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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, dezembro 06, 2011

Telespectadores Palhaços: Como a Globo Fraudou as Eleições de 1989



A TV Globo está buscando reciclar-se. Vem aí a comissão da verdade e por mais pífios que venham ser seus resultados, deverão produzir uma revisão da historiografia oficial até agora adiada por grupos que deram força à ditadura militar a pretexto de salvaguardar as relações entre as instituições. Leia-se: setores direitistas da imprensa, do exército e do parlamento.
Mais esperta que o próprio exército, que até hoje fala pela boca do milico canalha e deputado federal Jair Bolsonaro, a Globo prepara uma espécie de “soft landing” ou pouso suave desde sua trajetória de associação com o golpe de 1964 ao solo democrático firme de um país liderado pela ex-prisioneira política Dilma Russef.  
Nesse pretendido movimento de aterrissagem sem solavancos, a Globo deslocou para segundo plano personagens carimbados de seu mais recente passado de insolência política, como Miriam Leitão e Alberto Sardemberg que integrou o governo FHC como secretário de imprensa.  Substituiu o linguajar duro das críticas de partido oposicionista que não é por comentários enviesados feitos por caras novas de seu telejornalismo.
Até o quadro da sagrada família a Globo retirou da sala dos brasileiros ao separar o casal 20, com a troca da insossa esposa Fátima Bernardes pela sensual amante Patrícia Poeta. Diga-se, mais patrícia que poeta.
Faz parte também do projeto de reposicionamento da emissora o livro escrito pelo seu ex-diretor de produção, José Bonifácio Sobrinho, o Boni. 

A título de contar sua trajetória de encantador de telespectadores nos anos 80 e 90, o ex homem-forte de Roberto Marinho faz revelações aparentemente bombásticas sobre os bastidores de um dos mais intrigantes episódios da memória das disputas políticas no país: o do debate que travaram Lula e Collor às vésperas das eleições que conduziu esse último, dono da afiliada à Globo no estado de Alagoas, à presidência da República.
Um detalhe que não se encaixava bem no “script” desse reposicionamento da emissora intentado com livro era a informação de que Collor tinha sido preparado para o debate pelo staff da própria TV Globo. Mais grave, por ninguém menos que seu diretor de produção que, segundo as próprias palavras, disse ter instruído Collor “em todos os aspectos formais do debate" e "só não lhe pondo caspas sobre o paletó, como as tinha Jânio Quadros (ex-presidente populista) porque não quis”.
A atitude do ex-diretor pareceu estranha só até alguns dias atrás, quando o atual diretor de telejornalismo da TV Globo, Ali Kamel, veio a público pontuar que a iniciativa do Boni em produzir Collor para aquele debate foi pessoal de Boni e que Roberto Marinho (presidente falecido da emissora) nada teve a ver com isso.
Ficou claro que a intenção velada da emissora com a declaração de Boni era desvincular o fundador das Organizações Globo do acontecimento, circunscrevendo o episódio ao indiscreto informante, o qual, no momento seguinte, haveria de declarar que de fato “Dr. Roberto de nada sabia”.
Mas se até as mentiras de amor tem pernas curtas que dirá então as maquinadas pela vileza. Paulo Henrique Amorim, o corajoso cruzado que tem dedicado sua vida a revelar as conspirações políticas da TV Globo desde que esta foi parida em Nova Iorque em sociedade firmada com o grupo norte-americano de mídia Time Life, mostra o quanto há de ficção nessa versão dos acontecimentos a que se dedicam agora fixar os atuais e os ex-empregados da família Marinho em abono do passado da empresa.
Amorim relata associação de fatos que fez o ex-assessor de imprensa do candidato Lula naquela ocasião, o jornalista Ricardo Kotcho. Conta Kotcho, reproduzido por Amorim, que chegando aos estúdios da TV Bandeirantes onde houve reunião para acertar as regras do debate que aconteceria 2 dias depois na Globo, encontrou nos bastidores a dupla Cláudio Humberto (assessor de imprensa de Collor) e Alberico Cruz, à época diretor de jornalismo da Globo.
Desconfortáveis com o encontro, já que Alberico dava expediente no Rio e não haveria porque estar na Rede Bandeirantes tratando de assuntos organizacionais de um debate e tampouco na companhia de quem estava ,os parceiros trataram de justificar que os dois tinham se encontrado casualmente no avião  quando ele, Alberico, vinha à concorrente tratar de outros assuntos.
Kotcho ficou com a pulga atrás da orelha e com razão. Alberico estava ali por outra razão.  Como as imagens do debate seriam editadas no dia seguinte em São Paulo mesmo, a presença do chefe atendia a uma missão do próprio presidente da empresa que o havia incumbido de que o vídeo do debate fosse cortado e recortado de tal modo que mostrasse “tudo de bom de Collor e tudo de mal do Lula”.
Como se soube disso? Por intermédio de outro personagem que não havia entrado no relato até agora, o editor de política do Jornal Nacional Ronald de Carvalho. Era ele o responsável pelo noticiário eleitoral do principal noticioso da emissora, que contava com mais de 70% de audiência no país.
Naquela altura dos acontecimentos Ronald já havia recebido instruções nesse sentido diretamente do dono da emissora, o patriarca Roberto Marinho, de que preparasse o chefe de edição em São Paulo para o fato de que o diretor de jornalismo Alberico Cruz para lá se deslocaria a fim de comandar pessoalmente os trabalhos de edição do telejornal que iria ao ar.
E foi assim que Alberico Cruz postou-se na manhã seguinte junto aos técnicos Otávio Tostes e Wianey Pinheiro para acompanhar a edição das imagens do debate realizado na véspera. Soube-se ainda que a a montagem não pode ser completada dentro do horário previsto para fechamento do  telejornal, motivo que obrigou Alberico a interferir diretamente para que fosse feita a inclusão.
Como último movimento da trama, acrescentaram ainda à edição do telejornal uma enquete feita por telefone simultaneamente ao debate, em que se avaliava entre os espectadores quem havia vencido o confronto. Coube a Alexandre Garcia, figura a quem reservavam as falas oficiais da emissora, preparar a audiência para a pesquisa que daria Collor na frente.  Cerimonioso disse que democracia era assim mesmo, “tinham que ser respeitadas as pesquisas”.
Com a transmissão do Jornal Nacional naquela noite Collor venceria as eleições por antecipação, sendo de todo dispensável o pleito do dia seguinte devido a farsa que havia sido montada e a impossibilidade de resposta da candidatura oponente.  
A história daí para frente todos conhecem: a construção da imagem de Collor como super herói, uma espécie de Hitler pós-moderno, o confisco da poupança pela prima Zélia de Mello e o final feliz do casamento da moça com o principal humorista do canal de televisão, Chico Anísio.
Uma comédia, haverá de registrar a história do século XXI em que Rede Globo até hoje não pagou um centavo de cachê aos palhaços dos brasileiros.

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