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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, dezembro 19, 2011

O primo distante do Tea Party

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O Tea Party e o Ku Klux Klan possuem diversos elementos em comum.  É possível presumir então que ambos tenham alguma conexão além da ideológica?
Escrevendo para o New York Times, o historiador Kevin Boyle criou uma agitação com sua crítica de dois livros recentes sobre o Ku klux Klan (organização racista com origem no sul dos EUA após a Guerra Civil). Neste trecho está sintetizado o teor do texto, também servindo como passagem ofensiva:
Imagine um movimento politico criado em um momento de ansiedade terrível, suas origens escondias em uma combinação peculiar de manipulação e mobilização de pessoas comuns, seus postos dominados por cristãos conservadores e autoproclamados patriotas, sua agenda dirigida pela fervorosa retórica nacionalista, nativista e de regeneração moral, com mais do que um sopro de racismo bafejando por ele.
Não, não esse movimento.
Naturalmente, isto inspirou uma enxurrada de críticas de blogs e de especialistas de direita. Johan Goldberg, da National Review’s, ataca a crítica como “falha” e reclama que Boyle não mencionou os laços da Klan com os Democratas e Progressistas (como se fossem o mesmo grupo em 1920), enquanto o Media Research Center descreveu a crítica como ofensiva. A revista The Weekly Standard adota a mesma opinião de Goldberg, e leva seus leitores na direção de provas de que Democratas e Progressistas eram os reais aliados da Klan.
Alguns fatos. Qualquer historiador honesto rapidamente reconhece a extensão à qual a Klan estava entrelaçada com os políticos democratas na primeira metade do século XX. Embora ambos os partidos tivessem abandonado largamente os direitos civis no começo do século, é justo dizer que até 1940 o Partido Democrata era, sem dúvidas, um partido de supremacia branca nos Estados Unidos, especialmente no sul. Que a Klan estava envolvida com o Partido Democrata nos anos vinte não é um choque, dado o grau em que ambos os grupos dominavam estados periféricos como Kentucky na primeira metade do século.
Mais importante, Boyle não diz nada sobre a Klan como um órgão dos políticos republicanos. Ao invés disso, ele (corretamente) aponta que as forças que animavam a Klan – a cristandade conservadora, o nativismo, o populismo branco, o hiper-patriotismo e o preconceito racial – têm se manifestado através da história americana, inclusive hoje em dia. E, conquanto o Tea Party (movimento conservador e ultra-direitista ligado ao Partido Republicano) não seja um grupo terrorista contra negros, é difícil dizer até que ponto  o movimento seja motivado pela mesma constelação de forças reacionárias.
Os fatos ressaltam isso. De acordo com uma vistoria recente do Instituto de Pesquisa de Religião Pública (Public Religion Research Institute), 47% dos americanos que se identificam com o movimento Tea Party também se identificam com a direita religiosa, e 75% se consideram conservadores cristãos. Os políticos do Tea Party são majoritariamente brancos, mais predispostos a ver a imigração como um problema, e a nutrir um ressentimento contra americanos negros. Visto de outro ângulo, não é um acidente que os birthers encontraram um lar entre os adeptos do Tea Party. E obviamente, a retórica do Tea Party tende a aumentar as proclamações do patriotismo “real”, e um desejo de retornar às fundações da vida política americana.
O Tea Party é um movimento reacionário clássico na tradição americana, e como resultado, compartilha similaridades com a Ku Klux Klan. Eu repito, isso não significa que os adeptos do Tea Party também sejam da Klan, mas é simplesmente verdade que o movimento deriva de tópicos semelhantes na vida americana. Dada a extensão da clareza desse fato, os defensores conservadores do Tea Party estão, talvez, protestando um pouco demais.
Jamelle Bouie
Tradução de Othon Veloso Schenatto
Acesse o original aqui
*GilsonSampaio

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