felizmente, há sempre algo que se pode fazer, no problema da internet em particular. Pode ir a savetheinternet.com. Pode agir e juntar-se a milhões de pessoas que percebem o que está a acontecer e estão a envolver-se.

JUAN GONZALEZ: E a maioria democrata no Congresso? Há alguma esperança de que intervenha, corrija o que se passa e imponha limites a estes acordos?

JOSH SILVER: A razão pela qual o Congresso não pode agir é a mesma pela qual a lei dos cuidados de saúde está cheia de lacunas. A indústria das telecomunicações está em segundo lugar, sendo apenas batida pela indústria farmacêutica, em gastos públicos. Eles controlam Washington, e isso é bem sabido na cidade. O fato é que houve apenas um voto republicano contra a FCC ter poderes sobre os fornecedores de internet. E tivemos 74 democratas dizendo não a estes mesmo poderes. São pessoas que estão agindo conforme o que as empresas mandam. Então, se deixamos isto ao Congresso, poderemos estar certos de que, a haver legislação, também esta estará cheia de lacunas e os consumidores pagarão por isso.

AMY GOODMAN: Finalmente, a Google está negando tudo isto. Dizem: “não tivemos conversações nenhumas com a Verizon acerca de pagamentos para transporte de tráfego da Google. Permanecemos comprometidos como sempre para manter uma internet aberta.” A sua resposta, Josh Silver?

JOSH SILVER: São negativas falsas, mas esperadas. É de notar que são também muito opacas. São declarações curtas e mensagens no Twitter. O que a Google está realmente dizendo é: “Não queremos vender cigarros a meninos de 9 anos, mas queremos ter a possibilidade de vender cigarros a meninos 9 anos caso decidamos nesse sentido.” Esta é a analogia que podemos usar.

AMY GOODMAN: E o slogan da Google: “Não faças mal”?

JOSH SILVER: Penso que está acabado. A era da Google que não fazia mal terminou com este acordo. Agora, há a possibilidade de ele mudarem os termos do acordo que tem ainda de ser anunciado, mas se forem avante com isto, a Google juntar-se-á às fileiras das más empresas que fazem tudo para lucrar à custa do consumidor.

AMY GOODMAN: Josh Silver, presidente e director-executivo da Free Press (freepress.net) queremos agradecer-lhe por teres estado connosco.

Traduzido de Democracy Now. Veja o vídeo desta entrevista (em inglês).
*RevistaFórum

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