Erundina devolve mandato dos cassados durante a ditadura
Em 6 de dezembro, exatos seis dias após completar 78 anos, a deputada
federal Luiza Erundina (PSB) pisará no plenário da Câmara dos Deputados
para mais um capítulo da batalha de ordem política e pessoal que a
move – mas, desta vez, com uma ponta de ironia nos argutos olhos
verdes.
Em cerimônia, a casa devolverá simbolicamente, em uma sessão de posse
embalada pelo Hino Nacional interpretado por um cantor lírico, o mandato
aos deputados cassados durante a ditadura. Os parlamentares, ou suas
famílias, receberão o diploma e o broche típicos. “É uma forma de a
Câmara devolver ao povo o mandato que os torturadores usurparam de seus
representantes”, diz Erundina, plácida, na manhã da segunda-feira 12,
em seu gabinete político em São Paulo. “E é o mínimo que podemos fazer
agora, enquanto não aprovam a mudança na lei da anistia.”
Erundina não desiste
Até a terça-feira 13, o presidente da casa, Marco Maia, não havia dado o
aval à sessão solene pensada por ela e requerida pelo
primeiro-secretário Eduardo Gomes (PSDB-TO). Segundo a assessoria do
presidente, “o pedido chegou tarde” e, “por questão de calendário”, foi
decidido “priorizar a votação de matérias”. Maia não confirmaria quando
ou “se” o evento ocorreria. “Três horas de cerimônia iriam atrapalhar
tanto? Justo quando o País faz um esforço para buscar a verdade?”,
rebateu Erundina, um dia depois, já em Brasília e prestes a discursar no
ato organizado pela OAB para homenagear os advogados de presos
políticos – “para o qual a Câmara não liberou um centavo, nem para as
passagens dos homenageados”, diz. Ela então subiu nos tamancos: na OAB,
denunciou “a má vontade que a casa sempre demonstrou em investigar sua
história”. Na quarta 14, a confirmação da data do evento chegou.
São poucos os políticos que conseguem incomodar tanto o Legislativo e
Executivo ao mesmo tempo. Não apenas a deputada não coopera com o
esforço do governo de agradar aos dois extremos do espectro ideológico
com um consenso forjado por paliativos como desafia o silêncio do
Congresso sobre o tema mais espinhoso da história brasileira.
A sessão simbólica é só um exemplo. Inconformada com a decisão do
Supremo Tribunal Federal de 2010, por exemplo, que rejeitou o pedido da
OAB por uma revisão na Lei da Anistia que desconsiderasse como “crimes
conexos” tanto a ação de agentes da repressão quanto a da luta armada, a
parlamentar decidiu, no ano passado, redigir um projeto. Pretendia
alterar o artigo 1º da lei de 1979. A mudança retiraria da anistia os
agentes públicos, torturadores pagos pelo Estado para sequestrar,
torturar e assassinar cidadãos, e permitiria sua punição, “o que
aconteceu em qualquer país decente, menos aqui”. Mas o PL foi apreciado
pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa, onde caiu nas mãos do
conservador Hugo Napoleão (DEM-PI), que o rejeitou, e logo nas de Vitor
Paulo (PRB-RJ): a decisão foi idêntica. O projeto estacou, ignorado, na
Comissão de Constituição e Justiça.
No Vermelho
*comtextolivre
Nenhum comentário:
Postar um comentário