Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Liberdade para Cesare Battisti


Lungaretti: Peluso faz lobby para esvaziar poder presidencial
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, é o mais destrambelhado de todos. Depois de enterrar-se até o pescoço neste caso, manchando sua reputação ao produzir o relatório mais tendencioso de toda a história do STF, ele agora vai à imprensa prejulgar o desfecho do caso, antecipar como se comportará em sessão futura e fazer lobby descarado, com a seguinte declaração:
"O que o STF decidiu foi que o senhor presidente da República deveria agir nos termos do tratado. Se o STF determinar que não está nos termos do tratado, vai dizer que ele tem de ser extraditado".
Ocorre que a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, respaldada em parecer tecnicamente incontestável da Advocacia Geral da União, cumpriu todos os requisitos do tratado de extradição entre Brasil e Itália, conforme já reconheceram o ministro Marco Aurélio de Mello e o maior jurista brasileiro vivo, Dalmo de Abreu Dallari.
Para o primeiro, nenhum motivo há para se manter Battisti preso. E o segundo acrescentou que tal prisão ilegal (sequestro, portanto) só se explica pela "vocação arbitrária" de Peluso.
Como responsável pelas relações internacionais do Brasil, Lula tinha o direito de seguir sua convicção íntima, baseada nas informações de que dispõe -- muitas das quais sigilosas e que não podem ser tornadas públicas, sob pena de causar tsunamis diplomáticos.
Exemplo: e se Lula alegasse que um governo cujo serviço secreto tramou o assassinato de Battisti no exterior não é minimamente confiável para garantir sua vida e integridade física?
Isto, sim, causaria um verdadeiro abalo nas relações entre Itália e Brasil. No entanto, é a pura verdade.
Também estaria dizendo a verdade Lula se lembrasse que vários ministros de Berlusconi são neofascistas conhecidos e assumidos, inimigos históricos de Battisti, tendo um deles chegado a manifestar o desejo de ter o escritor em suas garras para o torturar.
Ou se destacasse que a satanização de Battisti mediante calúnias e falácias, levada a cabo incessantemente pelas autoridades italianas, é, em si, obstáculo para a extradição.
Ou, ainda, se mandasse os italianos para aquele lugar, por estarem descaradamente tentando ludibriar o Brasil, já que nosso país só admite extraditar quem cumprirá no país solicitante uma pena de até 30 anos, e inexiste na Itália dispositivo legal que permita rever a condenação de Battisti à prisão perpétua.
Evidentemente, Lula sabia disto, pois jamais ignoraria o alerta de Dallari.
E nossa embaixada na Itália, decerto, deve ter-lhe comunicado a admissão do então ministro Clemente Mastella, noticiada pela imprensa de lá, de que estava só tentando enganar os brasileiros, mas, uma vez de posse de Battisti, o deixaria apodrecer na prisão.
Se um presidente da República se puser a trombetear tudo que sabe, não haverá mais diplomacia, só guerras.
Daí a necessidade de se respeitar sua esfera de competência e de decisão, lembrando que é exatamente para isso que os cidadãos o elegem -- ao contrário dos ministros do STF, que são indicados e não eleitos.
Seria uma temeridade e uma verdadeira heresia o Supremo invadir a esfera de poder presidencial, pretendendo escarafunchar os elementos em que se baseia a convicção de um presidente. Basta que ele a tenha. Qualquer passo além disto se direciona para o abismo.
Peluso, ou não reúne as mínimas condições intelectuais para ocupar a posição que ocupa, ou sabe de tudo isto e está apenas tergiversando, num grotesto jus esperneandi para mudar o resultado de uma partida que já acabou.
Mas, só seu parceiro inseparável Gilmar Mendes o acompanhará nesse caminho que levaria ao desequilíbrio de Poderes e à maior crise institucional desde que o País se redemocratizou.
Os demais ministros, sensatamente, reconhecerão que não lhes cabe entrar no mérito da decisão que Lula tomou, com a anuência deles mesmos e contra a posição dos linchadores, que no final de 2009 já tentaram, em vão, usurpar a prerrogativa presidencial (da mesma forma como haviam usurpado a prerrogativa de um ministro da Justiça, ao revogarem em termos práticos a Lei do Refúgio e jogarem no lixo a jurisprudência consolidada em vários casos semelhantes).
Desta vez a parada é bem mais alta.
O que Peluso e Mendes pretendem é manietar o Poder Executivo, subjugando-o ao Judiciário, o que em si já seria um golpe branco, além de provocar tal turbulência institucional que colocaria o Brasil na antessala de um golpe de estado como o de 1964.
Não passarão.
Celso Lungaretti é jornalista, escritor e ex-preso político.
*comtextolivre

Nenhum comentário:

Postar um comentário