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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, dezembro 19, 2011

O Narcotráfico: uma arma do império

do Cidadã do Mundo
Gilberto López y Rivas
La Jornada
A Argenpress, em suas edições virtuais, colocou à venda o livro “O Narcotráfico: Uma Arma do Império”(2010), de Marcelo Colussi, cuja leitura se torna imprescindível para a análise sobre o assunto no âmbito planetário e, em particular, para a compreensão da trágica situação que nosso país (*) vive atualmente. Considerando-se seu trabalho como uma contribuição para uma área onde existem demasiadas mentiras, o autor sustenta que, ao redor do narcotráfico há uma versão oficial, usada incansavelmente pelos meios de comunicação de massa, e uma realidade oculta.
Observando a magnitude descomunal do negócio das drogas ilícitas, afirma que o circuito comercial movimenta cerca de 800 bilhões de dólares anuais, acima do valor das vendas de petróleo, mas abaixo do valor das vendas de armas, que continua sendo o mercado mais rentável de todo o mundo. A hipótese principal de Colussi consiste em explicar que o poder hegemônico liderado pelos EUA encontrou nesse novo campo de batalha um terreno fértil para prolongar e readequar sua estratégia de controle universal. Assim “como o encontrou também com o chamado `terrorismo`, nova `praga bíblica´ que tem possibilitado a nova estratégia de dominação militar unipolar, com sua iniciativa de guerras preventivas”.
Sustenta-se que os mesmos fatores de poder que movem a maquinaria social do capitalismo global criaram a oferta de entorpecentes, geraram sua demanda, e sobre a base desse circuito, teceram o mito de algumas maléficas máfias super poderosas enfrentadas com a humanidade, causa das angústias e ansiedades dos honestos cidadãos, motivo pelo qual está justificada uma intervenção policial-militar em escala planetária.
Seguindo uma metodologia de perguntas e respostas, nosso autor estabelece uma interrogante chave: quem se favorece com o tráfico de drogas ilegais? Ele responde que, para as grandes maiorias, não há benéficio algum: o dependente de drogas entra em um inferno no qual não mais de 10 por cento dos que tentam consegue se recuperar; seus familiares levam uma carga de agonias, pois o vício envenena toda a convivência; aos agricultores que cultivam a matéria prima nos países do sul somente chega 1% dos lucros totais do negócio; entre os povos indígenas, o pagamento em dinheiro, a repressão e a cultura deliquencial rompem com as estruturas dos auto-governos comunitários; a economia camponesa de consumo próprio é substituída por outra mercantilizada; a cultura do dinheiro fácil vinculada à criminalidade liga-se a toda uma desagregação do tecido social, que entra em um processo de decomposição e de guerra; todo o aparato de banditismo e o dedicado à comercialização, seja o mula, o jibaro ou o capo, têm um histórico de vidas breves e fortunas efêmeras (de alguns poucos), nas quais a morte e a prisão estão sempre ao redor na esquina. Não é uma economia sustentável. É uma história de sofrimento e dor. A nós, latino-americanos, nos sobram a crise, a guerra civil, os mortos, sociedades destruídas e somente alguns dólares que movem as máfias locais.
Essas máfias, afirma Colussi sem lhes tirar sua quota de responsabilidade, não são senão uma pequena parte de toda a cadeia. Os mafiosos são comerciantes que fazem seu trabalho e não passam disso;ganham dinheiro, muito dinheiro sem dúvida, mas não tem poder de decisão sobre os termos macro do assunto... os que fazem a grande fortuna, definitivamente são os banqueiros: “essa massa enorme de dinheiro que move o negócio - que certamente se traduz em poder, muito poder político e poder social – também chega a outras esferas de ação: esse dinheiro é “lavado” e chega a circuitos aceitos... Não é nenhuma novidade que existe toda uma economia ´limpa´, produto de ações de branqueamento dos capitais do narcotráfico, e são bancos ´limpos´ e honoráveis os que costumam fazer essas operações, os mesmos que manejam o capital financeiro multinacional que hoje controla a economia mundial, e aos quais o Sul pobre aporta cifras astronômicas na qualidade de dívida externa”.
Mas, além de ser um enorme negócio, o tráfico de drogas ilegais tem outro significado: é utilizado como mecanismo de controle das sociedades. É um dispositivo que permite uma supervisão do coletivo por parte da classe dominante. Passa-se a controlar a sociedade em seu conjunto e ela é militarizada, tendo-se a desculpa ideal para que o poder possa mostrar os dentes. Uma população assustada é muito mais manobrável.
Por sua parte, o imperialismo norte-americano vem aplicando de forma continuada um suposto combate ao negócio das drogas ilícitas, cujo objetivo real é permitir aos EUA intervir onde desejar, tenha interesses ou onde estes sejam afetados. Terminar com o consumo está absolutamente fora de seus propósitos. Onde há recursos que ele precisa explorar – petróleo, gás, minerais estratégicos, água doce, etc, e/ou focos de resistência popular, aí aparece o demônio do narcotráfico. Isso é uma política consubstancial a seus planos de controle global. Graças a ela, o governo dos Estados Unidos conta com uma arma de dominação político-militar. Na realidade, o suposto combate ao narcotráfico é a montagem de uma sangrenta obra de teatro. É um combate frontal contra o campo popular organizado, no qual na Colômbia e agora no México, por exemplo, as oligarquias e seus governos tem-se sujeitado docilmente às estratégias dos EUA, sendo a plataforma para a contra-insurgência, a criminalização das resistências e a militarização e paramilitarização de nossos países. O consumo induzido de drogas é parte medular da manutenção do sistema capitalista, tanto como o é a guerra, razão por que o autor apresenta em sua conclusão a mesma disjuntiva de Rosa de Luxemburgo: socialismo ou barbarie.
(*) México (N.do T.)
*GilsonSampaio

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