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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 28, 2011

Marcha pela Liberdade e a censura prévia em São Paulo 

 

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Sempre gostei do poema do dramaturgo alemão Bertold Brecht que tratava da indiferença. Andaram pela mesma linha Maiakovski e Niemöller, escrevendo sobre o não fazer nada diante da injustiça para com o outro, até que, enfim, o observador passivo se torna a vítima. Situação mais atual do que nunca, em um dia em que a Justiça do Estado de São Paulo decide impor censura prévia a uma manifestação pelo receio de que, talvez-sei lá-quem sabe-pode ser, venha a ocorrer apologia às drogas. Do alto de seu pedestal, de onde avistam de longe a sociedade, os excelentíssimos não perceberam que a discussão não é mais apenas sobre a maconha e sim sobre o direito de não apanhar por manifestar livremente as suas idéias.
Muitas das pessoas que estiveram no protesto da semana passada e estarão no de hoje em São Paulo não fumam maconha, bebem cerveja, tomam uísque, usam tabaco, ou seja, não consomem nenhum entorpecente. Mas vão às ruas pelo direito a ter direito à palavra. Tripudiam o “não é comigo, então que se danem os outros”, porque sabem que quando chegar o amanhã e vierem bater à sua porta pode não haver mais ninguém para ajudar.
Ou, lembrando John Donne, poeta inglês, citado em “Por Quem os Sinos Dobram”, de Ernest Hemingway, ao defender que a fatalidade sobre qualquer ser humano me diminui, pois sou parte da humanidade: nunca procure saber por quem os sinos dobram, pois eles dobram por ti. Temos uma boa Constituição Federal, que defende as liberdades individuais, mas não conseguimos colocá-la em prática. Isso vale uma reflexão. Afinal de contas, a culpa por esse fracasso é sempre dos outros? Ou ficamos também nós em pedestais de mármore lutando pelo nosso quinhão de direitos enquanto o meu vizinho se estrepa?
Por fim, um comentário. Se a decisão tivesse saído de qualquer outra corte brasileira, talvez me espantasse. Mas como veio das togas do Estado de São Paulo, fico mais tranqüilo. Faz sentido.
Maria Aparecida foi mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador. Perdeu um olho enquanto estava presa. Sueli também foi condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas. São dois, mas poderia ter dado muitos outros exemplos que ocorreram em São Paulo, Estado que julga com celeridade casos de reintegração de posse contra sem-terra e sem-teto, mas é moroso nos casos de desapropriação de terras griladas que deveriam retornar ao poder público. Implacável quando o furto é pequeno, preguiçoso quando o furto é grande.
Não creio que manter alguém na cadeia por conta de um xampu vai ajudar em sua reinserção social. Da mesma forma, não é possível em sã consciência acreditar que proibir o debate sobre as drogas irá impedir que elas sejam usadas. Mas preferimos o porrete ao diálogo.
E normalmente a sanha punitiva tem alvo certo por aqui: a massa de sem-advogado, rotos e pobres, que ousam ir contra alguma coisa. Havia muita gente de classe média respirando gás lacrimogênio na semana passada, mas também muitos da periferia. Sem medo de ser leviano, creio que o fato do protesto ser menos branco e mais pardo facilita um pouco para a Justiça e a polícia. Afinal de contas, se a manifestação fosse em um bairro nobre, juntando o pessoal criado no leite Ninho, teria o Estado se sentido tão à vontade para descer o cacete?

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