Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, novembro 17, 2011

A era da grande concentração


Quem considera exagero classificar a nova safra de governantes do euro como prepostos das finanças contra a democracia; ou desdenha do emblema adotado pelos indignados norte-americanos ("nós, os 99% ") talvez mude de opinião diante da estatística revelada agora pela consultoria Wealthx, de Cingapura (http://www.wealthx.com/home/).
A empresa sabe do que fala. A especialidade da WealthX é prestar serviços aos super-endinheirados do planeta, razão pela qual mapeou o calibre da clientela e concluiu: 185.759 endinheirados dos quatro continentes detém uma fortuna calculada em US$ 25 trilhões, nada menos que 40% do PIB mundial. O seleto clube comporta acentuada divisão interna de camarotes: o nível A é ocupado por 1. 235 mega-ricos que controlam uma dinheirama quase igual a dois PIBs brasileiros: US$ 4, 2 trilhões. Mas a 'desigualdade' entre as classes endinheiradas não é nada perto do abismo que o dinheiro escavou entre elas e os mais pobres.
O padrão nunca seguiu uma ordem inversa, mas nas últimas três décadas a supremacia das finanças desreguladas conseguiu dar envergadura inédita à palavra desigualdade. Nos EUA, por exemplo, os 20% que estão no alto da pirâmide social detém 9,7 vezes mais riqueza do que os 20% mais pobres. E o abismo é ainda mais fundo do que a borda sugere. Um milhão de norte-americanos ultra endinheirados possuem fortunas que oscilam entre US$ 10 milhões a até US$ 100 milhões, sendo que nata dessa elite , 29 mil pessoas, acumula US$ 100 milhões per capita.
Historiadores e estatísticos de distintas cepas ideológicas convergem numa mesma direção: a humanidade nunca viveu sob a pressão de uma assimetria tão profunda. Há esforços contracíclicos e o Brasil da era Lula é um destaque: o censo do IBGE de 2010 mostra que a concentração de renda no país --graças a uma década de políticas sociais abrangentes, com ganho real contundente de 53% para o salário mínimo nos últimos oito anos-- reduziu o índice Gini de desigualdade em 11,5%. Mas os 10% mais ricos ainda ficam com desconcertantes 44,5% da renda total, enquanto 50% mais pobres dividem 17,7% do bolo.
Após 30 anos de 'mimos' neoliberais em escala planetária seria ingenuidade imaginar que a democracia e o poder sobreviveriam indiferentes a esse padrão de ordenação econômica. O golpe branco dos mercados na Itália e na Grécia; o bloqueio a Obama nos EUA e a ascensão da direita em Portugal e na Espanha, entre outros, demonstram que essa turma não está para brincadeira.
O neoliberalismo está em crise, mas eles não largarão um osso de US$ 25 trilhões voluntariamente. Se preciso, os fatos estão a demonstrar, implodirão de vez a unidade formal entre o poder político e o comando econômico, instalando diretamente seus centuriões no lugar da soberania do Estado.
Postado por Saul Leblon às 23:29

Nenhum comentário:

Postar um comentário