Ana de Hollanda e a ‘guerra de nervos’ da Cultura
BRASÍLIA - Após enfrentar um ano difícil à frente do Ministério da Cultura, marcado por críticas e poucas realizações, a ministra Ana de Hollanda anuncia, na próxima semana, o Plano Nacional de Metas da Cultura, depois de assinar um acordo com o Ministério da Educação, na área da leitura, que vai beneficiar quatro mil escolas e que buscará transformar jovens em agentes de leitura. Nesta entrevista, a ministra diz que 2011 foi duro por causa da crise internacional, que contingenciou o Orçamento, e também por causa das novas regras, aprovadas no Congresso, para convênios com ONGs. “Depois de todos os escândalos, as ONGs ficaram muito visadas”, comenta.
A ministra reforça que decidiu rever todas as ações da gestão anterior e comenta a proposta de nova legislação para os direitos autorais. Sobre esta, afirma que prevê a criação de um instituto para supervisionar entidades privadas como o Ecad, que arrecada e paga o direito autoral da música. Serena, conta que faz exercícios para lidar com as críticas e tentativas de desestabilização e sobreviver no que define como “guerra de nervos”. E diz que gostaria de continuar ministra para implantar programas que foram gestados neste ano, como o da Economia Criativa, atualmente em exame na Casa Civil. Mas faz questão de lembrar que a presidente é quem decide.
O GLOBO: A execução orçamentária do seu ministério está baixa neste ano. O que está acontecendo?
ANA DE HOLLANDA: Toda a sistemática ficou mais complicada. No início do ano, veio um decreto com restrições aos ministérios da Cultura e do Turismo. Restringia convênios com entidades privadas, que era a forma mais comum de se fazer convênios e repasses. Eles tinham que ser via prefeitura ou estado. Depois, (houve) mais dois decretos, inclusive agora em outubro, limitando esse tipo de convênio. A gente tentou ver se passava uma autorização para editais em que uma comissão julga entidades com mais de cinco anos. Não passou. Por exemplo: quero apoiar a Bienal de São Paulo, que já existe há 60 anos, ou a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). Mas não dá para fazer um repasse, a não ser que eu faça um grande edital para todas as entidades que podem se candidatar. Uma série de empecilhos foi gerando atrasos. Depois, com todos esses problemas com as entidades privadas, os escândalos, as ONGs ficaram muito visadas. A gente foi buscando saídas. Tivemos que trabalhar via editais, e isso atrasou. O edital tem um prazo de 45 dias, depois mais um prazo para saírem os resultados. Mas agora eles estão saindo, tem um grande de museus que logo vamos empenhar.
Críticos afirmam que a presidente Dilma Rousseff não dá tanta importância para a área de cultura, e por isso as liberações estão atrasando — o que também implica em críticas a seu trabalho...
Não é que não dê. A relação (com Dilma) não tem problema. Falo com a Miriam (Belchior, ministra do Planejamento), falo com a presidente, falo com a Casa Civil (ministra Gleisi Hoffmann). Então, os atrasos foram mais em função das crises. Uma consequência natural. A gente recua. O governo todo recuou em relação às entidades privadas. Em novembro teve um decreto para todos os ministérios, aquele dos convênios. Examinamos todos os nossos. Os que estavam em andamento eram 250, e 190 tinham algum tipo problema. Agora a gente entra em uma fase para resolver.
Essas dificuldades decorrem então do maior rigor que se buscou na liberação dos recursos, em função dos acontecimentos em outras pastas?
Em parte foi isso. Estamos trabalhando direto com a CGU (Controladoria-Geral da União). Eu também tive essa preocupação, no início do ano, de examinar todos os convênios. Isso foi pedido para a gente. Convênios foram suspensos, e teve gente que saiu se queixando nos jornais. Mas era isso. Nós pegamos os convênios do fim do ano, principalmente, e, antes de fazer qualquer pagamento, fomos ver por que convênios de todos os tipos foram feitos.
A senhora parece entusiasmada com o trabalho no ministério. Mas a impressão que temos, pelo que se lê, não é essa, é de esgotamento...
Não vou ficar me pautando pelo que estão dizendo. Este foi um ano de estruturação. No ano passado, foi aprovado o Plano Nacional de Cultura, e estamos fechando metas que vão até 2020. É uma política de Estado, não é apenas para este governo ou para este ano. (...) Nós temos um programa, que vai ser lançado já, o Mais Cultura com o Mais Educação, um convênio para várias ações juntando os ministérios da Educação e da Cultura (que inclui a capacitação de jovens para atuar como agentes de leitura, mediante pagamento de R$ 400, beneficiando cem mil famílias). (...) Sou otimista, porque tenho absoluta consciência do trabalho que está sendo feito.
Haverá mesmo redução no seu orçamento em 2012?
O orçamento que temos é de R$ 1,79 bilhão. Teremos ainda as emendas individuais, cujo montante não é conhecido, mais cerca de R$ 400 milhões do Fundo do Audiovisual. Neste final de ano, ainda teremos a liberação de recursos que estavam contingenciados.
A senhora mandou para a Casa Civil um projeto de Lei de Direito Autoral. Afinal, haverá fiscalização do Ecad?
A gente prevê um instituto para supervisionar o Ecad. Esse organismo não terá poder para fiscalizar, mas vai acompanhar e pedir a prestação de contas. Uma vez constatadas irregularidades, ou quando feitas denúncias, será requerida uma investigação. Na proposta anterior, havia uma medida que era a suspensão, o que era incompatível com o fato de essas associações (arrecadadoras de direitos) serem de direito privado. Não se pode suspender, mas, se não estão cumprindo sua finalidade, a gente denuncia. E todos os anos elas terão de apresentar a prestação de contas. O ministério vai fazer um acompanhamento.
A criação desse instituto é posterior à aprovação da nova Lei de Direito Autoral?
A lei tem que ser aprovada (antes). A gente já está delegando ao ministério essa questão de acompanhamento, de supervisão, de cobrar das entidades todas uma prestação anual. As denúncias comprovadas serão encaminhadas. Quando assumi, havia muitas queixas do mundo da criação. No ano passado, houve uma consulta pública, e uma proposta foi enviada à Casa Civil. Meu primeiro passo foi tomar conhecimento disso. Depois, publicamos na página do ministério aquela proposta. Foram feitas contribuições, promovemos um seminário e apresentamos um novo texto, que não é uma nova lei, mas uma revisão da primeira proposta.
O Ecad vai sofrer controle?
A supervisão está prevista. Vai ter supervisão.
Por que a proposta prevê que o licenciamento de obras será registrado em um banco de dados central?
Isso é um avanço. Vamos criar o registro pela internet. Tudo o que for publicado e comercializado terá um registro com todas as informações em relação a quem cabem os direitos sobre aquela obra. Nesse registro, o autor vai informar até de que forma pode autorizar o uso de sua obra. A gente pensou nisso em função do escândalo que houve com o Ecad. Foi aquele caso do laranja (o motorista Milton Coitinho, denunciado pelo GLOBO em abril) que registrou como sendo dele obras de outros compositores. Eram músicas que estavam em cinema, televisão, audiovisual, e que não tinham obrigatoriedade de registro. Aquilo estava no vazio. Quando você grava um CD ou DVD existe um registro internacional. Temos que fazer esse registro para tudo. Uma música não lançada que está no meio de um filme terá registro em nome de fulano. Hoje você não sabe o que está em domínio público. Tem que ir ao Ecad. Se tivermos esse banco de dados, o Brasil inteiro vai poder acessar. Esse mundo da criação é gigante, e nele impera a confusão.
Por que o texto do projeto não é público?
Porque ainda está em discussão. Primeiro foi discutido no Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual, agora está na Casa Civil, passando por avaliação jurídica e recebendo contribuições de outros ministérios, antes que chegue às mãos da presidente para que ela possa mandar ao Congresso.
Qual é a sua avaliação sobre as críticas que recebe?
Acho que têm muita relação com o fato de que a área que assumi tinha vários candidatos. Hoje li nos jornais que tem um pessoal protestando. As pessoas que estão encabeçando isso são as mesmas que assinaram manifesto de repúdio a mim quando meu nome foi sugerido como um dos possíveis, em dezembro do ano passado. Recebo trocas de e-mails entre eles. A crítica maior não é do meio artístico ou do meio cultural ou dos empreendedores. Acho que está relacionada com essa coisa do direito autoral. Tem esse pessoal que é muito ligado à cultura digital que já está se aproximando, porque nós temos a diretoria de cultura digital aqui, e está havendo diálogo. Tem também as pessoas que querem outro ministro, aí a crítica é para qualquer passo que eu dê, não tem jeito. Sobre essa proposta de direito autoral, primeiro disseram que eu queria mudar tudo, depois que eu copiei o Juca (Ferreira, seu antecessor no cargo). Quer dizer: ou uma coisa, ou outra.
A senhora está entusiasmada? Deseja continuar no ministério?
Estou. É cansativo, é esgotante e desagradável ver algumas surpresas, coisas que não têm pé nem cabeça, mas sou bem resistente e não me deixo abalar por isso. É uma guerra de nervos. Estou fazendo exercícios para não entrar nela. As críticas sempre partem de quem tinha pretensão de ser ministro. A presidente me convidou, e para mim é uma honra e um grande desafio. É claro que ela tem que ter uma equipe de confiança e que desenvolva programas de acordo com a política que ela estabelece. Eu estou em diálogo permanente. Se ela quiser mudar, não vou criar resistências. Ela foi eleita por maioria imensa, e é ela que vai saber qual é a política que quer conduzir. Eu a apoio e respeito tudo.
* Colaborou Joelma Pereira
*esquerdopata
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