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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, janeiro 29, 2011

ELOGIAR A POBREZA E A FALTA DE AMBIÇÃO É UMA GRANDE BOBAGEM,NÓS VIVEMOS NO CAPITALISMO E O DINHEIRO É FUNDAMENTAL

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RUY CASTRO
Pra que discutir com madame?


RIO DE JANEIRO - Deu no jornal: João Gilberto, o cantor, está ameaçado de despejo do apartamento alugado em que mora no Leblon. A proprietária é uma senhora da sociedade carioca e internacional, com título de condessa e dona de vários imóveis. O problema não envolve dinheiro, mas o que a senhoria acha um abuso: ele não deixa ninguém entrar ali, nem para fazer obras que ela julga necessárias.
O que, para muita gente, pode ser uma surpresa é a revelação de que João Gilberto, que fará 80 anos em junho próximo, não tem casa própria. Não tem, nunca teve. É verdade que, em mais de uma ocasião, fez contratos que lhe teriam permitido comprar à vista o que quisesse e resolver o problema. Mas a volúpia da propriedade não é seu estilo.
Nem de outros do seu círculo. Vinicius de Moraes passou a vida morando nas casas de sua família na Gávea ou pagando aluguel. Lucio Alves, um dos dois ou três maiores cantores da história deste país, estava sendo despejado no ano em que morreu, 1993. E não me consta que, algum dia, João Donato, Johnny Alf, Newton Mendonça, fossem proprietários -a ideia de assinar escrituras, pagar imposto predial e votar em reuniões de condomínio parecia não combinar com o ideário da bossa nova.
João Gilberto não gosta de interferências no seu dia-a-dia. Eu também não gosto, assim como você e todo mundo. João Gilberto talvez apenas radicalize esse gosto pela reclusão, no que está no seu direito. Em compensação, nunca processou jornalistas ou escritores que ousaram "violar" sua intimidade.
A condessa devia conhecer João Gilberto quando o aceitou como inquilino. Cabe-lhe, portanto, relaxar e, no futuro, orgulhar-se de que ele morou num de seus imóveis, entre cujas paredes quantas maravilhas não criou ao violão. Mas, se madame não vê isto, diria o samba, pra que discutir com madame?

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