“Não saber as coisas me incomoda”. Esta afirmação sempre norteou a trajetória da baiana Viviane dos Santos Barbosa, 36 anos, que venceu a concorrência com 800 trabalhos científicos em conferência internacional na Finlândia.
Talvez o costume na infância de misturar o sumo de vários tipos de folha, derramar uma lata de óleo numa caixa de sabão em pó e o encantamento pelas experiências do pai com equipamentos eletrônicos já indicavam o caminho que seguiria.“Estava no fundo da plateia, sem esperança, quando chamaram meu nome”, contou.
Confinada de seis a oito horas em um laboratório da Delft University of Technology, na Holanda, Viviane desenvolveu catalisadores (substâncias que aceleram e melhoram o rendimento das reações) a partir da mistura dos metais paladium e platina. “Os catalisadores existentes funcionam em altas temperaturas. Consegui desenvolver produtos que funcionam em temperatura ambiente e reduzem a emissão de gases tóxicos”, relata. O trabalho da mestre em engenharia química é na área da nanotecnologia. Trata-se de um ramo da ciência que consiste na manipulação de átomos e, a partir desse controle, realizar novas ligações entre eles, criando novas substâncias, estruturas e materiais.
“A aplicação é múltipla. Na saúde, com novas drogas, vacinas,melhoria de produtos; na informática, condensando mais informações em menores espaços, dentre outros”, explicou o doutor em ciência e engenharia dos materiais e coordenador do Grupo de Nanotecnologia da Ufba, Márcio Nascimento. O contato com a ciência começou com o pai Florisvaldo Barbosa, morto há cinco anos, que nunca ficava sozinho na manipulação de aparelhos como rádio e televisão. “Ele era muito inteligente, adorava radioamadorismo e encantava os filhos com isso”, contou Nilza dos Santos Barbosa, 59 anos, mãe de Viviane e professora de português. Assim, química foi a opção no Cefet (atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – Ifba) e no vestibular da Universidade Federal da Bahia (Ufba). O tempo na instituição foi de apenas dois anos, mas o suficiente para Viviane sobressair-se. “Sua inteligência e dedicação são marcantes”, disse Jailson Bittencourt, doutor em ciências em química analítica e inorgânica e coordenador do grupo em que Viviane foi bolsista na Ufba.
Mudança
Em meados da década de 90, por conta da insatisfação com o trabalho administrativo na Petrobras e do casamento com um holandês, Viviane saiu do Brasil. “Pedi demissão e fui. Lá, entrei no curso de holandês e aprendi inglês sozinha”, contou. Ainda pela inquietude nata, resolveu ultrapassar mais um obstáculo e venceu 90 candidatos estrangeiros para quatro vagas na universidade em Delft, passando em primeira colocação. “No início, achavam que eu não conseguiria e colocaram várias dificuldades. Nas aulas, notava que as explicações dos professores eram superficiais, como se eu não pudesse dominar o assunto.Mas encarei tudo isso como um desafio a ser superado”. Assim ela concluiu a graduação e ingressou no mestrado.O exemplo dos pais e a infância difícil serviram de estímulo.Aos 3 anos, Viviane já sabia ler. Um ano depois, no segundo dia de aula na Escola Marquês de Abrantes (Barbalho), foi logo transferida da alfabetização para a 1ª série do ensino fundamental. A fama de aluna exemplar seguiu Viviane por toda a vida escolar.“Sempre fui muito curiosa e queria entender o porquê de tudo”, disse. As notas azuis nos boletins amenizavam outra característica: a personalidade forte. “Ela é danada e sempre a líder da turma. Sempre foi politizada, envolvida com as questões sociais, como o combate ao racismo”, conta a mãe.“
Faz parte contestar. No Cefet e na Ufba, fui do diretório acadêmico, do diretório central dos estudantes, das passeatas contra o aumento da passagem do ônibus”, listou. A mãe da pesquisadora também lembra as travessuras, como o pedaço de madeira que Viviane e os irmãos levavam para a escola em dia chuvoso. “Eles desciam a Ladeira da Água Brusca no meio do aguaceiro derrapando”.
*comtextolivre
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